No auge da popularização dos aparelhos de video-cassete no Brasil, as locadoras eram uma festa de opções onde as produções mais trashes ganhavam, em termos de quantidade, das ofertas de filmes exemplares do cinema clássico.
Estamos falando dos tempos das fitas de VHS e, talvez alguns lembrem, um filme que obteve mediano destaque foi uma aventura sobre a caçada a um javali gigante. O título era “Razorback – O Corte da Navalha” e foi lançado em 1984. O diretor era o australiano Russell Mulcahy, um nome ainda não muito conhecido no mercado cinematográfico, mas que viria a ter a grande virada de sua carreira dois anos depois, sendo o diretor responsável pelo cultuado “Highlander – O Guerreiro Imortal”, com Christopher Lambert e Sean Connery, além de trilha sonora executada pelo Queen.
Mulcahy não conseguiu capitalizar muitos passos no cinema depois disso. A franquia de mais destaque com a qual ainda se envolveu foi a série Resident Evil, tendo dirigido a sequência de 2007, intitulada “Resident Evil 3 – A Extinção”, e, na área dos seriados, participa ativamente na produção do terror adolescente “Teen Wolf”. O forte de sua carreira eram os videoclips musicais. Elton John, Billy Joel e Duran Duran eram seus mais recorrentes clientes, sendo que esse último lhe entregou a condução do curta musical “Arena”, de 1985, explicitamente inspirado no filme “Barbarella”, com Jane Fonda.
Quem assistisse seus filmes poderia, facilmente, reconhecer a aplicação do que ele aprendeu realizando vídeos musicais. Alguns bem famosos passaram por suas mãos, como “Bette Davis Eyes”, de Kim Carnes, “Total Eclipse of the Heart”, de Bonnie Tyler, “It´s Raining Again”, do Supertramp, e “The War Song”, do Culture Club. Descontada a passagem do tempo, foram peças promocionais bem executadas. Muito melhores do que aquilo que ele assinou no começo de sua carreira, com uma banda de sua terra natal que também dava seus primeiros passos, o AC/DC.
Dizer que o clip de “Baby Please Don´t Go” foi dirigido é abusar da licença poética. Embora o nome de Russel seja creditado, ele não deve ter feito muita coisa ali além de editar um pouco e lançar. O video foi praticamente retirado de uma apresentação da banda em um programa semanal de televisão chamado “Countdown” – a mesma fonte da qual foi gerado o vídeo para a canção “Problem Child” – mas isso não o torna um trabalho menor ou menos antológico e o fator Bon Scott foi o responsável para fazer deste clip um clássico.
Quando Bon surgiu para cantar pegou todos de surpresa, inclusive seus colegas de banda. O vocalista abusou da canalhice e se travestiu como uma jovem estudante, usando uma peruca louca com trancinhas e um vestido com saia. Tatuagens à mostra e calcinha também, exibida em uma escancarada cambalhota no meio da música, depois de acender um cigarro. Isso era 1976, e a televisão não costumava transgredir pudores dessa natureza. Foi um sacrifício para a banda conseguir concluir a apresentação sem se engasgar em gargalhadas, como pode se ver pela expressão de Phil Rudd, que não consegue tirar os olhos de cima de Bon enquanto toca. Enfim, um video simples mas que surge tão divertido quanto a música que traduz, um cover de Big Joe Williams.
E para fechar o ciclo de conexões, a palavra Highlander, que nomeia o principal trabalho de Russell Mulcahy, é um termo para designar aqueles que vem das Terras Altas, os escoceses. Bon e os irmãos Youngs são escoceses. Verdadeiros Highlanders! Verdadeiros imortais!
https://www.youtube.com/watch?v=xi5BKTLU2bQ