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A dificuldade de fazer um som nos anos 80, comparado aos dias de hoje era imensa. Algumas bandas não se importaram com isso e conquistaram fãs e um sucesso que perdura até os dias de hoje. Duas dessas, que passaram os limites do próprio tempo e se tornaram referência de estilo musical são Bad Religion e Offspring. Os ícones, que saíram de festas de quintal e ginásio americano para o mundo, tocaram recentemente no Brasil, em São Paulo e em Curitiba. Na capital paranaense o show foi na Live Curitiba, no dia 28 de outubro de 2019, com casa cheia, aproximadamente 5 mil pessoas. Os ingressos se esgotaram muito rapidamente, como haviam só duas datas no Brasil, quem não foi pra São Paulo, veio para Curitiba, e vice e versa. Antes do show começar, era possível sentir o clima de cotoveladas e empurrões beirando no ar. E quando tudo acabou, grande parte das pessoas ainda não foi embora, o que coube aos seguranças pedidos realmente muito educados de “o show acabou pessoal, vão para casa descansar” a quem estava ali no lounge externo, trocando uma ideia sobre o acontecido, enquanto outros formavam um cordão humano que impedia qualquer um de entrar novamente na casa. Caso você tenha reparado na data, era segunda-feira. Pois é.
Bad Religion e a segunda leva do punk americano
Bad Religion invadiu o palco com sua marca registrada e que pautou todo o show: a irreverência. Não a irreverência do palhaço, mas a de quem desafia a sociedade, uma coisa que o Bad Religion vem fazendo durante muito tempo. É literalmente a mistura da alta intelectualidade com a fúria adolescente e uma certa consciência política. Confesso que esperava ver aquelas bandas que se utilizam de técnicas, poses bem formadas, palavras colocadas no tempo exato e que vem com uma energia de esforço para que o público compreenda o sentido daquilo tudo. Mas não. No mesmo instante em que eles sobem ao palco, um vácuo toma conta do lugar. A atitude é tamanha que dá a impressão que ela substituiu o oxigênio e se torna tudo o que você respira.
Então, às 21h16, quando a luz se acendeu em cima da bandeira que carregava o nome Bad Religion, e eles saíram dos bastidores para a parte visível do palco, o público foi ao delírio. Greg Graffin (vocal), Brett Gurewitz (guitarra) e Jay Bentley (baixo) são membros originais da banda que começou lá nos anos 80, quando tudo fervilhava e a visão de futuro não incluía tocar numa cidade desconhecida do sul do Brasil. Também não indicava que Bentley e Brett sairiam da banda, ainda que em épocas diferentes e muito menos que iam se reconciliar anos depois. Uma certa inocência adolescente. Mas como dono da Epitaph Records não costuma sair em turnê, coube a Mike Dimkich (guitarra), Jamie Miller (bateria) Brian Baker (guitarra) e Jay Bentley (baixo) toda a carga de energia no palco. Dentre desse time aí, o Mike era guitarrista do The Cult e Brian Baker era do Minor Threat, uma das bandas que fizeram história do hardcore.
Bom, se você conhece o Bad Religion sabe que eles tem uma posição política forte e não dá para finalizar aqui sem dizer que rolou um grande coro em oposição ao presidente atual do país. Enquanto muita gente patina na controversa discussão entre misturar política e música, o Bad Religion traz essa premissa em sua criação. Isso porque desde cedo os membros da banda decidiram que falariam de temas que julgam importantes, pegando pesado inclusive na crítica social.
A abertura do setlist foi com o hit (palavra que soa como sacrilégio para qualquer banda punk) “21st Century (Digital Boy)”, o hino da crítica à sociedade consumista e alienada. Seguiu para “Fuck You”, com muitos dedos do meio, especialmente do Greg e do Jay. Do álbum lançado recentemente, “Age of Unreason”, foram 4: “Chaos From Within”, “Do the Paranoid Style”, “End of History” e “Lose Your Head”, e ficaram bem misturadas com as mais conhecidas. Para concluir com perfeição e manter as pessoas no clima para o próximo show? “American Jesus”!
É interessante porque muitas bandas fazem aquela firula e um suspense danado para tocarem as músicas “mais famosas”, apesar de todo mundo saber que eles sempre tocam, né? Então já abriu com uma e fechou com a outra. Assim que o Bad Religion saiu do palco, o caos se instalou. Pelo menos um terço das cinco mil pessoas que estavam ali foram ao banheiro, as outras partes se dividiram entre aproveitar para pegar um ar lá no lounge externo, com sofazinho, atualizar as bebidas e encontrar os amigos, e o resto entre guardar lugar para a próxima banda.
Setlist:
“21st Century (Digital Boy)”, “Fuck You”, “Anesthesia”, “Chaos From Within”, “Stranger Than Fiction”, “The Dichotomy”, “Recipe for Hate”, “Los Angeles Is Burning”, “I Want to Conquer the World”, “End of History”, “New Dark Ages”, “Lose Your Head”, “Automatic Man”, “We’re Only Gonna Die”, “No Control”, “Skyscraper”, “Do What You Want”, “Infected”, “You”, “Do the Paranoid Style”, “Punk Rock Song”, “Sorrow”, “Fuck Armageddon… This Is Hell”, “American Jesus”.