GIRLS ON THE FRONT é um quadro criado por redatoras para falar sobre mulheres e encorajar outras a continuarem o seu objetivo na música e, para isso, contaremos a vida e carreira de mulheres no metal brasileiro e internacional.
Nesta edição, entrevistamos a vocalista Föxx Salema, que além de seu grande talento, também é conhecida por sua luta na causa LGBTQ+. Ela, que é transexual, enfrentou diversos preconceitos e boicotes devido ao seu posicionamento abordado em seus trabalhos. Em 2019, lançou Rebel Hearts.
À Roadie Metal, além da representatividade trans e feminina na cena metal, ela também relembrou sua carreira, influências e planos para o futuro. Confira abaixo!
Roadie Metal – Gostaria de saber mais de sua trajetória. Conte como você começou na música? E como despertou a paixão pelo rock e heavy metal?
Föxx Salema: Bom, eu canto desde criança e sempre gostei também do tema Terror, nessa época eu passava e via sem saber ao certo o que era, pôsteres do Iron Maiden na parede de uma pequena loja de discos e achava muito massa aqueles desenhos. Quando entrei na adolescência um primo meu que já colecionava fanzines do gênero e tinha vários discos, me apresentou devidamente ao Metal.
Ele inclusive gravou em fita cassete o álbum “Seven Churches” do Possessed, ao qual eu pedi xerox do encarte para poder acompanhar nas letras o que era cantado. Dali para eu começar a cantar Metal e fazer shows foi algo natural, entre o “final” dos anos 90 e o começo dos 2000 (em diante), eu passei por bandas autorais e também outras que tocavam apenas covers.
Já o meu nome artístico eu comecei a utilizar em meados de 2007, em 2013 lancei minha primeira música solo e em 2015 montei uma banda que levava esse meu nome e cuja formação perdurou até 2016. Em 2017 eu me concentrei em meu canal no YouTube e gravei vários covers em estúdio, fiz alguns shows em casas e festivais LGBT+s.
Até que em 2018 o meu marido e tecladista Cleber me incentivou a gravar um álbum 100% autoral. Lançamos o “Rebel Hearts” em 2019, digitalmente e também em CD, em formato digipak e com encarte. Este entrou em várias listas de “Melhor álbum Nacional de Metal do Ano” e após meses, eu me tornei a artista autoral de Metal da minha cidade natal, Bragança Paulista / SP, com maior número de streamings no Spotify. Em 2020 lançamos minha primeira composição em português chamada “Rebelião” e este ano, em meu canal no YouTube, um vídeo musical com uma versão mais atualizada da “Rebel Hearts”.
RM Soube que você é autodidata em canto. Como foi esse processo de conhecimento?
FS: foi natural, como citei na resposta anterior, eu canto desde criança. O meu (infelizmente) falecido pai era vocalista de uma banda baile e minha mãe cantava em coral. Quanto a mim mesma, além do Metal em si, em 2014 eu também participei de um coral, chegando a ser solista em uma das apresentações.
RM- Quais suas influências? Alguma figura, masculina ou feminina, em especial que fez você pensar “É isso que eu quero, ser cantora”?
FS -Eu posso citar três vocalistas que influenciaram bastante a minha forma de cantar e compor Metal: Geoff Tate, André Matos e Andi Deris.
RM – Seu mais recente trabalho Rebel Hearts tem músicas autorais com bastante versatilidade e a qualidade sonora. Conta como você se inspira para trabalhar nas músicas. E como foi a produção deste álbum?
FS -Em termos de inspirações musicais, além claro, das bandas e projetos dos três vocalistas que citei anteriormente, eu ouço vários subgêneros de Metal, do mais clássico, melódico e tradicional, ao tido como mais agressivo, extremo e pesado. Tudo isso, mesmo que em diferentes graus, me inspira ao compor.
Quanto à produção do meu álbum em si, ela foi bem DIY: as gravações foram todas feitas num pequeno home studio, com musicistas contratados de cidades distintas que nunca chegaram a ensaiar juntos, e a mix + master ficaram por conta de um produtor que (primordialmente) era de música regional.
RM- Com a pandemia, você sentiu dificuldades em divulgar o seu trabalho? Se sim, como conseguiu driblar esse problema ?
FS -Não, não senti muitas não. Eu sou MUITO pró-ativa e isso, aliado ao trabalho de divulgação em parceria com a minha assessoria de imprensa, fez a diferença.
RM – Você é uma das pioneiras como pessoa transgênero headbanger/metalhead no Brasil. Certamente tem enfrentado dificuldades devido a isso. Como você enfrenta tudo isso? O que motiva você a continuar?
FS -Boicote, desdém, perseguição, transfobia e violência simbólica são apenas exemplos do que já passei e infelizmente ainda passo. Todavia, é como eu canto em uma das minhas músicas: eu ainda estou aqui, com cicatrizes emocionais, mas de pé e preparada para lutar.
Eu enfrento isso de cabeça erguida e me sinto vitoriosa, pois tentaram me silenciar e me fazerem desistir, mas não conseguiram. Três são os principais fatores que me motivam a continuar: meu amor pelo Metal, meu marido Cleber, e meu público. Esse é formado por pessoas que na grande maioria das vezes não possuem voz na sociedade e se sentem representadas por mim.
RM – Por outro lado, vemos que o espaço para a diversidade tem crescido mais a cada dia. com iniciativas importantes, como o documentário “LGBT+ no Heavy Metal Brasileiro”, que você participou. Conte para gente mais sobre este trabalho e sua importância para o metal no Brasil ?
FS -Além de ser uma das entrevistadas, eu fui convidada para co-produzir o doc, então acredito que sou meio “suspeita” para falar sobre o mesmo. Ainda assim, na minha opinião foi uma iniciativa muito válida, e a receptividade do público foi ótima. Ele complementou o que eu sempre declarei publicamente: Metal
também é lugar de pessoas LGBT+s, sim! E cabe a nós reivindicarmos nosso lugar, doa a quem doer!
RM – De modo geral, você se sente respeitada no heavy metal ?
FS -No geral, apesar dos pesares, sim, eu me sinto respeitada. Haters gonna hate, mas que se fodam!
RM – Qual sua visão sobre a atual cena de heavy metal em no Brasil? Como você vê em especial a participação feminina no metal brasileiro?
FS – A cena continua viva e cada vez mais diversificada. Para mim isso é um reflexo direto da conscientização social e principalmente, da luta na participação feminina ativa no Metal brasileiro.
RM – Conte um pouco mais sobre o seu trabalho, como você trabalha a temática das letras e sonoridades em suas canções.
FS -Apesar de eu também escrever letras ficcionais de horror, a minha grande fonte de inspiração lírica é a realidade: o meu dia-a-dia, as minhas experiências pessoais (sejam elas positivas ou não), a comunidade LGBT+, a sociedade e a política. Já a sonoridade das composições origina das minhas diferentes influências dentro do Metal, geralmente pensada em conjunto com a letra e melodia de voz.
RM – O que poderia ajudar o underground a ter mais destaque no Brasil?
FS – Eu sei que pode parecer clichê, mas é união. Geral: de artistas e bandas, das mídias especializadas e colaboradores, de contratantes e organizadores de shows, e até mesmo do público de Metal. O que sendo bem sincera, é meio que uma utopia.
RM – O que você acha desse movimento de destaque das mulheres no metal?
FS -Acho ótimo, desde que ele não seja excludente, focando somente em mulheres cisgênero. Existem outras mulheres trans talentosas dentro do Metal brasileiro. Afinal, em tese, existe espaço para todas.
RM – E quais os seus planos a partir de agora? Já tem novidades ou projetos após a pandemia acabar? Fique a vontade para contar as novidades hehe.
FS – Há-há, a banda é o meu projeto solo… rsrsrs E nós lançaremos dois singles novos ainda este ano: o primeiro é uma versão orquestrada e com coral da “Rebel Hearts”, e o segundo uma composição 100% inédita.
RM – Qual conselho você dá para as meninas que estão na batalha ou sonham
em seguir carreira no metal, seja cantando ou tocando?
FS -Amem o que façam, acreditem em si mesmas, estudem, se empenhem, sejam perseverantes e sigam firmes e fortes! O caminho do Metal não é nada fácil, ainda mais no Brasil. Assim, estejam preparadas e sobretudo: ânimo, garra!
RM – Pode deixar um recado para os nossos leitores e também para todos os que te apoiaram e seguem os seus trabalhos, Föxx.
FS – Primeiramente, eu agradeço de coração a todas as pessoas que me acompanham e me apoiam, isso faz toda diferença! E aos leitores e leitoras dessa entrevista: sigam-me também “na” internet, ouçam minhas músicas no Spotify ou em algum outro serviço de streaming, assistam ao clipe de “Rebel Hearts (2020)” no meu canal no YouTube, se gostarem adquiram o meu CD físico e claro, me indiquem para quem gosta de Heavy Metal! =^.^= \m/