Colaborou: Anderson Frota (Roadie Metal)
Agradecimentos: Fábio de Paula (HellLight) e Fábio Miloch (page Epicus Doomicus Metallicus)
Confira a primeira parte desta matéria aqui.
Sob sugestões, resolvi elaborar uma segunda parte para este artigo, que trata do gênero Funeral Doom Metal, uma das formas mais obscuras e extremas de se fazer Heavy Metal. Extremo não no sentido de velocidade, brutalidade ou violência sonora, mas pelo contrário; pelo ritmo ultra-lento e pelas atmosferas extremamente soturnas e angustiantes que suas composições criam. Como a essência e a história do Funeral Doom Metal já foram explanadas na primeira parte, aqui abordarei algumas bandas que vem se destacando no cenário mundial e local.
Foram lembradas a bandas Evoken e Funeral, dentre as pioneiras do Funeral Doom ainda nos anos 90. Surgidas já quando Skepticism e Thergothon haviam começado com suas contribuições, a banda americana e a norueguesa, respectivamente, ajudaram a sacramentar o estilo antes do Boom da internet no começo dos anos 2000. O Evoken segue uma linha mais tradicional, caminhando perto do Death/Doom, enquanto o Funeral sempre andou de mãos dadas com o Gótico, mais parecendo o My Dying Bride marchando bem mais lento. Até hoje, ambas as bandas continuam em atividade, influenciando as novas bandas que pretendem encarar a árdua e pesada procissão fúnebre.
https://www.youtube.com/watch?v=0dOFLcQ1BE8
Na primeira parte deste pequeno compêndio, enfatizei que o estilo se tornou saturado a partir dos anos 2000 por conta da grande quantidade de bandas que surgiram e pela vontade da maioria delas de soarem parecidas com as referências. Quando este tipo de fenômeno acontece com um gênero, uma banda que queira se destacar tem que trazer algum diferencial, ao mesmo tempo em que não pode fugir das características primordiais do estilo. Uma das bandas mais criativas atualmente no cenário Funeral Doom mundial é o Ahab, da Alemanha.
O Ahab foi rapidamente citado na parte I desta matéria, quando o texto se refere a “temas náuticos”. Os membros do Ahab são obcecados pelo oceano e por tudo que seja relacionado a ele, sendo este o assunto principal de seus álbuns, alguns deles conceituais. Tanto é que, em seu debut, The Call of the Wretched Sea (2006), o grupo intitulou seu som de “Nautik Funeral Doom”. Mas o que a gente menos precisa hoje é de novos nomes de gêneros. Logo, o Ahab busca fugir de temas mais tradicionais do Doom Metal como tristeza, morte e sentimentos. Junto as ideias das letras, o Funeral Doom do Ahab soa majestoso como a imensidão do alto-mar. Além disso, o grupo não se acanha em depositar pitadas de Sludge Metal em seu som, tornando seu Doom variado. Com o destaque que angariou desde sua fundação, em 2004, o Ahab se tornou a banda mais bem-sucedida e reconhecida de seu gênero, assinando inclusive contrato com a grande gravadora Napalm Records.
Oriunda da Bélgica, a banda Pantheist foi fundada no ano 2000 com a mesma proposta de Funeral Doom do Shape Of Despair, ou seja, foco nas orquestrações majestosas e sensatas. Com o passar da década, o Pantheist absorveu outros elementos em sua sonoridade, como uma maior variedade de ritmos e de atmosferas criadas por teclados, inclusive doses de Shoegaze. Tais variações fazem o Pantheist ser chamada agora de Progressive Doom (nome este que julgo ser mais apropriado para bandas como o Veni Domine, por exemplo). Por outro lado, as orquestrações soturnas, guitarras densas e ritmos lentos do começo da carreira permanecem até hoje no som da banda belga, o que a inclui no time das bandas de Funeral Doom que se destacam no atual período do tempo.
O músico sueco Johan Ericson é mais conhecido pelo seu trabalho com a banda de Gothic Metal Draconian. Mas ele encontra tempo de expressar seu lado mais agonizante com seu projeto de Funeral Doom, o Doom: VS, onde ele banca todos os instrumentos. Com aproximações ao Death/Doom tradicional, enriquecido de melodias fúnebres e de vocais limpos, o Doom: VS já lançou três full-lengths, sendo o último o ótimo Earthless (2014). Nos atuais círculos do Funeral Doom, o Doom: VS é um nome sempre lembrado e respeitado.
Desçamos o mapa da Europa rumo ao País da Bota. A Itália possui um Heavy Metal genuíno; parece que existe um DNA que faz o Rock pesado daquele país ser único, não importando o gênero. As bandas de lá sempre trazem um sentimento medieval, melodias Folk e doses boas do característico Rock Progressivo local. A banda Arcana Coelestia vem da cidade de Cagliari trazendo todos estes elementos no seu Funeral Doom; uma beleza melancólica temperada com traços de Black Metal daquela região e com uma certa aura ocultista proeminente das letras e do visual misterioso. As músicas do trio formado por PV (bateria), RM (vocais) e MZ (guitarras, baixo e teclados) carregam uma aura romântica, ao mesmo tempo que transmitem o tradicional e agonizante peso fúnebre do gênero, mas com a cara do Metal italiano. Imagine você contemplando a imensidão do mar sentado em alguma construção medieval, sem luz artificial, no crepúsculo. Esta é a imagem que a música do Arcana Coelestia modela.
Mais uma banda que pratica um Funeral Doom empolgante é o Remembrance, da França. Fundada em 2004, o que parecia ser somente mais uma cópia do Shape Of Despair adquiriu identidade própria com o passar do tempo, chegando a plena forma musical com seu terceiro álbum de estúdio, Fall, Obsidian Night, de 2010. Apostando em orquestrações mais contidas e em duetos vocais homem-mulher (vocais limpos, diga-se de passagem), o Remembrance consegue se destacar e ser um importante nome no Doom europeu.
Como já se pode notar até esta parte da matéria, a grande maioria das bandas de Funeral Doom Metal se concentram na Europa. Muito provavelmente pela própria personalidade do europeu, mais suscetível à introspecção.
Eis o motivo para este escriba que vos fala acreditar que o Doom Metal no Brasil não ser mais popular por conta da personalidade do brasileiro. Os estilos de Heavy Metal mais praticados em nosso país e mais visados por novas bandas são o Black, o Death, o Thrash e o Power Metal, quiçá nesta ordem. A ânsia do brasileiro em extravasar seus sentimentos e frustrações de forma forte e impulsiva explica o porquê de serem escolhidos os gêneros mais rápidos e agressivos. O brasileiro não tem muito da cultura da introspecção, algo essencial para que se absorva e se aprecie bem o Doom Metal. Para o Funeral Doom, então…
Mas o Brasil é imenso! E nossa safra de músicos tem talento de sobra para dar suas versões de qualquer estilo. É por isso que a cada dia que se passa o Metal brasileiro é cada vez mais respeitado mundo afora. E não é de hoje. Em se tratando de Funeral Doom, já foram citadas a tradicional e excelente HellLight (que, inclusive, lançou uma coletânea comemorando 20 anos de estrada, para download gratuito. Vale a pena conferir ou conhecer), o De Profvndis Clamati, de Curitiba, e o My Funeral Dreams, do interior do Pará.
Na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, temos a banda Lelantos, que foi fundada recentemente, em 2016, e já chegou com um full-length, Akrasia. Com uma abordagem mais atmosférica, com teclados emulando timbres etéreos, a banda aposta em vocais limpos e líricos, a exemplo do Remembrance. O Lelantos vive sob o comando do músico Bruno B. Braga, que é responsável por todos os instrumentos.
O Sol Fulmina A Terra ! Frase que se aplica perfeitamente ao nosso país tropical, especificamente às regiões e paisagens semiáridas do Nordeste. Esta frase também dá nome ao segundo álbum de estúdio da banda paulista Abske Fides. Falando em paisagens semiáridas do Nordeste, este é o tema sobre o qual o disco disserta: a seca e o sofrimento do povo nordestino em meio à estiagem e a desolação. O Funeral Doom com influências de Paradise Lost e com passagens pelo Black Metal fez a banda Abske Fides chamar a atenção da gravadora russa Solitude Productions, que lançou O Sol Fulmina A Terra na Europa.
Para fechar esta segunda parte, escolhi uma banda oriunda de Buenos Aires, capital da Argentina. O músico Alejandro Sabransky carrega sozinho a banda Funeris desde o ano de 2014. De lá para cá, o Funeris já lançou seis álbuns de estúdio. Isso mesmo; em 2015 e em 2016, a “one-man band” lançou dois discos em cada, e o mais recente já saiu agora em 2017, Dismal Shapes. Na linha de Shape Of Despair e de 1000 Funerals, o Funeris esbanja um clima denso e sorumbático, difícil de ser absorvido. Todavia, morbidez e beleza são detalhes marcantes do som desta banda argentina.
Pois bem. Dito tudo isto, constata-se que o Funeral Doom é um dos filhos mais casca-grossa do Doom, mas ao mesmo tempo é uma música que é abraçada por muitas bandas, justamente pelo desafio de domá-la e de se fazer um trabalho empolgante e criativo, sem se perder dos detalhes que o tornam único: o ritmo ultra-lento, as atmosferas angustiantes e as guitarras densas. Digno de glória sempiterna é a banda que consegue moldar um estilo bruto e difícil, transformando-o num som altamente viajante, arrebatador e belo. Tão denso como o frio da Finlândia, terra de Thergothon, Skepticism e Colosseum; tão fatal como o Sol que Fulmina a Terra de Abske Fieds e HellLight; tão belo como as melodias de Shape Of Despair e Funeral. Sabendo trabalhar, o Funeral Doom toma a forma que você almeja.