Colaboraram: Fábio Miloch (Epicus Doomicus Metallicus) e Nildo Gomes (coluna “Guitareview”, da ROADIE METAL), que me ajudou com seus imensos conhecimentos em se tratando de guitarras.
Confira a parte IV desta coluna aqui.
Depois de quase três meses parada, a coluna Funeral Doom Metal está de volta para trazer para você, apreciador do Gênero Maldito e aficionado por curiosidades do Heavy Metal, indicações de bandas que praticam uma das formas mais extremas de música. Mas, se você curte Funeral Doom, esta espera não foi longa. Até porque sabemos que três meses é o tempo compreendido entre duas batidas no caixa da bateria em uma música de Funeral Doom.
Desta feita, a coluna seguirá com uma nova proposta. Ao invés de somente indicar bandas que fazem a diferença dentro do gênero, daqui para frente também abordaremos outros temas e assuntos relacionados à Música Fúnebre, como álbuns clássicos do estilo, novos lançamentos e curiosidades sobre bandas e músicos, tanto as mais conhecidas como as mais obscuras e esquecidas.
Para hoje, traremos para você uma curta análise de alguns álbuns clássicos de Funeral Doom Metal dos anos 90, década em que o estilo foi criado e desenvolvido. Como explicado na primeira edição desta coluna, o Funeral Doom nasceu do Death/Doom, que por sua vez foi criado no fim dos anos 80 por bandas como o Paradise Lost, que veio seguido de outros nomes que se tornaram gigantes do gênero como My Dying Bride e Anathema, sem esquecer de bandas como Katatonia, Tiamat e Winter, por exemplo. Mas, como acontece em todos os estilos de Heavy Metal, a busca pelo “extremo” nunca se finda. O quanto a gente pode potencializar as características do estilo que tocamos? Podemos ser originais ou mesmo pioneiros de um novo gênero elevando ao máximo possível certos detalhes que já definem o que tocamos?
https://www.youtube.com/watch?v=5WYnPgFJWWY
Assim, o Funeral Doom foi tomando forma. O ritmo já lento imprimido pelo Death/Doom começou a se tornar cada vez mais lento e arrastado. E a sensação de estrangulamento sonoro, já presente mesmo no debut do Paradise Lost, se tornou mais forte. Grupos como o australiano Disembowelment e o finlandês Unholy lançaram álbuns que se tornaram clássicos do Death/Doom e que já traziam essa noção de extremismo marcial, com ritmos bastante arrastados. O Unholy com seu primeiro álbum, From The Shadows, lançado em 1993, estreava com seu Death/Doom negro que adornava a mistura de vocais berrados desesperados vindos da garganta de Pasi Äijö (mais parecendo um John Tardy sob tortura) e vozes limpas femininas barítonas, cortesia da cantora Tanja “Die Schöne” Wehsely. Em pouco mais de uma hora de disco, o Unholy mostrava na época o porquê de a Finlândia ter iniciado a jornada rumo ao mais lento dos andamentos musicais. Não tem como ouvir a música Gray Blow e não se sentir cercado por espíritos mortais que te torturam, sob cânticos esotéricos.
Falando também em Disembowelment (confesso que demorei um pouco até acertar a grafia correta deste nome), no mesmo ano de 1993 a banda da distante Austrália lançou seu full-length unigênito, o álbum Transcendence Into The Peripheral. Este álbum traz um Death Metal mesmo, brutal e denso, com vocais cavernosos, contrabaixo gordo e timbres de guitarra cheios. Em algumas passagens, como nas músicas Your Prophetic Throne of Ivory e Cerulean Transience of All My Imagined Shores, há uma mescla entre o Death Metal terrorista e o Death/Doom torturante, tudo magnificamente emendado em mudanças repentinas de andamento.
https://www.youtube.com/watch?v=oITFnx2TUZ0
Apesar destas duas bandas já trazerem algumas passagens que seriam comuns no Funeral Doom, a banda que é considerada a pioneira do estilo é a finlandesa Thergothon. Seu debut, Stream From The Heavens, de 1994, é considerado um dos primeiros registros do Funeral Doom Metal. Seu ritmo ultra-lento, “mata-na-unha” e lúgubre causa sensações de melancolia mórbida no ouvinte concentrado, pois temos aqui guitarras com afinações graves e presença ubíqua de efeitos “phaser” que, quando misturados às camas de teclados, dão aquele efeito sobe-e-desce de perturbação mental e que lhe põem dentro de uma caverna escura e úmida. Aliado a esse detalhe, temos os vocais de Niko Skorpio, guturais em frequências baixíssimas que sussurram desesperadamente em seus ouvidos.
Aquela que é considerada também a pioneira do Funeral Doom ao lado do Thergothon é a também finlandesa Skepticism. Seu primeiro álbum, Stormcrowfleet, foi lançado em 1995 e em seis músicas traz um jeito distinto de fazer Funeral Doom, mais atmosférico, em relação ao Thergothon, mais torturante. A imagem criada na mente ao se ouvir Stormcrowfleet e músicas como Sign Of The Storm remete a solidão ao crepúsculo ante a uma grande muralha, densa e colossal como o timbre cheio das guitarras e os teclados de timbres catedráticos, mas também pesados. Enquanto me deparo com esta grandiosa muralha, uns ventos vindos lateralmente trazem os vocais de Matti Tilaeus aos meus ouvidos, como sussurros lançados e misturados ao vento. É impossível permanecer no ceticismo ao se penetrar no mundo paralelo criado pela sonoridade deste clássico do Doom Metal.
Outra referência da arte extrema do Gênero Maldito é o álbum Tragedies, da banda norueguesa que ostenta o nome do estilo, Funeral. Enquanto naquela época o Black Metal se tornava o mais importante item de exportação daquele país nórdico, o Funeral fazia seu Funeral Doom com aproximações do Gótico, algo que já se vê patente na capa do disco e na introdução acústica com a faixa Taarene, que se transforma num encontro de Skepticism e Thergothon, o primeiro dando a atmosfera e ambiência e o segundo influenciando nos timbres maldosos típicos do Death Metal. Mais do gótico se revela na alternância de vocais femininos líricos (não creditados) e vocais guturais a cargo de Toril Snyen. Tragedies é um disco emotivo, belo e mortal, como uma sereia a cantar no alto-mar, a noite.
https://www.youtube.com/watch?v=JoHhfKtdJbA
Descendo para a Terra da Rainha, nos deparamos também com álbum fundamental para o desenvolvimento do Funeral Doom Metal, que foi o primeiro da banda britânica Esoteric, o perverso Epistemological Despondency, lançado em 1994. Este álbum é perverso mesmo, pois ele atenta a enclausurar o ouvinte cercando-o com seus mais fortes remorsos e mágoas do passado e torturando-o com o próprio peso de sua consciência. A imagem de motivo geométrico altamente psicodélico reforça esta sensação durante a audição do disco. Vibratos lentos em solos de guitarra que se entrelaçam com os teclados, afinações graves e efeitos melancólicos nos vocais guturais de Greg Chandler pioram o estado mental do pobre ouvinte que encara o desafio de ouvir este disco denso, pesado e ultra-lento. Afora o fato de que as composições de Epistemological Despondency eram as mais longas do Funeral Doom na época. Bereft, a música que abre o disco, tem mais de 20 minutos, enquanto Awaiting My Death tem colossais 26 minutos. Não tem morte que chegue durante um funeral longo e arrastado desse jeito. Acrescente também os detalhes Space Rock que emolduram as composições.
Para encerrar a coluna de hoje, indico também o debut da banda norte-americana Evoken, lançado em 1998 sob o título Embrace The Emptiness. Dentre os álbuns citados nesta reportagem, este de longe é o que possui melhor qualidade sonora. Todos os instrumentos estão bastante nítidos e a mixagem favoreceu os agudos, que sempre ficaram em segundo plano com as outras bandas, ante a necessidade de se explorar as frequências graves de modo a reforçar o clima sufocante inerente ao Funeral Doom. Mas é aquela história: uma produção suja e mal asseada pode ser na verdade um ponto positivo para o disco; depende aí das intenções e sensações que o álbum deseja transpassar. Será que o álbum Filosofem, do Burzum, teria o mesmo impacto se tivesse uma sonoridade limpa e nítida, Varg?
Voltando ao Embrace The Emptiness. O reforço nos tons agudos deixa mais latente o pezão no Death Metal que a banda sempre fez questão de carregar. Ainda, os licks de guitarra que acompanham as músicas, de mãos dadas com as camas de teclados, deixam cada composição com aquele espirito úmido e fúnebre, como se você estivesse caminhando sob uma floresta de pinheiros que estão a gotejar a geada que se formou durante a madrugada, ainda sob um tempo nublado.
Por hoje é só. Estes álbuns aqui rapidamente descritos representam a cartilha do estilo. Os dois primeiros, o do Unholy e o Disembowelment, ajudaram a pavimentar o caminho que foi viajado por Thergothon, Skepticism e seus discípulos. Na próxima edição desta coluna, seguiremos a linha do tempo, analisando mais álbuns que vieram no fim dos anos 90 e cruzaremos o Bug do Milênio para ver álbuns clássicos do Funeral Doom nos anos 2000. Até lá! Dá tempo de ouvir duas músicas do Esoteric antes da próxima edição.