GIRLS ON THE FRONT: “A mulherada está começando a dominar o ramo da música e tem muitas mulheres feras por ai”, diz Mili, guitarrista da banda Hexwyfe.

GIRLS ON THE FRONT é um quadro criado por redatoras para falar sobre mulheres e para encorajar outras a continuarem o seu objetivo na música e, para isso, contaremos a vida e carreira de mulheres no metal brasileiro e internacional. Nessa edição, vamos bater um papo com a guitarrista Mili, da banda feminina Hexwyfe.

1-Por que e como você começou na música?

Mili: Desde pequena me interessei por música. Meu pai toca teclado, piano e órgão e cresci com instrumento musical em casa. Mais tarde meu irmão passou a curtir rock e conheci muitas bandas através dele. Meus vizinhos e primas mais velhas também me apresentaram boas bandas de rock. Na adolescência surgiu a vontade de montar uma banda de rock. Conheci umas meninas que tinham planos de formar uma banda. Elas precisavam de guitarrista. Não foi fácil convencer meu pai a ter uma banda de rock na adolescência. Levei anos para convencê-lo a me matricular numa escola de música. O segundo parto foi convencê-lo a comprar uma guitarra pra mim, nada foi fácil. A banda das meninas que citei acima nunca aconteceu, mas na escola de música conheci vários alunos e montei minha primeira banda de rock. Esta banda não durou muito tempo, mas foi minha porta de entrada para o mundo da música.

2-Em que momento você se decidiu pela música mais pesada?

Mili: Comecei a gostar de rock pesado aos 13 anos de idade. Quanto a guitarra eu sempre toquei rock pesado.

3-Quais as suas funções na banda Hexwyfe?

Mili: Componho as melodias de guitarra e às vezes ajudo nas melodias do baixo quando a Julia tem alguma  dúvida. Também atuo na divulgação da banda em diversos canais de comunicação e redes sociais.

4-Quais as suas influências como guitarrista e suas bandas preferidas?

Mili: Eu escuto muitas bandas de Thrash, Death, Gothic Metal e Progressivo, como Death, Nevermore, Rush, Sepultura, Pantera, Pain of Salvation, Paradise Lost, Suicidal Tendencies….Ah, tem muita banda boa, se for citar todas que eu gosto vai sair um listão enorme, rsrsrrs.  Quanto as influências na guitarra, gosto muito do Slash, Chuck Schuldinner, Guthrie Govan, Lari Basilio, Steve Vai, Randy Rhoads, Jeff Loomis, Zakk Wylde, entre outros guitarristas famosos.

Mili: banda Hexwyfe

5-O que você pode nos dizer sobre seu trabalho como musicista?

Mili: Meu trabalho de musicista é um trabalho de formiguinha e de muita persistência que eu faço com muito amor. A história é longa… Eu não vivo da música, tenho outro emprego que me sustenta e mantém as minhas guitarras e equipamentos que uso na banda. Então preciso dividir meu tempo e conciliar os dois! Mas, meu trabalho como musicista começou efetivamente em 2002 quando gravei meu primeiro CD demo com a banda Minatory. Nesta época ainda morava em Curitiba. Fiz muitos shows por lá, conheci músicos e pessoas incríveis! A Demo teve uma excelente repercussão, tocou nas rádios de Curitiba e da Argentina. Tivemos visibilidade internacional, a banda foi divulgada numa revista de rock Alemã (Break Out Magazine) e participou de uma coletânea de bandas na Europa, sendo a única banda de fora da Europa a compor a coletânea. Quando terminei a faculdade não encontrei emprego em Curitiba e me mudei para o interior de Minas, à trabalho. Passei anos morando sozinha em cidades pequenas sem encontrar músicos para montar banda. A solução, na época, foi montar uma banda à distância com músicos de Curitiba. Os ensaios aconteciam a cada 2 ou 3 meses, sempre que eu conseguia conciliar um ônibus da cidade onde morava, no interior, até alguma cidade com um aeroporto relativamente grande com voos para Curitiba. Não foi uma rotina fácil, mas a banda foi muito produtiva, compomos 5 músicas, porém só gravamos vídeos dos ensaios. Quando me mudei para o Rio de Janeiro demorei para conhecer os músicos da cidade. Em 2012, fui convidada para tocar com umas garotas e formamos o Melyra. Fiz os 4 primeiros shows da banda e depois saí. Posteriormente, ingressei na banda Savant e peguei o bonde andando nas gravações do Serial Killer Tales. Gravei o solo de 3 músicas deste CD e abrimos shows para bandas importantes como Torture Squad e Artillery. Naquela época, a Debs já estava me sondando para tocar com ela e decidi sair do Savant para fundar a Hexwyfe, que é meu trabalho atual. Com a Hexwyfe temos 4 músicas autorais prontas e duas delas estão gravadas rolando em algumas rádios de rock. Vou contar mais sobre a banda durante a entrevista.

6-Como surgiu a ideia da formação de uma banda só de mulheres?

Mili: Isso foi um sonho antigo da Debs. Ela sempre sonhou em ter uma banda feminina de rock.

7-Existe um por quê pela escolha de terem apenas mulheres na banda?

Mili: A Debs sempre quis uma banda que falasse sobre o empoderamento feminino e sororidade. Um homem no meio deste tema eu acho que não tem muito a ver, né ?

8-Pelo fato de ser uma banda só de mulheres, que barreiras e desafios vocês encontram e como os enfrentam?

 Mili: Às vezes aparece um homem ou uma mulher machista que não acredita no potencial da banda. Procuro não bater de frente porque é perda de tempo. Se alguém está de má vontade ou tem preconceito eu deixo esta pessoa falando sozinha e vou atrás de pessoas que acreditam e valorizam o meu trabalho.

Banda Hexwyfe

9-Voltando a falar sobre sua função na banda, conte-nos sobre a prática de seu instrumento de trabalho.

 Mili: Geralmente eu pratico guitarra após o meu expediente de trabalho ou nos finais de semana. Gosto muito de tirar novas músicas e compor. Às vezes escuto uma música na rádio e simultaneamente tento acompanhar na guitarra. Para músicas mais complexas eu dedico um tempo extra e treino as partes mais difíceis com calma. Também treino improvisação com backing track e assisto algumas vídeo aulas…

10-Como você tem visto hoje o mercado musical em relação à música pesada e principalmente em relação ao underground?

Mili: O mercado está melhorado. Existem muitas bandas de qualidade despontando no Brasil. Tenho acompanhado uma maior frequência de músicas pesadas tocando nas rádios. Quando converso com pessoas mais velhas que eu, algumas costumam dizer que o underground acabou porque atualmente você faz uma gravação de qualidade em casa e as rádios e webradios dedicam parte da programação às bandas autorais. As mídias sociais tem auxiliado muito na divulgação das bandas. Hoje em dia está difícil ficar desconhecido, rs! Não precisamos mais das gravadoras para lançar um trabalho. Mas acho que ficou mais difícil ganhar dinheiro com música usando as plataformas digitais.

11-Na sua opinião, há espaço para melhoras?

 Mili: Sim, sempre há espaço para melhoras. Precisamos difundir mais o rock no Brasil! Temos que levar o rock aos funkeiros, sertanejos e sambistas. Existe muita gente no Brasil que ainda não conhece o rock’n’roll e heavy metal porque consomem o que a mídia empurra. Até o pai do Axé, Luiz Caldas, abraçou o rock pesado!  Sobre as bandas, acho que a melhora já está acontecendo. Com a pandemia vi alguns músicos se unirem para fortalecer o cenário das bandas independentes, fazendo uma troca de contatos incluindo assuntos de serviços, rádios, locais para shows, novas tecnologias, produção de videoclipes, etc. Isso é muito bom porque a cena só cresce unida.

12-Que conselhos você daria para as meninas que desejam abraçar a carreira de musicista, especialmente as que escolhem o metal?

Mili: Tenho vários conselhos. O primeiro é não dar ouvidos às besteiras que os outros dizem.  A soberba não leva ninguém adiante, então é sempre bom ser humilde. Fazer amizade com outros músicos é essencial, você ganha um amigo, um ajuda o outro e une a cena. Fazer aulas com diferentes professores é interessante pois cada um tem sua técnica e seu jeito de ensinar. Tive aula com guitarrista famoso que não me ensinou 30% do que um professor de guitarra sem fama me ensinou. Não deixe que nenhuma pessoa estrague a sua banda. Se existe uma maçã podre no cesto, retire-a, antes que ela contamine o cesto inteiro! Integrante que dá muitas desculpas para não ensaiar, que coloca muita dificuldade para tirar músicas ou toca as músicas de má vontade só tem duas saídas, ou entra na linha rápido ou cai fora. Não tem como manter gente assim na banda, porque atrasa a evolução do trabalho e desmotiva o restante dos integrantes. O último conselho que dou é não ser o integrante maçã podre! Seja o mais profissional possível. Se tocar com pessoas com um nível mais baixo que o seu, ajude-as a evoluir.

13-E pra você, se pudesse, o que diria para a Mili quando começou?

Mili: Daria os conselhos da pergunta acima.

14-Como você tem visto a participação das mulheres na cena, seja em cima do palco ou mesmo nos bastidores?

 Mili: A mulherada está começando a dominar o ramo da música e tem muitas mulheres feras por ai. Mas a mulher, por natureza é muito competitiva e isso me preocupa. Conheci bandas femininas que me viram como concorrente e não como aliada e já passei o mesmo com uma produtora mulher. Os homens são mais unidos e se ajudam muito mais entre eles. Por isso que a sororidade é um tema que a banda Hexwyfe gosta de abordar. Nós mulheres temos que ser mais unidas e nos apoiar mais. Mas, tem uma mulherada que agita a cena rock como a Márcia e a Monique, do Pedrada Rocks, Miriam Smiles, da radio Frida Rock,  Ana Trettel, do Cria do Rock e Carolina Indica, elas tem apoiado muito a cena independente e o rock feminino. O trabalho delas é incrível!

15-Estamos vivendo num período complicado em função da pandemia. Como vocês da banda tem conseguido lidar com isso? Como era o pensamento antes e agora?

Mili: Sou do tipo de pessoa que acha que devemos aceitar o momento, se adaptar a situação e tirar algo bom dela. Creio que a banda conseguiu tirar isso de letra. Antes da pandemia o foco da banda era fazer shows e compor. Com a pandemia paralisamos os ensaios, a Helga ficou encarregada de finalizar a produção das músicas autorais e eu comecei a trabalhar na divulgação da banda. O resultado foi muito positivo. De março a setembro tocamos em aproximadamente 70 rádios e webradios no Brasil, America Latina e Europa. Participamos de várias entrevistas online e escritas e de festivais online, como Pedrada TV, festival Metal com Batata e eventos beneficentes como Fome de Música e Playing for Change Day.

Mili no palco

16-A HexWyfe já lançou dois singles “Final Hour” e “Betrayed”. Como foi trabalhar nessas músicas, já que foram lançadas recentemente?

Mili: O trabalho foi muito produtivo porque a banda estava muito bem entrosada. Somos 100% independentes, isso inclui a gravação e a produção das músicas, tudo é feito pela banda Hexwyfe e não tem ninguém de fora participando deste processo. A Final Hour foi gravada em 2019, pelo que me lembre, na casa da Helga. A Helga, ajustou a gravação, mixou e masterizou a música. Na Betrayed tivemos a imensa sorte de terminar a gravação antes do anúncio do lockdown. A Helga já estava com todas as linhas de voz, guitarra e baixo gravadas em seu HD, quando iniciou a pandemia. Ela só precisou trabalhar com a mixagem e masterização da música, em casa. Quando escutei a primeira prévia da música Betrayed, percebi que a música precisava de um solo. Isso ocorreu no meio da pandemia. Tenho um computador aqui em casa com um programa de gravação que eu nunca tinha mexido. Baixei uns tutoriais sobre gravação no Youtube e aprendi tudo na marra. Gravei o solo aqui de casa e mandei pra Helga inserir na música. Deu tudo certo, fiquei feliz da vida porque aprendi algo novo na pandemia.

17-Como tem sido a recepção a elas?

Mili: A Final Hour teve uma receptividade excelente, fiquei muito grata e surpresa por isso, porque esta música abriu as portas para a divulgação da banda à nível mundial. Desde o mês de setembro, a Final Hour está entre as Top 10 das músicas autorais que tocam na radio Plano B. A Betrayed foi lançada no dia 12 de outubro com boa receptividade. No dia do lançamento, alguns músicos me procuraram parabenizando pelo lançamento e comentaram sobre o amadurecimento da banda. No mesmo dia, a rádio Frida Rock nos concedeu uma hora de entrevista para falar exclusivamente sobre o lançamento. O radialista Fabio, que é formado em música erudita, comparou a Betrayed a músicas de bandas como Sepultura e Angra, fiquei arrepiada ao ouvir o comparativo, ao vivo no programa! Algumas rádios incluíram a Betrayed na programação diária, outras tocam as nossas músicas em programas específicos de bandas independentes. A Betrayed abriu as portas para tocarmos em rádios dos EUA , Holanda e Portugal. A banda está sendo divulgada em novas rádios desde o lançamento desta música.

18-Pode nos adiantar alguma coisa sobre o futuro do trabalho desenvolvido pela Hexwyfe?

 Mili: Ainda temos duas músicas pra lançar, a Double Live e a Censorship, que a Helga irá trabalhar nos próximos meses. Tenho novas melodias de guitarra para os futuros trabalhos com a banda, quando as coisas voltarem ao normal. Ainda estamos pensando se iremos lançar um CD ou se ficaremos apenas com as singles nas plataformas digitais.

19-Onde a Hexwyfe tem tido mais resposta positiva ao trabalho lançado?

Mili: O maior feedback vem do Brasil. Fiquei surpresa porque imaginei que o Heavy Metal era mais aceito fora do Brasil! Na Argentina também temos uma aceitação bastante positiva, nosso som tocou em várias rádios de lá. Em dezembro está prevista a participação da Hexwyfe em um festival de bandas neste país. Também recebemos uma resposta positiva na Colômbia, Chile, Uruguai, EUA, França e Holanda.

20- Nessa semana presenciamos o triste desfecho do julgamento do caso Mariana Ferrer, onde a blogueira sofreu ataques durante o julgamento sobre o estupro que ela sofreu. O vídeo do ataque caiu nas redes sociais e provocou muita indignação na sociedade. Você já sofreu algum tipo de assédio sexual no meio do rock? Como você lida com o assédio por parte do público, dos organizadores ou mesmo da imprensa? Existe algo a ser feito para minimizar o problema ou mesmo para se defender?

Mili: Acompanhei o caso da Mariana Ferrer e fiquei revoltada com o desfecho do “Estupro culposo” apesar de este termo ter sido criado pela The Intercept, já que ele inexiste no termo jurídico. Infelizmente, o Brasil é um país machista, conservador e hipócrita. A sociedade aplaude as mulheres que desfilam nuas no carnaval e no restante do ano julgam negativamente as mulheres que se vestem de forma sensual. Nunca sofri assédio sexual em banda ou por parte de produtores, ainda bem. Isso se deve a minha cara de brava, rsrs. Das vezes que toquei em bandas praticamente masculinas, todos me respeitaram. Na minha primeira banda autoral, em Curitiba, sempre ouvia cantadas quando subia no palco, nesta época eu tinha meus 20 e poucos anos, era solteira, aí o povo não dava sossego mesmo, rsrs. Aqui no Rio de Janeiro vejo que os cariocas não tem a cultura da cantada. Acho bem melhor assim, porque é muito desagradável você andar na rua e um homem chegar perto de você falando “Gostosa” ou coisas obscenas. Antes de conhecer meu marido, iniciei um projeto autoral com um baterista do Rio de Janeiro. Eu gostava de conversar com ele, mas ele confundiu as coisas e achou que eu estava dando mole. Respeitosamente me pediu em namoro. Eu não aceitei e comentei que meu relacionamento com ele era restrito a amizade e a música. O baterista ficou bravo e não quis mais tocar comigo, rsrsrsrs. Com relação a cantadas no palco eu nem ligo. Atualmente meu marido me acompanha em todos os shows. Quando tem um homem cuidando de você estas coisas não acontecem. Mas quando você está solteira, com certeza fica vulnerável a este tipo de coisa.  O conselho que dou para fugir destas situações desagradáveis é evitar o assediador, bloqueando a pessoa nas redes sociais e evitando frequentar os mesmos lugares que a pessoa frequenta. Quando aparecer um compromisso que o assediador estará presente, é bom estar acompanhada para não dar chances que ele se aproxime de você. Recomendo que as mulheres sejam discretas nas redes sociais. Eu tento expor apenas o necessário para divulgar a banda, porque a gente nunca sabe até onde chega e para quem chega a foto que você postou nas redes sociais. Isso vale também para as pessoas que costumam fazer check in em rede social.

21-Pra finalizar, Mili, gostaria de agradecer sua participação, em nome da Roadie Metal e deixo por você suas considerações finais. O que gostaria de dizer aos leitores da Roadie Metal?

Mili: Gostaria de agradecer o convite da Roadie Metal para participar desta entrevista. Vocês fazem um excelente trabalho com as bandas de metal. Mando um abraço especial aos nosso fãs e parceiros. Pra quem conheceu a banda por aqui estamos nas redes sociais como Facebook e Instagram e outras plataformas como Youtube, Spotify, etc. Não esquece que Hexwyfe se escreve com Y !!! hahahaha.

 Keep metal alive !

 Valeu !!!!

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