Resenha: Dead Kennedys – Fresh Fruit For Rotting Vegetables (1980)

A vontade de começar esse texto dizendo a batida frase de que “este é um dos discos que eu mais ouvi na vida” é irresistível. Soa, porém, bastante inadequada, pois o tempo pretérito não esclarece suficientemente minha relação com este álbum. É um dos discos que eu mais escuto. É um dos discos que eu mais escutarei.

E olha que o meu primeiro contato com as músicas deste disco foram através de uma via completamente tortuosa. Antigamente, na extinta TV Manchete, naquele tempo jurássico em que a gente mudava de canais utilizando o seletor da própria televisão, eu passei por um programa de esportes onde estavam sendo exibidas algumas cenas de campeonatos de surf. Não tenho nenhum interesse por esta prática, aliás, sequer sei nadar, mas a trilha sonora me fez parar para assistir. Pranchas de surf estavam desafiando as ondas ao som de “Kill The Poor”!

Eu creio, aliás, tenho certeza, que a letra de “Kill The Poor” não tem absolutamente nada a ver com a prática de surf, mas não se deve esperar coerência de nossos canais de televisão. O certo é que não faria absolutamente nenhuma diferença qualquer imagem que estivesse sendo veiculada. Podia até ser uma tela azul. Era a música, apenas a música que me atraía. Naquele tempo eu não fazia as distinções de subestilo: hardcore, crossover, etc. Era música punk e pronto! E era pesada, era rápida, era agressiva e divertida. Como poderiam haver aquelas picuinhas sem sentido entre fãs de metal e fãs de punk é algo que nunca compreendi perfeitamente e, talvez, por isso mesmo, me isentei de pactuar com tal bobagem.

Mas o hardcore era, e continua sendo, irresistível, e o Dead Kennedys foi um dos baluartes do gênero na América. Não bastasse o fascínio exercido por aquelas músicas, ainda havia o teor das letras, no tempo em que, felizmente, eu ainda dispunha de tempo suficiente para acompanhar as letras de um álbum e, nesse caso específico, poder me deleitar com todo o sarcasmo e acidez irônica que Jello Biafra era capaz de criar. Considerando que o baterista Ted gravou apenas esta estréia, o trio principal criou um resultado sonoro que quase parece não poder ser dividido em partes. A performance extramente teatralizada de Biafra parece necessitar do suporte da guitarra alta e carregada de reverb de East Bay Ray para poder deslanchar adequadamente. Entre essas duas forças, o baixo bem executado de Klaus Flouride é fundamental para fazer a junção do todo.

Tendo como mote a crítica política e social, correr-se-ia o risco de algumas músicas, mais específicas, ficarem datadas em seu contexto. Mas, como a história é um ciclo, finda-se por perceber que todo aquele discurso das letras permanece atualíssimo. Ou você não acha que “California Uber Alles”, com alguma adaptação de personagens e abrangência geográfica, não falaria sobre a América atual?

“Holiday in Cambodia”, com seus quatro minutos e meio é quase um épico dentro de um disco onde a maioria das faixas dura apenas um minuto e meio, mas músicas como “Forward to Death”, “Your Emotions”, de autoria exclusiva de East Bay Ray, “Let´s Lynch The Landlord”, com destaque para a linha de baixo de Klaus, e “Chemical Warfare”, esta com quase três minutos, são perfeitas em sua concisão. “Drug Me”, se fosse mais extensa, perderia parte de seu impressionante poder de impacto. Não foi à toa que o Sepultura a coverizou de forma impecável na coletânea “Virus 100” (tributo ao Dead Kennedys) e, diga-se, ainda bem que o fizeram logo, pois senão alguma outra banda Thrash já teria se apropriado dessa faixa, que talvez seja a que tenha a levada mais acelerada de todo o álbum.

Depois de criar mais alguns poucos discos tão essenciais quanto este, a banda se separou, de forma irremediável, pelo que parece, mas tal qual tantos grupos, que personificaram conceitos maior do que suas próprias personalidades, o Dead Kennedys recusa-se a morrer e continua ativo através de suas partes dissidentes. Talvez seja melhor assim. Dividir para conquistar, através de ideias contundentes. E a nossa caminhada para o futuro parece precisar de mais bandas que nos estapeiem e nos acordem, tal qual o Dead Kennedys sempre fez.

Formação:
Jello Biafra (vocal);
East Bay Ray (guitarra);
Klaus Flouride (baixo, backing vocal);
Ted (bateria).

Faixas:
01 – Kill the Poor
02 – Forward to Death
03 – When Ya Get Drafted
04 – Let’s Lynch the Landlord
05 – Drug Me
06 – Your Emotions
07 – Chemical Warfare
08 – California Über Alles
09 – I Kill Children
10 – Stealing Peoples’ Mail
11 – Funland at the Beach
12 – Ill in the Head
13 – Holiday in Cambodia
14 – Viva Las Vegas

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