Dentre os vários gêneros que o Heavy Metal teve a capacidade de criar ao longo de seus quase cinquenta anos de existência, o Doom Metal é o que melhor consegue transmitir sentimentos e atmosferas através de suas composições e arranjos, além de ser o que mais preserva a essência do Metal, dado que o Rock Pesado já nasceu sob o aspecto do Doom. Aqui no Brasil, apesar de o estilo não ser ainda tão popular, a banda paulistana HellLight carrega o caixão do Doom Metal há mais de vinte anos e é um dos principais nomes do gênero em nosso país e uma das bandas de maior destaque no nicho do Funeral Doom mundial. Nesta conversa conduzida por Fábio Miloch (Epicus Doomicus Metallicus), o líder do HellLight, Fábio de Paula, fala sobre sua visão de Doom Metal, sobre suas letras e ainda conta algumas curiosidades de sua história. Confira:

Dentro do Heavy Metal há varios caminhos filosóficos. Qual a sua visão sobre isso e sobre o Doom Metal?

Fábio de Paula: Na minha opinião, o Doom metal é a forma artística musical mais precisa para traduzir sentimentos mais profundos, pois ele é o único estilo dentro do Metal que consegue agregar peso, obscuridade e beleza. Músicas com uma beleza incomparável e com uma carga emocional enorme, muitos sentimentos envolvidos. Talvez isso seja um dos motivos pelo qual o Doom não é um estilo popular, pois nem todo mundo está preparado para entrar em contato com esses tipos de sentimentos e emoções.

Qual o significado do HellLight para você e de onde vem sua inspiração para as letras?

Fábio: O HellLight significa pra mim o nosso legado, a nossa história. Foi a forma que eu encontrei de poder traduzir as ideias, as emoções e os sentimentos que eu tenho. Sinto que somos, de alguma forma, representantes de um grupo de pessoas que sentem o mesmo que nós, que pensam de formas parecidas, e isto é uma grande responsabilidade. A minha inspiração para as letras sempre foi a forma de encarar a vida e a morte sendo uma pessoa que não acredita na salvação das religiões para obter suporte. A vida é cheia de momentos difíceis para todos, porém é especialmente difícil para quem não é anestesiado pelas promessas providas pelas religiões, especialmente as monoteístas. Isso nos faz obrigados a entrar em contato com pensamentos profundos e, na maioria das vezes, extremamente depressivos.

O Doom Metal sempre foi seletivo ao fãs. Como você enxerga a cena, tanto nacional como internacional?

Fábio: Eu vejo que nos últimos anos o numero de fãs vem crescendo, tanto no Brasil quanto no exterior. Isso é muito bom, tanto para as bandas quanto para o próprio público, pois assim surgem mais eventos com bandas de Doom. E é, com certeza, um estilo que merece mais atenção da mídia. Acredito que em breve os grandes sites e as grandes revistas irão perceber o numero crescente de fãs de Doom.

Ultimamente algumas bandas tem apostado em cantar em sua lingua nativa. Você já cogitou essa possibilidade?

Fábio: No começo da banda nós cogitamos essa possibilidade. Porém, como nós pretendíamos extender o alcance da banda para o exterior, decidimos permanecer com o inglês mesmo. Mas acredito que em breve incluiremos alguma faixa cantada em português.

Tendo em vista as dificuldades que uma banda underground passa para a produção de shows e discos, como também os custos para estúdios e gravações, o HellLight consegue viver apenas do HellLight?

Fábio: Não, infelizmente não conheço nenhum músico do underground que consiga viver da própria banda. Quem sabe um dia cheguemos nesse patamar, mas por enquanto não. Eu tenho uma oficina de luthieria, pois sempre gostei dessa profissão, construir, consertar e customizar instrumentos musicais.

No ano passado vocês abriram o show do Candlemass em São Paulo. Como foi essa experiência para você?

Fábio: Foi uma experiência quase surreal, pois apesar de termos feito algumas aberturas muito bacanas aqui em São Paulo, nenhuma das bandas eram de Doom e, especialmente o Candlemass, que é uma das nossas bandas favoritas, foi realmente surreal. Eles foram extremamente simpáticos e educados conosco, inclusive conversamos bastante antes e depois do show. Tive mais alguns contatos com eles pela internet depois disso. E uma das coisas que particularmente nunca irei me esquecer foi quando depois do nosso show encontrei os caras no canto do palco, onde eles assistiam ao nosso show, e eles disseram: “vocês são muito mais doom que nós” (risos)! Quase morri (mais risos)!

No início da banda, o som do HellLight soava épico e a partir do disco “No God Above, No Devil Below” (2013) foi tomando características atmosféricas. Isto foi premeditado ou aconteceu naturalmente?

Fábio: Na realidade não, não foi premeditado. Eu acredito que essas mudanças se deem pelas trocas de tecladistas que tivemos durante o tempo. Eu passei a compor os teclados novamente. Vamos aguardar o proximo album pra ver no que dá (risos)!

Voltando as letras, elas são profundas e reflexivas. Como elas surgem para você?

Fábio: Eu costumo escrever em momentos em que estou sozinho e normalmente de noite. Acredito que sejam os momentos em que conseguimos nos conectar com as emoções e sentimentos mais profundos e, a partir daí, descrever da forma mais poética possível. Uma das melhores sensações de escrever letras e músicas é quando outras pessoas se identificam com elas e entram em sintonia com quem as fez. Só a arte possibilita isso.

Gostaria que você citasse dez disco essenciais do Doom Metal, na sua opinião.

Desire – Locus Horrendus
Saturnus – Veronica Decides To Die
My Dying Bride – The Angel And The Dark River
Tiamat – Wild Honey
Doom: VS – Aeternun Vale
Candlemass – Ancient Dreams
Solitude Aeturnus – Alone
Memory Garden – The Rhyme Of The Elder
Black Sabbath – Black Sabbath
Cultus Sanguine – The Sum Of All Fears

Fábio, muito obrigado pelo seu tempo em conceder estas palavras a Roadie Metal. O espaço é seu para as suas considerações finais.

Fábio: Em todas as ocasiões onde tenho essa possibilidade, gosto de reforçar que o Metal, especialmente no Brasil, é feito não somente das bandas, mas do público, das mídias especializadas e dos produtores. Uma série de pessoas trabalhando para o mesmo objetivo, que é engrandecer nossa arte. O Brasil tem excelentes pessoas ligadas a isso. No começo do ano que vem iremos fazer uma tour grande na Europa e faço questão de levar uma bandeira do Brasil para expor no palco de todos os shows e festivais que iremos fazer. Sinto como se estivéssemos representando toda essa legião de pessoas incríveis que fazem do Doom brasileiro um dos melhores do mundo.