GIRLS ON THE FRONT é um quadro criado por redatoras para falar sobre mulheres e encorajar outras a continuarem o seu objetivo na música e, para isso, contaremos a vida e carreira de mulheres no metal brasileiro e internacional. Nesta edição, teremos o prazer de bater um papo e conhecer mais sobre a minha colega de redação Jéssica da Mata, vocalista da banda de death metal Arvak.
1-Como surgiu o gosto pela música na sua vida?
Jéssica: Certo dia, minha tia chegou em casa com uma fita de “Love Metal”, eu tinha 11 anos de idade e parei para ouvir com ela, esse foi o meu primeiro contato com o Rock e desde então me apaixonei pelo som. Naquela época, ainda não tínhamos som com CD e internet, então passei a comprar revistas sobre Rock, frequentar lojas de CD’s e casa de amigos para eu conhecer bandas e ouvir as músicas. Desde então, nunca mais parei, pesquisava sobre bandas, estilos, ia a shows na minha cidade e sempre sem a permissão dos meus pais.
2-Com qual idade você resolveu que queria estar no palco em uma banda, fazendo metal?
Jéssica: Nunca tive esse desejo diretamente, com 15 anos eu conheci o Metal extremo e sinfônico, achava essa mistura interessante e queria muito aprender a tocar um violino, até juntei dinheiro na época, mas minha família além de não me apoiar faziam piadas sobre isso, eu não tinha muitos amigos e então acabei desistindo da ideia. Sinceramente, acho que sempre quis ter uma banda, mas era apenas um desejo reprimido que eu mesma negava.
3-Você se espelha em alguém pra se desenvolver ou mesmo se inspirar tanto como cantora, quanto como instrumentista?
Jéssica: Nunca pensei nisso, acho que minha inspiração são todas as bandas que eu gosto, mas teve uma pessoa em especial que me influenciou muito. Quando eu conheci o Metal extremo passei a conhecer bandas pouco conhecidas e quase não havia integrantes mulheres, então eu vi um vídeo da banda Haemorrhage (que é uma das minhas favoritas), a guitarrista era uma mulher e eu fiquei chocada, pois pela primeira vez eu me senti representada. Naquela época eu decidi que um dia iria aprender a tocar um instrumento, inclusive ainda estou tentando hahaha.
4-E como surgiu a opção pelo vocal gutural, já que vc tbm canta limpo?
Jéssica: Isso é engraçado, não pensava em ser vocalista, mas quando criança eu cantava no coral da escola, mas desisti por (má) influência dos meus pais. Quando eu estava com 19 anos, novamente tentei voltar a cantar e fui aceita em uma instituição pública de música, porém não fui forte o suficiente e abandonei os estudos porque meus pais riram de mim. Eu sempre soube cantar limpo, mas faltava empenho e isso foi ficando para trás. Agora com o gutural, foi mais engraçado ainda, o fundador da minha banda Arvak estava sem vocalista e me convidou para tentar se tornar uma, pois ele queria uma mulher com vocal gutural. No primeiro momento disse que iria pensar sobre isso, mas acabei aceitando o desafio mesmo sem nenhuma experiência com esse tipo de vocal só pra saber se eu seria capaz. E assim foi, na verdade ainda não me considero uma vocalista, tenho muito a aprender.
5-Além de cantar, você tbm escreve e compõe. Quais as suas inspirações e motivações para compor?
Jéssica: No Arvak eu fiquei responsável pelas letras e o vocal, acho que o mais complicado foi aprender a fazer o gutural, escrever as letras foi mais fácil e eu adorei a ideia. Minha inspiração para escrever as letras são várias, posso dizer que todo o ódio retraído de tudo que eu já vivi devem estar nas músicas, mas de uma forma diferente, pois eu não falo de mim. Gosto de escrever sobre guerras, hipocrisia, morte, sangue, dor… coisas desse tipo, mas como se fosse uma história, isso é uma arte, eu não penso em fazer as coisas que eu escrevo.
6-Gostaríamos que vc nos falasse sobre a sua banda atual, a Arvak, de Death Metal.
Jéssica: No ano passado gravamos um EP “Live Studio” que ainda não foi divulgado, mas vejo como uma demo, pois ainda não se trata de uma gravação oficial e do jeito correto, mas a experiência foi interessante para todos os integrantes, pois sabemos que podemos fazer muito melhor. Estamos compondo novas músicas, que estão ficando ainda melhores que as anteriores e além disso, o nosso principal objetivo é gravar o primeiro CD e melhorar as faixas anteriores.
7-Por falar nisso, a banda vem lançando singles e até participando dos Festivais online. Pode nos falar um pouco sobre esse momento?
Jéssica: Eu entrei na banda no início de 2020, logo depois o COVID-19 tomou conta do mundo, então ainda não entrei em um palco. O que tem nos motivado (principalmente a mim), foram as participações nos eventos online e os vídeos que lançamos no canal do YouTube. Apesar do momento crítico que estamos vivendo, a banda segue firme, sabemos que isso vai passar e estaremos prontos para os shows, inclusive uma seletiva (Rock do Cerrado Festival) que está marcada para quando for possível retornar aos shows presenciais.
8-Você é uma pessoa muito ativa na cena, inclusive trabalhando como redatora, sendo minha colega na Roadie Metal, por exemplo. Pode nos contar sobre esse trabalho seu nos bastidores da cena?
Jéssica: Eu sempre li muito sobre Rock/Metal, ouço bandas novas, estilos diferentes e documentários sobre o tema. Já quis fazer algum conteúdo sobre isso, mas sempre fui subestimada até mesmo pelos meus colegas, sempre tem piadinhas como (‘cita dois CD’s de tal banda para eu saber se você gosta mesmo ou duvido que você sabe que estilo é esse’) e infelizmente eu deixava isso me afetar. A Roadie Metal foi o primeiro lugar que escrevi sobre Metal, tenho outros projetos, mas finalmente decidi criar meu próprio canal no YouTube, inicialmente para fazer resenhas dos CD’s que recebi de algumas gravadoras e bandas.
9-Por falar na cena rock/metal, como vc avalia o underground hoje, tanto do ponto de vista do palco, quanto fora dele?
Jéssica: Vejo dois lados opostos na cena, uma união maravilhosa principalmente virtual das bandas nacionais, com honestidade e seriedade. Não posso deixar de citar o Caio que está organizando vários festivais online (Caio Indica) sem nenhuma distinção de bandas e estilos, tudo pelo amor ao underground. Há outros festivais também acontecendo, isso é muito importante. Por outro lado, há aqueles que dizem que o Rock/Metal morreu, acham que não existem mais bandas boas, não apoiam nem mesmo seus amigos que têm bandas. Mas apesar disso, acho que depois de uma pandemia mundial, a galera vai querer ir em todos os shows que aparecerem, só espero que não fiquem apenas do lado de fora bebendo.
10-Você percebe alguma dificuldade em expressar a sua arte? Já sofreu algum tipo de boicote ou preconceito, tanto por ser mulher, quanto pelo fato de ter escolhido cantar em gutural?
Jéssica: Com certeza, no meu caso primeiramente na família com julgamentos, agressões físicas e psicológicas somente por gostar de Metal, depois de me verem cantar gutural se afastaram de mim. Alguns colegas do Rock faziam piadas por acharem que eu estava na cena apenas para chamar atenção. Hoje em dia, não acontece muito, mas ainda percebo que preciso me esforçar para mostrar que sou capaz, acho que as pessoas me vêem apenas como uma mulher fútil. Apesar disso, não me preocupo mais, nem com o que vão pensar de mim ou se vão me ouvir.
11-E sendo mulher, bem engajada na cena, como você avalia a presença feminina?
Jéssica: Essa é uma pergunta complicada para mim, mas serei sincera. Eu nunca tive muitas amigas, além disso, conheço poucas meninas que gostam do mesmo tipo de som que eu e as que conheci pessoalmente (que participavam da cena e de bandas), a maioria delas não me recebiam bem, eram mal-educadas e arrogantes. Quando entrei na Roadie Metal conheci meninas diferentes, principalmente minhas colegas redatoras que são minhas inspirações. Sempre existiram mulheres na cena underground, mas acho que não foi muito fácil conquistar o espaço feminino no Rock/Metal. Somos vistas como rebeldes, garotas à procura de uma nova moda e outras coisas que ouço falar, mas nunca como uma mulher que está lá simplesmente porque gosta do som. Apesar disso, percebo que isso está melhorando, mas quero deixar bem claro aqui que nós meninas, não gostamos apenas de Nightwish, nós gostamos de Metal extremo e isso não tem nada a ver com querer chamar atenção.
12-Que conselhos daria para as meninas que estão se chegando no underground e começando a se envolver na cena?
Jéssica: Sejam sinceras consigo mesmas, vocês podem gostar do som que quiserem e não sintam medo de serem julgadas. Não tenham receio de participar da cena, seja nas bandas, youtubers, redatoras, etc. Façam o que querem, simples assim. O underground precisa de mulheres engajadas na cena, aprendam com as outras que já estão lá, há espaço para todas.
13-E o futuro? Quais os planos da Jéssica da Mata para o restante de 2021 e para os anos à frente?
Jéssica: Neste ano pretendo desenvolver melhor meu vocal, produzir bons conteúdos no meu canal do YouTube (A Voz do Underground) e continuar a fazer o meu trabalho como redatora ajudando a divulgar as bandas nacionais. Para o futuro, me dedicar ao vocal, meu contrabaixo e fazer mais parcerias com gravadoras. Para finalizar, quero agradecer a você Jenny, minha amiga que admiro muito e desejar que a vacina chegue logo para que as bandas possam retornar aos palcos.
Obrigada, Jess. Depois dessa entrevista aprendi a te admirar ainda mais. Juntas seremos ainda mais fortes. Parabéns pela sua força, coragem e determinação. Logo logo estaremos todos vacinados e fazendo muito barulho!
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