Girls On The Front – Nata, vocalista do Manger Cadavre? “Sempre vi a galera indicar banda gringa com mina, mas nunca falavam nada sobre as brasileiras, sendo que há muitas”

GIRLS ON THE FRONT é um quadro criado por 4 redatoras para falar sobre mulheres e para encorajar outras a continuarem o seu objetivo na música e, para isso, contaremos a vida e carreira de mulheres no metal brasileiro e internacional.

A convidada dessa edição é a Nata de Lima, vocalista da banda de crust/hardcore Manger Cadavre?, ela também é DJ, produtora de eventos da Soco Na Fuça há 15 anos, e também é fundadora da página União das Mulheres do Underground.
A Nata também participa da produção do canal Scena, onde têm um podcast bem legal com a Sirlene Farias, o “Blasfêmea“, que têm o intuito de falar sobre a história das mulheres na cena musical, de uma forma BEM descontraída!

– Quando surgiu o seu interesse em fazer música?

Nata: Eu sempre estive ligada ao meio musical. Organizo shows independentes desde os 16 anos, aos 18 anos, eu e o atual batera da minha banda (que também é meu melhor amigo), começamos uma produtora chamada Soco na Fuça e seguimos há 15 anos organizando pelo menos 4 festivais por ano. Então, como ele era baterista, quando resolveu criar a Manger Cadavre? foi natural querer que eu fizesse parte da banda. Como eu não toco nada (já tive uma tentativa frustrada de ser baixista no passado), ele sugeriu que eu cantasse, e me ensinou mais ou menos como fazer vocal gutural. Isso foi em 2011 e sigo na banda.

– Quais foram as suas principais influências no começo da sua carreira? E quais são as de hoje?

Nata: Influências de vocal feminino eram a Marly da banda de grindcore da baixada santista, No Sense, e a Elaine Campos do Abuso Sonoro (atual Rastilho). Mas devido aos meus timbres, acabei seguindo a linha do Felipe do Confronto e John Tardy do Obituary, que são os quais minha vocalização se aproxima mais, apesar de eu fazer três tipos de vocal (gutural, drive – rasgado e o berrado mesmo). Na área de discotecagem, foram meus amigos Aninha Ramone e o Dario do Vale Punk. Eles me inseriram nesse ambiente e eu me apaixonei pela CDJ, e hoje tenho a minha própria DDJ. Discotecar é um dos grandes prazeres que eu tenho na vida.

– Quais as dificuldades que você sente como artista?

Nata: Eu nem me considero artista, pois a banda não é uma profissão, e por estar no meio da anti-música, eu acho meio complicado me ver como uma. Penso que a maior dificuldade em se manter uma banda é a questão financeira. Recentemente perdemos um membro fundador por isso. Tudo é muito caro, ensaios, instrumentos, manutenção de instrumentos. Apesar do Manger ser uma banda que tem os custos de locomoção e hospedagem bancados pelos produtores, nem sempre foi assim. Tem ainda a questão de que para ficar na estrada você deixa de trabalhar e deixa de ganhar a grana para pagar as suas contas e a vida adulta é implacável. Os boletos não esperam. Eu tenho a facilidade de trabalhar como social media e conseguir atuar de forma remota, mas é exaustivo fazer uma tour de 15 dias, dormir e comer mal e ter que acordar cedo para entregar as demandas de trabalho. Mas é uma vida que eu escolhi e enquanto existir ânimo e saúde, seguimos. Sinto que se a gente pudesse ter uma subexistência por meio da música, poderíamos produzir muito mais e com mais qualidade do que já fizemos até hoje. No Manger todo mundo é trabalhador e ninguém tem um respaldo financeiro da família pra poder ficar tranquilo.

– Falemos um pouco sobre a Manger Cadavre?, sei que a banda começou em 2011, como foi a aceitação da banda naquela época? Querendo ou não, o cenário era totalmente diferente né..

Nata: Foi muito boa! Aqui no interior a galera é muito unida, então desde os primeiros shows sempre teve muita galera, mesmo quando a gente era ruim (risos). Isso foi muito motivador, pois independentemente de qualidade de som, sempre teve uma galera monstro apoiando a gente. E desde que começamos caímos na estrada, né. Isso ajudou demais no nosso desenvolvimento enquanto banda. Éramos um sexteto, e por questões de logística, a banda acabou se tornando um quarteto e seguiu assim até os dias de hoje. Então, acho que por a gente já organizar shows e estar muito inserido na cultura independente da nossa região, tivemos um privilégio de ter toda uma comunidade nos apoiando e curtindo o rolê junto. Sei que não é a realidade de todas as bandas e por isso eu sempre falo que o Vale do Paraíba é foda e amo muito a nossa região. Não fosse por eles, talvez a gente não tivesse conhecido o Brasil inteiro com a banda.


– E como são os processos de composição da banda?

Nata: Bom, como eu não toco, o instrumental é feito pelos caras e eu opino com o “gosto” ou “não gosto”. Não sou uma pessoa criativa a ponto de criar uma sonoridade mentalmente hahahaha. Mas geralmente alguém traz uma ideia, desenvolvemos nos ensaios, e então eu coloco o vocal por conta de métrica e por último faço a letra em cima do vocal criado.

– Você tem alguns projetos paralelos, como a página União das Mulheres do Underground, que inclusive já me ajudou bastante a conhecer mais sobre o cenário feminino na música. Então conta para nós, como surgiu a ideia e sobre a importância que essa página têm pra nós mulheres.

Nata: Surgiu na necessidade de catalogar as bandas com mulheres existentes no Brasil. Sempre vi a galera indicar banda gringa com mina, mas nunca falavam nada sobre as brasileiras, sendo que há muitas e há muitas com qualidade excepcional. Entao chamei algumas amigas espalhadas pelo Brasil para realizar essa empreitada. Tem rolado bem desde 2017 e já foram mais de 600 bandas em atividade encontradas.

– Outro projeto é o podcast Blasfêmea, onde você e a Sirlene Farias falam sobre a história da mulher na cena, fale um pouco sobre isso também.

Nata: Ah o Blasfêmea é o nosso “momento boteco”, por mais que a Sirlene seja straight edge. Hahahahaha. O podcast é tipo um bate papo sobre som que eu sempre tenho com a Sir. A gente sempre conversou muito sobre som. Inclusive nos tornamos amigas por causa disso (ela organizou um show para a minha banda no ABC, e desde então foi um encontro de almas, é uma das minhas melhores amigas). Eu faço parte do canal Scena e uma das questões que sempre debatemos é a equidade de gênero. Mesmo com a participação de bandas e tendo apresentadoras, os números de inscritas no canal e expectadoras dos programas é sempre muito baixo. Por isso a gente pensou que um programa falando sobre a mulher na música (história e atualidade) de uma forma divertida, que é como a gente conversa no dia a dia. A Sirlene é jornalista de formação e eu relações públicas. Então pesquisa sempre foi o nosso forte. As piadinhas infames também!

– Têm alguma história curiosa/tensa/engraçada sobre sua carreira para dividir com a gente?

Nata: Cara, história a gente tem de monte… Mas acho que a mais engraçada foi o dia que eu caí do palco, e fui fotografada exatamente no momento que tava chegando no chão. Isso virou figurinha no Telegram, que todo mundo me zoa até hoje. No show, eu caí mas não parei de cantar e fiquei lá no chão rindo e cantando hahahaha. Tenho muitas lembranças boas com os caras, pois sempre fomos amigos. Então até nas roubadas era massa estar junto com eles.

– A pandemia está afetando os seus projetos e da banda? Como vocês estão lidando com esse momento?

Nata: Sim, mas acho que a pandemia foi um breque necessário pra gente. Com a mudança de formação, a gente não teve tempo de parar e refletir nada, pois haviam shows marcados até julho desse ano. Então cumprimos todos até março com substitutos (com integrantes do Desalmado, Surra e Crânula) que estavam quebrando o galho, mas como já tem suas respectivvas bandas não ficariam com a gente. Mas a ideia era gravar dois sons com eles para registrar esses seis meses em que convivemos e depois partir para o anúncio da nova formação. Atualmente o novo guitarrista, já está compondo com o Marcelo (batera), cada um na sua casa. Quando voltarmos aos ensaios, acredito que teremos o novo álbum bem encaminhado. Faz falta tocar, mas nesse momento a gente pode focar em coisas que a gente ama e não tinha tanto tempo. De certa forma essa pausa obrigatória foi boa, mas chega já! Até porque a morte de tanta gente, a situação de agravamento de desemprego e miséria tem nos afetado muito.

– Dê um conselho pras minas que querem trilhar no caminho da música, seja como produção, musicistas, fotografia…

Nata: Faça o que puder, mas faça sempre. Vai ter sempre quem critique de forma nociva, mas quem perde tempo com isso não está trabalhando. Então mesmo que você saiba que não é tão boa em algo, comece. É a estrada, a jornada que vai fazer você melhorar. Tudo na vida é processo. Então ouça as críticas que buscam te ajudar na evolução e ignore aquelas que são destrutivas. Só você conhece a sua história e só você pode determinar o que te interessa e te faz bem. Então vai pra cima e produza!

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