Emerson, Lake & Palmer: os 50 anos do álbum de estreia

Desde o fim dos anos 60 e mais notadamente durante a primeira metade dos anos 70 o Rock atingiu níveis de técnica e de erudição megalomaníacos. Músicos de muito estudo clássico e de notável capacidade técnica descobriram no Rock, um estilo até então simples e direto, uma cobaia perfeita para se misturar influências e realizar experimentações com diferentes nuances, ambiências e atmosferas com o objetivo não só de evoluir artisticamente o estilo, mas, talvez principalmente, para massagear os seus próprios egos.

Tal nível de trabalho se fez bastante aparente com o advento do Rock Psicodélico e, pouco depois, com o nascimento do Rock Progressivo, o qual muitos creditam a Robert Fripp e seu King Crimson. Dentre os músicos que se destacavam naquele período na busca pelo infinito artístico dentro do Rock, o baterista Carl Palmer, o cantor e baixista Greg Lake e o tecladista Keith Emerson, cada um em suas bandas, chamavam bastante a atenção dos críticos e fãs de Rock. Dentre os três citados, Emerson era o que mais saltava aos olhos de todos graças ao seu virtuosismo musical e suas performances ao vivo auto-heliocentrísticas, já que o tecladista não fazia cerimônia alguma em carregar para o palco imensos paredões de sintetizadores, desferir golpes de arma branca contra seus instrumentos musicais e de ser içado com cabos junto com seu piano de cauda como se ele próprio fosse o Sol e a Terra, abaixo de si, girasse em torno dele.

Pois bem. Tido na época como um supergrupo, o Emerson, Lake & Palmer surgiu em 1970 motivado pela vontade de Keith Emerson de tocar em um projeto diferente do The Nice, sua banda principal naquele período. Após uma jam muito bem entrosada com Greg Lake, que na época estava procurando uma desculpa para deixar o King Crimson, ambos decidiram seguir juntos e começaram a busca por um baterista. A ideia original de Lake era contar com Mitch Mitchell, o lendário baterista do The Jimi Hendrix Experience. Mitchell a princípio topara entrar no negócio e ele prometera trazer Hendrix junto para completar o que seria um quarteto, mas ele pediu um tempo a mais até o guitarrista pudesse encerrar a produção de seu novo álbum ao vivo, o essencial Band Of Gypsies. Nesse período, Emerson recebeu uma ligação do famoso empresário Robert Stigwood na qual ele indicava Carl Palmer, na época baterista do Atomic Rooster e ex-integrante da banda de Arthur Brown para o posto de baterista. Após somente um ensaio, Emerson e Lake tiveram certeza que era na verdade Carl Palmer quem iria ceder seu sobrenome para completar o topônimo da banda. Assim sendo, fica para as nossas férteis imaginações como seria uma banda formada por Jimi Hendrix, Keith Emerson, Greg Lake e Mitch Mitchell.

Carl Palmer ainda relutou um pouco em aceitar o convite para integrar o trio tendo em vista que sua banda na época, o Atomic Rooster, estava indo muito bem em termos comerciais e ele não queria trocar o certo pelo duvidoso. Após muito “queixo”, como se diz no Ceará, Palmer enfim aceitou o convite e a história tratou de provar que o era duvidoso na verdade era mais do que certo. Faltava um nome para a banda. Após debaterem entre “Seahorse” e “Triumvirate” (sendo que a importante banda alemã de Rock Progressivo Triumvirat já existia há um ano e no futuro ela seria muito comparada justamente ao ELP), o trio resolveu simplificar ao menos desta vez e resolveram batizar o conjunto somente como Emerson, Lake & Palmer, para que os fãs e críticos não delegassem somente a Keith Emerson, o, digamos, mais conhecido dos três, as láureas do grupo (imagina! Jamais que Emerson se negaria em dividir as atenções que deveriam ser só para si!).

Keith Emerson, Greg Lake e Carl Palmer

Mesmo sendo recém-formada e ainda nenhum material lançado, o ELP conseguiu a façanha de fazer uma apresentação que foi sucesso de crítica perante 600 mil pessoas no famoso Isle of Wight Festival no dia 29 de agosto de 1970. Se havia ainda alguma dúvida de aquele Rock Progressivo virtuoso, repleto de adaptações de peças clássicas e com muita influência de Jazz vingaria, ela caiu por terra neste dia. Assim, o trio adquiriu cacife suficiente para entrar em estúdio a fim de registrar seu primeiro álbum.

Na verdade, eles já estavam em estúdio quando o show no Isle of Wight aconteceu. Emerson, Lake & Palmer, o álbum, foi gravado entre os meses de julho e setembro de 1970 no Advision Studios e foi lançado oficialmente há exatos 50 anos, no dia 20 de novembro através da gravadora Island. Composto de seis faixas que totalizam pouco mais de 41 minutos, a estreia do ELP não poderia ter sido mais arrebatadora. Poucas vezes a história da Música testemunhou uma estreia tão virtuosa. Certo que os três integrantes da banda eram alguns dos músicos do mais alto calibre naquela época, mesmo assim, o que a banda preparou neste registro ia além de qualquer expectativa. Apesar da megalomania e do ego musical de Keith Emerson, o entrosamento e a performance de cada um dos três integrantes nesta estreia beiram a perfeição. A capa, uma das mais marcantes do catálogo do conjunto, é uma pintura do artista Nic Dartnell. Havia rumores de que essa capa seria usada na verdade em um trabalho da banda norte-americana Spirit e que o homem careca que pode ser notado na lateral esquerda da obra seria o baterista do Spirit, Ed Cassidy. A verdade é que Dartnell havia feito um retrato do Spirit e desenhado um pássaro similar ao da capa de Emerson, Lake & Palmer no cantinho do mesmo. Só por isso suscitou-se o imbróglio.

A admiração de Keith Emerson por músicos do lado de lá da Cortina de Ferro ficou explícita pela presença no debut de duas composições originais do virtuoso pianista húngaro Béla Bartók e do compositor tcheco Leoš Janáček, ambas rearranjadas pela banda. O primeiro, The Barbarian, é um rearranjo do original Allegro Barbaro, de Bartók. O início dado pelo baixo distorcido de Greg Lake prenuncia toda o show dado pela técnica dos dedos irrequietos de Keith Emerson e pela pegada absurda de Carl Palmer que criam uma música frenética e densa. Já a faixa 3 do álbum, Knife-Edge, é um rearranjo que Keith Emerson preparou para a original primeira seção de Sinfonietta, do músico tcheco supracitado, com uma inserção original de Johann Sebastian Bach e complementada com letras de Greg Lake e de Richard Fraser, um roadie da banda. Apesar da contribuição de Fraser, Greg Lake confessara tempos depois que a ele foi concedido somente os créditos da letra, não pagamentos. Separando os dois rearranjos está encaixado na faixa 2 Take a Peeble, composição de mais de 12 minutos de autoria de Greg Lake que transita entre o Jazz e o Folk graças a tocada “bartokiana” de Emerson, a bela voz (que se tornaria mais bela ainda na medida em que Lake envelheceria) e as inserções acústicas de Lake, palmas acompanhadas de assobios e, lógico, o tempero percussionístico que só Carl Palmer poderia conceder.

Diferentemente do lado A do disco, no qual os três mosqueteiros juntaram suas forças em prol de uma unidade artística e de performance, as três faixas do lado B destacam um integrante de cada vez, respectivamente. The Three Fates é uma “pseudo-suíte”, como o próprio Emerson descreveu, divida em três partes e quase toda tocada sozinho pelo tecladista. As três partes fazem referência as três Moiras da mitologia grega, Cloto, Láquesis e Átropos, responsáveis por regular os destinos de todos os seres viventes, tanto deuses quanto mortais. A vez de Carl Palmer ser o protagonista chega na faixa Tank, cujo solo de bateria que divide ao meio arranjos criados por Emerson mais parece um clamor de seu kit de pratos que cimbalam na tentativa de falar. A faixa que encerra os trabalhos, Lucky Man, é uma singela composição acústica de Greg Lake que ele compôs quando tinha somente 12 anos de idade. Aliás, ela é singela até Keith Emerson resolver cobrir tudo com um solo cheio do que os guitarristas chamariam de “whammy”!

O álbum Emerson, Lake & Palmer atingiu a posição de número 4 nas paradas inglesas. Já nos Estados Unidos, mercado no qual o álbum só seria lançado em 1º de janeiro de 1971, o disco alcançou o posto 18. Lucky Man, que saiu como single, foi alçado a 48ª posição também na terra dos ianques. O lançamento de seu álbum de estreia foi parte fundamental do sacramento do Emerson, Lake & Palmer no Olimpo do Rock Progressivo, muito embora Greg Lake nunca tenha se agradado deste rótulo. E eu até o entendo: não consigo conceber o ELP sequer como uma banda genuinamente Rock, imagine enquadrá-los dentro de um rótulo, por mais que o Rock Progressivo traga em seu conceito uma forte abrangência artística. Há 50 anos já em sua estreia o Emerson, Lake & Palmer provava que era muito mais que Rock Progressivo, muito mais que Rock, muito mais do que qualquer rótulo que a Música ousasse imputá-los. Para o trio, fronteiras ou amarras artísticas inexistiam. O que valia a pena era extrapolar qualquer limite técnico e entregar nada menos que a nata que fosse capaz de ser pasteurizada, nem que para tanto Keith Emerson ousasse tentar destronar o Sol.

Emerson, Lake & Palmer – Emerson, Lake & Palmer
Data de lançamento – 20 de novembro de 1970
Gravadora: Island Records

Tracklist:
01. The Barbarian
02. Take A Peeble
03. Knife-Edge
04. The Three Fates (a. Clotho; b. Lackesis; c. Atropos)
05. Tank
06. Lucky Man

Line-up:
Greg Lake – vocais, guitarras, contrabaixo
Keith Emerson – órgão, clavinete, Hammond, sintetizador Moog, piano
Carl Palmer – bateria, percussão

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