Em fevereiro de 1970, oito meses antes de morrer de overdose, aos 27 anos, a cantora americana desembarcou no Rio de férias, na intenção de manter distância da heroína, droga inexistente no país naquela época. A questão foi que Janis, ícone da contracultura e um dos maiores talentos do rock americano, chegou às vésperas do carnaval, e, levando em conta sua enorme disposição para enfiar o pé na jaca, ela fez de tudo — menos detox.

Cantora chega à pérgula do Copacabana Palace para conversar com os jornalistas – Foto: Agência O Globo

Janis chegou numa sexta-feira pré-folia, na companhia de Linda Gravenites, que assinava os exuberantes figurinos usados pela cantora nos palcos. No curto período em que passou na cidade, ela assistiu aos desfiles das escolas de samba na Candelária, fez topless na Praia da Macumba, foi barrada num camarote do Theatro Municipal e deu canja em inferninhos da Zona Sul, além de beber vodca, Fogo Paulista e licor de ovo como se não houvesse amanhã.

“Ela não estava nada bem, tinha acabado de lançar seu segundo disco, com a Kozmic Blues Band. Mas acabou curtindo o carnaval aqui do seu jeito: intensamente” — lembra o fotógrafo Ricky Ferreira, que hospedou a estrela no quarto e sala onde morava, no Leblon.

Ricky, que era fotógrafo da versão brasileira da revista “Rolling Stone”, encontrou Janis com a amiga perambulando sem rumo pelas areias da Praia de Copacabana. A musa do movimento hippie apareceu no Copacabana Palace sem marcar reserva e, segundo ele, foi expulsa do hotel depois de ter nadado nua na piscina.

“Eu a reconheci de cara. Ela estava chorando, meio desnorteada porque não tinha para onde ir. Eu então convidei as duas para o meu apartamento, que ficava entre as ruas Humberto de Campos e João Lira e não tinha nem telefone. Mas logo Janis brigou com a Linda e a botou pra correr” — conta Ricky, que em 1968 tinha morado em Nova York e trabalhado na boate Tarot, bem embaixo da famosa Factory de Andy Warhol.

Janis Joplin badalou pelo underground carioca. Numa noite, os dois foram parar na boate Bolero, inferninho frequentado por prostitutas e marinheiros que funcionava na Avenida Atlântica, na altura da Rua República do Peru. Logo que entraram, a cantora foi reconhecida pelo roqueiro Serguei, que naquela ocasião atacava de crooner, à frente de uma pequena orquestra. Na mesma hora, ele anunciou a presença “da maior cantora de todos os tempos” e a chamou para subir ao palco. O pedido foi aceito prontamente, mas Janis teve que cantar a capela, porque os músicos não faziam a menor ideia de como executar seu repertório.

“O lugar era superfuleiro, tinha até basculante atrás do palco. Mas Janis detestava lugar da moda e então ficou muito à vontade. Foi impressionante. Quando ela terminou de cantar, todo mundo que estava lá mandou garrafas de bebida para a nossa mesa. Tomamos um senhor porre” — diz Ricky

Serguei e Janis Joplin

Janis também soltou a voz na boate Porão 73, que ficava no Leme, a convite de Serguei. O roqueiro, contou que esbarrou de madrugada com a estrela no calçadão de Copacabana, agarrada ao americano David Niehaus, que ela conheceu no Brasil. Os três chegaram à porta da casa de shows às três da madrugada. Vestida com uma blusa, uma saia estampada no estilo cigana e uma faixa amarrada na cabeça, Janis por pouco não foi barrada pelo gerente da casa noturna — um português que, de acordo com Serguei, confundiu-a com uma mendiga. Lá dentro, ela levou a plateia ao delírio quando cantou um dos seus maiores clássicos, “Ball and chain”, com um copo de vodca na mão.

“A boate inteira se levantou e a aplaudiu de pé. Depois levei os dois para tomar caldo verde num boteco e encerramos a noite na praia. Janis tirou a parte de cima, mas ninguém transou. Ficamos de papo” — garante Serguei, que havia sido apresentado a Janis dois anos antes, nos Estados Unidos, pelo percussionista Laudir de Oliveira, ex-integrante da banda Chicago.

Alcione e Tony Tornado, que cantavam na noite, também estavam na plateia e assistiram à performance arrebatadora de Janis, conhecida por suas interpretações viscerais.

Apesar de ter vindo à cidade praticamente anônima e sem o respaldo de sua gravadora, Janis recebeu a imprensa para uma entrevista coletiva na pérgula do Copacabana Palace, com as presenças do artista plástico Hélio Oiticica e do jornalista Luiz Carlos Maciel, editor do semanário alternativo “Flor do Mal”. Janis, que tinha o rosto coberto de acne, chegou sorridente, bem maquiada, com óculos redondos de lentes coloridas. Em diversos momentos da conversa, ela demonstrou interesse em saber quem era a cantora “Girl Costa” — obviamente sem saber que o nome dela é Gal.

“A entrevista aconteceu em volta da piscina. Janis era uma mulher muito inteligente, vibrante, viva. Lembro do Hélio (Oiticica) falando que não entendia por que ela era considerada feia. Janis conversou com os repórteres bebendo um copo alto de vodca com gelo. Mas não estava bêbada” — ressalta Maciel.

No Copa, Janis e Ricky Ferreira foram convidados para o baile de carnaval do Theatro Municipal, pelo empresário Eronildes Alves de Oliveira — dono da rede de lojas Erontex. O estilo hippie e descolado da cantora causou alvoroço entre os foliões na Cinelândia.

“O pessoal olhava e pensava que ela era um travesti, por causa do chumaço debaixo do braço. Janis ficou fascinada com as fantasias de gala e os brilhos dos figurinos. No fim das contas, acabamos sendo barrados no camarote, e ela ficou uma fera. Nem quis dar entrevista para o Jerry Adriani, que estava na porta do teatro conversando com os convidados” — relembra Ricky.

No dia 8 de fevereiro, Janis pulou carnaval no Centro com o DJ e radialista Big Boy. Do palanque — versão antiga e mais tosca dos atuais camarotes — da revista “Manchete”, ela assistiu aos desfiles das escolas de samba, que eram realizados na altura da Candelária. Janis chegou ao puxadinho sem entourage ou qualquer intenção de causar alarde. Rapidamente, instalou-se no canto esquerdo da estrutura para conferir atentamente o desfile do Salgueiro, que em 1970 defendeu o enredo “Praça Onze, carioca da gema”. Fã de Bessie Smith e fortemente influenciada pela música negra americana, Janis Joplin demonstrou ter aprovado a ginga do samba carioca.

“Ela ficou numa boa e estava sinceramente interessada em entender tudo sobre aquilo que estava vendo. Então eu expliquei o que era uma ala, um samba-enredo, e ela gingava o corpo como quem estivesse gostando do som” — conta o jornalista e economista José Paulo Kupfer, que cobria o carnaval para as revistas “Manchete” e “Fatos & Fotos”.

Depois de sua passagem pelo Rio, Janis foi de moto com o namoradinho americano em direção à aldeia hippie de Arembepe, a cerca de 50 quilômetros de Salvador, na Bahia. Da data exata, ninguém se lembra. Para os amigos do Rio, sua presença meteórica não passou em branco. Mas ficou a sensação de que ela, apesar de todo o talento, era uma artista atormentada e insegura com sua condição de superestrela.

“Foi uma mulher que viveu em alta voltagem, de uma bipolaridade incomum. Estava sempre com um cigarro aceso e parecia ter uma sede constante de vodca. Mas, no fundo, ela só queria amor. Porque para dinheiro ela não ligava” — resume Ricky.

Entre os amigos Lula (de lado), Marcelo (sentado) e Piti
Janis demonstrava estar à vontade em Salvador dos anos 70

Com trechos de : Jornal “O Globo” e “Correio 24 Horas”

Encontre sua banda favorita