A primeira imagem de Deep Purple que sempre me vem à cabeça é a da banda que traz Ian Gillan na sua linha de frente e Roger Glover no contrabaixo. Aprecio muito os discos da MKIII, e todos se tornaram clássicos do Rock, mas a formação com Gillan e Glover me cativa mais.
Dito isso, não tem como fechar os olhos (ou os ouvidos) para o quão perfeito é o álbum “Burn”. Não se trata apenas de um momento de reinvenção, mas de um ponto de superação para uma banda que já tinha experimentado o auge. O ápice além do ápice!
A começar pela capa, juntamente com a de “In Rock”, as únicas da banda a merecerem alguma menção, visto que o Purple nunca teve tradição de grandes capas. O álbum já chega arregaçando com a faixa-título, “Burn”, um dos melhores – se não o melhor – riff de abertura de uma música na história! Destaque para as dobradas entre Ritchie Blackmore e Jon Lord que, juntos, escreveram o manual de instruções para qualquer duo guitarra/teclado que seria feito a partir do Purple.
Aliás, um parágrafo específico tem que ser aberto para falar de dois dos músicos dessa formação. Na verdade, o Deep Purple sempre se caracterizou por ser uma congregação de gênios e cada um deles merece não apenas um parágrafo, mas páginas e páginas de exaltação, mas eu não me canso de sempre, e até os dias de hoje, ser surpreendido pelas atuações de Jon Lord e Ian Paice.
Lord foi o grande tecladista da história do Rock. Não vamos aqui ficar fazendo comparações com Rick Wakeman ou Keith Emerson porque isso não faz sentido. Não existe grau de comparação entre músicos desse naipe. Todos são – e cada um é individualmente – o melhor tecladista de todos os tempos, etc, etc…, mas as incursões de Lord nas composições me fazem parar para prestar atenção como outros não conseguem. Talvez seja o timbre, talvez seja a forma como as notas casam com a base, não sei. Sei apenas que Lord não faz falta apenas para o Deep Purple. Ele faz falta para a música como um todo.
Quanto a Ian Paice, o fato de ser o único músico do Purple que nunca dividiu com mais ninguém a condução de seu instrumento dentro da história da banda revela muito sobre sua importância. Um baterista tão discreto no comportamento quanto efusivo na atuação. O que são aquelas viradas nas estrofes de “Burn”??? O que é aquela fusão de técnica, simplicidade e criatividade? Paice sempre trabalhou com um kit de percussão minúsculo e nunca precisou de uma bateria gigante para executar seu serviço. Ele próprio é o gigante no comando das baquetas.
Mas “Burn” é também a estreia de David Coverdale e ele não deixa por menos. Se Coverdale não canta “Child In Time”, definitivamente uma canção de Gillan, ele desponta no Purple com aquela que seria sua interpretação definitiva: “Mistreated”. Não foi à toa que nessa música não houve os duos vocais com o baixista egresso do Trapeze, Glen Hughes, marcantes nessa fase da banda e que aqui tiveram seu melhor momento na faixa “Might Just Take Your Life”. Por falar em Hughes, que teve uma relação no mínimo tumultuada com Blackmore, o baixista deve ter sido o provável responsável por agregar, com mais evidência, as influências de Black Music no repertório do Purple, irritando o guitarrista, mais voltado para o clássico e o barroco. A faixa “You Fool No One”, desse disco, pode muito bem ser apontada como uma das primeiras experiências nesse sentido, que ganhariam mais força no álbum seguinte, “Stormbringer”.
“Burn” é o disco que deveria ser referencial para qualquer banda que sofra mudanças significativas de formação, mostrando como soar novo, renovado, mas sem perda de identidade. Em uma época em que querem nomear como clássico qualquer disco com mais de dez anos, necessitaríamos de uma nova palavra para classificar discos como “Burn”, de forma a podermos diferenciá-lo de discos menos relevantes para a história do Rock, como ele merece ser considerado, afinal, os altares são os locais onde as velas devem queimar!!!
Formação:
David Coverdale (vocal);
Ritchie Blackmore (guitarra);
Glenn Hughes (baixo, vocal);
Jon Lord (teclado);
Ian Paice (bateria).
Faixas:
01 – Burn
02 – Might Just Take Your Life
03 – Lay Down, Stay Down
04 – Sail Away
05 – You Fool No One
06 – What’s Goin’ On Here
07 – Mistreated
08 – ‘A’ 200
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10/10