Se procurarmos com uma lupa no Livro dos Gênesis, fatalmente encontraremos nas entrelinhas a seguinte frase: “… e no oitavo dia, depois de um merecido descanso, Deus abriu uma cerveja, criou o Rock and Roll, e com ele desencadeou uma discussão entre bandas autorais e bandas covers que durará até o fim dos tempos”.
Claro que isso é apenas uma brincadeira para tentar datar uma das mais antigas discussões do mundo do Rock: banda autoral vs. banda cover.
Esse texto tem como premissa ficar propositalmente em cima do muro e deixar que o leitor tire suas próprias conclusões porque eu mesmo ainda não consegui chegar num denominador comum, já que todos os lados têm sua parcela de razão.
Há muito queria escrever sobre o assunto e ao longo do tempo fui fazendo minhas anotações ao ler/ouvir todas as partes envolvidas neste que deve ser um dos temas mais polêmicos e atemporais do nosso bom e velho Rock and Roll. A turma do autoral critica o dono de bar que coloca a culpa nos clientes que lotam as casas para ver as bandas covers que criticam quem os criticam por estar ganhando o seu dinheiro honestamente num círculo infindável de reclamações.
Para deixar as coisas mais claras, separei alguns dos argumentos mais comuns usados pelos envolvidos e vou descrevê-los abaixo:
PONTO DE VISTA DAS BANDAS AUTORAIS:
Essa turma costuma argumentar que gasta horas estudando música e mais uma eternidade elaborando uma composição que requer atenção aos mínimos detalhes. Trabalho árduo que se não for gravado em algum estúdio jamais será eternizado como obra de arte.
Fora a parte artística, há ainda o ônus da parte técnica, que envolve aluguel de estúdio, produção, mixagem, arte da capa, prensagem, distribuição e divulgação. Sem contar as horas e horas de ensaio pra deixar tudo perfeito para poder mostrar isso ao vivo. E é nessa hora que aparece a maior dificuldade: onde se apresentar?
Casas de shows são poucas e geralmente só contratam artistas consagrados. Festivais são uma alternativa viável, mas a concorrência é enorme e quem se oferecer pelo menor preço ou fizer a melhor barganha garante lugar no palco. Assim o custo/benefício não se torna atrativo, pois muitas vezes a banda acaba pagando pra tocar.
A melhor opção ainda são os bares voltados para o público roqueiro. Mas aí a briga também é feroz já que, salvo raríssimas exceções, bandas cover são preferenciais no cast dos bares.
“Não temos espaço pra divulgar nosso som”; “Os donos de bar só querem saber de banda cover”; “Os caras só tem o trabalho de ensaiar uma música que já tá pronta e tem mais espaço que a gente que rala pra conseguir compor”; “O público só quer saber de som clássico, pararam no tempo”. Essas são apenas algumas das frases utilizadas pela turma do autoral para externar sua revolta.
PONTO DE VISTA DAS BANDAS COVER:
É fato que músico precisa de cachê pra fazer valer a pena sair de casa e tocar em algum lugar, mas também é fato que o maior combustível de um artista é o aplauso. Se ele puder conciliar aplauso e remuneração por compartilhar sua arte fica melhor ainda.
A maioria dos músicos que conheço tem suas composições autorais, mas uma grande parcela deles toca cover pra conseguir complementar seu orçamento.
Não tenho a menor dúvida que todo e qualquer músico adoraria poder sobreviver só de sua arte, de suas composições, porém isso é quase impossível no mundo do Rock. Uma minoria consegue viver só com a música e acaba tendo que ter outra profissão que é a principal fonte de renda.
Bem, se você não consegue tocar suas próprias composições vai ter que abrir mão de compartilhar seu talento? Claro que não!
Se existe um mercado ávido por canções clássicas interpretadas com competência, por que não explorá-lo? Você tem talento, gosta do que faz, afaga seu ego com aplauso e ainda por cima recebe por isso! Por qual motivo não deveria enveredar por esse nicho cultural?
“O argumento de que uma banda cover está tirando o lugar de uma autoral não é válido, pois quem decide o que vai subir ao palco é o dono do bar baseado na preferência de sua clientela. E há um bom tempo essa tal clientela tem preferido ouvir clássicos à música nova”. Talvez seja essa a frase mais contundente que eu ouvi em defesa dos covers e que reflete bem a realidade.
PONTO DE VISTA DO DONO DE BAR:
Longe de ser um mecenas, o dono de bar está nessa, única e exclusivamente, para ganhar dinheiro. Seria inocência acreditar que um empresário contrataria uma banda para tocar em seu estabelecimento só para ajudar a banda e disseminar cultura.
O dono de bar precisa ver a casa cheia e, principalmente, consumindo!
Pra ele não adianta nada a casa estar cheia de fãs de música que nada consomem no bar, muitas vezes a principal fonte de renda do evento. Fato é que o headbanger comum é, antes de tudo, um “duro”. Sim, duro no sentido de ter pouca grana e utilizar esse pouco pontualmente no seu hobby: o Rock. Se depender do headbanger comum, o bar vai vender só cerveja e um ou outro salgadinho pra controlar a famosa larica. Isso não é uma crítica, é fato!
Hoje sou um senhor de quase 50 anos com a vida estável e já inserido no mercado de trabalho, mas já fui garoto e sei o que é sair de casa com o dinheiro contado para a entrada do show e um combo X-Salada/Coca Cola. E pra ajudar ainda existem os que colocam uma caixa de isopor no carro, param nas imediações do evento e já entram na casa com o rabo cheio de cachaça. Óbvio que nenhum dono de bar vai achar essa cena bonita.
E quem é que consome bebida e porções num bar? O mesmo público que consome Rock clássico. Fora isso, ainda existem os “metaleiros de Facebook”, que apoiam as bandas, curtem as postagens, compartilham a música, mas na hora de pagar R$20,00 para ver a banda, arruma uma desculpa qualquer para não ir. Esse mesmo cidadão que resmunga não ter R$20,00 pra assistir uma banda nova é o que paga R$600,00 pra ficar na pista premium de um festival qualquer.
Agora responda com sinceridade: se você fosse dono de bar e dependesse dessa fonte de renda para alimentar sua família que tipo de banda você contrataria?
PONTO DE VISTA DO PÚBLICO:
Quem frequenta shows nada mais é que consumidor de arte seja ela do estilo que for. Fato. Quem paga por arte quer se divertir e fazer valer a pena o dinheiro e tempo gasto. Justo. Quem gosta de Rock não tem obrigação legal ou moral de apoiar nada nem ninguém, mas essa pessoa tem ciência que apoiar a cena local é investir culturalmente em si mesmo já que uma cena forte resulta em mais eventos e mais qualidade. Óbvio.
Então por qual motivo o grande público prefere assistir cover a autoral?
Conforme supracitado, o headbanger é duro e só gasta em eventos pontuais, enquanto a galera Old School, que pode gastar um pouco mais, prefere clássicos à música nova. Fora isso ainda tem uma garotada que aprendeu a gostar dos clássicos com os pais e acaba indo no vácuo. Em suma, os frequentadores de bar são, em sua maioria, fãs de clássicos e boa parte não está aberto ao novo. E por quê?
Difícil responder. Mas vou citar um comentário que li em algum desses grupos de Facebook que rendeu uma boa polêmica, mas que recebeu inúmeras curtidas e réplicas favoráveis. Apesar de não concordar com a opinião confesso que fiquei encafifado com ela e com sua repercussão positiva. Pena não ter dado um print, mas em suma o cidadão em questão fazia o seguinte comentário:
“As bandas vivem reclamando que a gente não apoia, que não vamos aos shows e tal, mas será que as bandas pararam pra pensar se o som que eles fazem nos agradam? Será que a maioria tá a fim de ouvir Metal Extremo? Será que nossas namoradas estão a fim de sentar numa mesa de bar pra beber um drink ouvindo um cara cantando uma letra que fala de assassinato e sangue?” – As palavras não foram exatamente essas, mas o conteúdo sim.
Agora quem pergunta sou eu: Será que esse cara que curte Rock clássico já ouviu King Bird (só pra citar um exemplo), uma banda relativamente nova e que toca Rock clássico? Será que as bandas realmente estão fazendo aquilo que o grande público quer ouvir? Será que o público roqueiro está realmente disposto a ouvir coisas novas? Será que uma parte do público parou no tempo e se recusa a aceitar o novo?
E você, o que pensa?