Girls On The Front: Letícia Barbosa – S.U.C “Muitas pessoas desacreditam por acharem que não somos capazes de pertencermos ao som mais barulhento e extremo”

GIRLS ON THE FRONT é um quadro criado por 4 redatoras para falar sobre mulheres e para encorajar outras a continuar o seu objetivo na música e, para isso, contaremos a vida e carreira de mulheres no metal brasileiro e internacional.

Nossa entrevistada de hoje é a Letícia Barbosa, vocalista da banda de Grindcore S.U.C e dona de uma das melhores vozes do extremo feminino brasileiro!

– Quando surgiu o seu interesse pela música, e principalmente pela música extrema?

O meu interesse por música começou principalmente por causa do meu pai e meu irmão que sempre gostaram das bandas clássicas de Rock, Heavy Metal e Punk – bandas mais Mainstreams desses estilos mesmo. Além disso, meu irmão é músico, sempre tocou fora, deu aulas práticas e tinha um mini estúdio no quarto dele, então cresci rodeada pela música em vários aspectos. Lembro que até meus 3 anos de idade, minha mãe me proibiu de chegar perto dos discos deles, mas eu consegui uma brecha quando eu tinha uns 4 ou 5 anos e me lembro exatamente desse dia em que vi o Eddie naquela capa dupla do Iron Maiden ao vivo, o Real Live One, e também vi o Angus com aqueles chifres diabólicos em Highway to Hell. Esse foi o início da desgraça sonora… 

Mas não comecei “true” ouvindo só Rock e depois fui pra música extrema, antes disso eu ouvi muito Rap também. Morando em um bairro e estudando em uma escola periférica, minha realidade pedia pra ouvir essas denúncias já que elas estavam presentes na minha vivência. Eu curtia muito Rap de grupos mais undergrounds, como o De Menos Crime, Realidade Cruel, Detentos do Rap e Facção Central que eram os grupos que eu mais ouvia. Depois passei a ter sede de sons mais extremos, foi aí que comecei a me afogar no Hardcore, Thrash Metal, Crossover, Death Metal, Crust… até que cheguei ao Grindcore. Eu acredito que ter curtido muito Rap durante essa fase da pré-adolescência me influenciou a gostar de Punk e Grindcore justamente por causa desse cunho político que as músicas têm, então, para mim foi uma união do que eu mais curtia com a minha realidade.

– Qual foi a reação da sua família sobre a sua decisão de fazer e cantar Grindcore? Teve o apoio deles?

Ah, eu sempre fui muito independente, até mesmo por causa de algumas questões familiares que me fizeram amadurecer mais rápido, então não costumo comunicar esse tipo de decisão, não. Mas, eu vejo uma mudança boa na vida deles depois que eu me reconheci nesse meio, nas lutas que me envolvi por causa das informações que adquiri através da música extrema. Eles são idosos já, mal completaram o ensino fundamental – meu pai nem isso conseguiu terminar, teve logo que trabalhar desde os 7 anos – então eu sou como se fosse a fonte de consciência de classe e informação deles mesmo. Claro, eles já viram e ouviram as músicas, mas não entendem. Minha mãe também é mega religiosa, quanto mais ela ouvia os tipos de música que eu curtia, mais ela tentava me “catequizar”, mas sempre respeitando meu espaço.

– Quais são as suas influências como vocalista?

É difícil falar apenas algumas, mas vou citar as mais marcantes. As principais influências foram Elaine Campos da Abuso Sonoro e atualmente da Rastilho, Candace Kucsulain da Walls of Jericho que eu ouvia muito na minha adolescência, Oscar Garcia do Terrorizer, Purulence (não apenas a vocalista Alessandra Leão, mas a banda como um todo, já que elas são as pioneiras do deathgrind do interior de São Paulo, mesmo gênero da S.U.C), Sabina Classen do Holy Moses e Lee Dorrian + Barney Greenway do Napalm Death.

– Como surgiu o convite para entrar na S.U.C? Você já teve alguma banda antes?

A S.U.C sempre foi a banda que eu idealizei, mas demorou para sair do papel, quando finalmente encontrei pessoas que fizeram isso acontecer. Em 2013, comecei a procurar outras mulheres que tivessem interesse em tocar um som mais extremo. Confesso que procurei muito e tive dificuldade para encontrar outras minas que curtissem e que queriam fazer um som, nem precisava saber tocar de imediato, nós poderíamos começar juntas mesmo. E foi em março de 2014 que o Guilherme, nosso atual baterista que ainda não era da banda, apresentou a Alice, nossa primeira guitarrista, e também a Egiliane, nossa baixista que está na banda até hoje. Elas toparam de imediato, depois o Guilherme entrou para a bateria e também continua fazendo parte da formação. Atualmente a banda é comigo no vocal, André na guitarra, Egiliane no baixo e Guilherme na bateria.

– Quais são as dificuldades que você enfrenta como artista?

Nesse meio é difícil me considerar artista, inclusive considero que não sou uma porque pertencemos a uma cena que está em uma “posição à margem”, como dizia Oiticica, por quebrarmos certas imposições, denunciarmos repressões e também por estarmos muito envolvidos com a Anti Música e toda uma ação + reflexão com questionamentos alienantes e capitalistas que ela carrega.

Sobre as dificuldades, como mulher, acho que o maior desafio é participar de forma ativa sem uma pessoa deslegitimando o que eu ou qualquer outra mulher faça apenas por sermos mulheres. Muitas pessoas desacreditam ou até se surpreendem por acharem que não somos capazes de pertencermos ao som mais barulhento e extremo. A reação de surpresa que vejo nos rostos de algumas pessoas quando eu subo no palco e começo a “berrar” já indica que ainda faltam mulheres porque se já tivessem tantas atuantes, essa reação não seria tão comum. Fora isso, também tem a dificuldade financeira mesmo, como podemos nos dividir para continuarmos atuantes e trabalhar para sobreviver. Inclusive, a S.U.C parou durante 2 anos porque estávamos sem grana para continuar. Em alguns casos, os organizadores de eventos costumam dar uma ajuda de transporte, mas às vezes ela não é suficiente para pagar o combustível e comida, fora a dificuldade de dever horas do trabalho para sair mais cedo e viajar. Por isso agora estamos fazendo camisetas, estamos lançando CDs físicos para que a gente consiga pelo menos usar esse dinheiro para tocar.

– E sobre o cenário feminino na música, qual a sua opinião sobre a recepção que as mulheres estão tendo na cena?

De uns anos para cá, muitas mulheres estão começando a “tomar” cada vez mais o Underground, conheço sempre alguma banda novas com mulheres, fests organizado por mulheres, zines escritos por elas, rodas de conversa e conscientização… Fico feliz que estamos deixando esse espaço pequeno e dificultando e incomodando sexistas e preconceituosos. Porém, apesar desse crescimento, ainda acho que a cena carece de mulheres, carece também de mais pessoas pretas, de pessoas LGBTQs, indígenas e isso mostra o quanto a gente ainda tem para fazer e ter mais pessoas se sentindo reconhecidas e pertencidas nesse cenário.

Devemos questionar todo e qualquer espaço que fazemos parte para conseguirmos corrigir nossas atitudes preconceituosas, rever os nossos privilégios, ter mais consciência de classe também – entendermos a interseccionalidade ajuda muito isso e é um passo para começarmos a rever nossos próprios privilégios e como as pessoas são afetadas nessa estrutura – e, principalmente, devemos colocar em prática o que falamos nos palcos, gritamos e acreditamos para termos cada vez mais mulheres e outras pessoas ativas somando nessa frente. 

S.U.C

– Quais os planos da S.U.C para o pós pandemia?

Nós planejamos tocar mais, principalmente para divulgar o lançamento do nosso primeiro full-length, o “Cartilha da Dor”, em shows já que fizemos apenas o lançamento digital mesmo. Também pretendemos conhecer mais cidades e mais estados também, continuar aumentando essa troca de ideias e fazermos novas (e boas) amizades que o Underground sempre proporcionou tão bem. 

Nós já estávamos compondo novos sons em fevereiro e seguimos assim mesmo à distância na quarentena. Além disso, acredito que essa pandemia pode estreitar os laços e dar espaço para novas iniciativas, incluindo iniciativas sociais que nós já tínhamos em mente de encaixar junto com os shows para que possamos, através do nosso protesto (anti) musical, ajudar e resistir cada vez mais juntos. 

– Sobre o cenário independente no geral, o que você acha que precisa ser mudado para que as coisas fluam melhor?

O que eu considero que ainda falta e precisa ser mudado o mais rápido possível nessa cena Underground é uma questão muito mais individual. As pessoas precisam se preocupar em recepcionar muito bem a galera nova que está se interessando pelo espaço e que irá contribuir futuramente, aliás, é com essa renovação que o cenário não vai morrer. É inconcebível e inaceitável a imposição hierárquica que muitas pessoas ditas “libertárias” tentam colocar, é como se você levantasse a bandeira da anarquia enquanto está sentado no trono de um grande castelo medieval. É justamente essa renovação que trouxe bandas dos anos 90, 2000, 2010 e assim por diante… imagine só se tivéssemos apenas as bandas pioneiras dos anos 70 e 80? Nem os novos gêneros musicais existiriam nem a concepção de “anti música” existiria. Isso só aconteceu graças às derivações de gêneros concebidos anteriormente, uma espécie de “inquietação” juntamente com a quebra de certos padrões, abertura para novas ideias e resistências nesse meio. 

Depois, um segundo passo também individual que se espalha e “contagia” o coletivo, é o apoio que devemos dar não apenas para que as bandas existam, mas também para outras lutas e outras causas, estendendo essa nossa união e transformando ela em ação. Enfim, é um sentimento muito individual e uma inquietação que eu tenho e que busco mudar diariamente: sair da teoria para a prática. Acho que tem muita gente no Underground e podemos somar forças em diversos âmbitos.

– Qual o conselho você dá pra uma mina que ta começando ou pensando em seguir na música?

Na cena Underground, há muito apoio entre nós, mulheres, há muitos coletivos formados por minas, trocamos ideias e experiências, nos damos forças sempre. A chegada de mais mulheres nessa soma, como falei aqui, está aumentando cada vez mais e esse é o nosso pote de ouro, por assim dizer. 

O conselho que eu dou vale para qualquer cena. Imagino a maioria das minas buscam fortalecimento entre elas mesmas, se inspiram com outras, buscam apoio, mas quando isso não acontece, é uma frustração e uma quebra de expectativa muito grande. Eu mesma já quis desistir por causa disso, mas não quero entregar de bandeira o que essa estrutura social impõe e você também não pode e não deve desistir! Cada uma de nós, estando ali como público ou banda, é muito importante para que quebremos essas desuniões em qualquer lugar que a gente esteja.

Infelizmente, por culpa da sociedade, não conseguimos escapar da rivalidade feminina, ela é imposta e motivada pela forma com que essa sociedade trata as mulheres e naturaliza diferenças. Mas podemos evoluir nosso companheirismo para apoiarmos de fato umas às outras e irmos destruindo isso aos poucos. Não é fácil, mas reconhecer momentos que fazemos isso já ajuda a entendermos o que causamos na vida de outras mulheres e como isso dificulta a nossa própria atuação dentro e fora da cena. Quando agimos como rivais, perdemos as forças, anulamos a si mesmas, em primeiro lugar! Não podemos construir pontes e distanciamentos entre nós. A competição que devemos encarar é contra esse sistema imundo que dá a sensação de que estamos implodindo, não podemos contar com ninguém e temos vontade de desistir.

Para que essa união e esse apoio aconteçam com força, é legal também entendermos as diferenças de classe, gênero, orientação sexual, etnia e raça, por exemplo, e enxergamos que algumas mulheres (e outras pessoas também) estão em um degrau mais alto da escada e outras estão tentando pelo menos subir um degrau. Enfim, me coloco à disposição também se alguma mina quiser conversar e se eu puder ajudar, é só falar. Estamos juntas!

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