Aria: bravura e resistência da Fênix do Metal russo (parte IV)

Arthur “Berkut” Mikheev começara sua carreira como cantor cedo e, aos dezenove anos, através de Vitaly Dubinin e de Vladimir Holstinin, foi vocalista na banda Volshebnie Sumerki, como citado na primeira parte deste texto. Depois de sua saída desta banda, ele passou a integrar a banda de Hard/Prog Autograf, grupo que teve relativo sucesso na União Soviética, chegando até a excursionar pelos Estados Unidos no começo da década de 90. Neste período, o Autograf entrou em hiato e Berkut ficou mais um tempo em terras ianques antes de voltar para a Rússia. Ao retornar, passou um tempo cantando no Master de Alik Granovsky (cargo outrora ocupado por Valery Kipelov) e depois passou a ser o vocalista da banda Mavrick, do guitarrista Sergey Mavrin. Após Kipelov liderar seu êxodo do Aria, Berkut foi o escolhido para a ingrata missão de substituir o carisma daquele que o antecedeu. Após mais de 20 anos, Berkut, Dubinin e Holstinin estavam novamente em uma mesma banda, e a águia dourada encontraria a fênix (“Berkut” significa “águia dourada”, em russo).

O sempre solícito Maxim Udalov voltou a ocupar o posto de baterista que foi dele em 1987 e na turnê de 1998/99. Para fazer dupla com Holstinin nas seis cordas, a dinastia Sergey foi mantida. O da vez tem sobrenome Popov, que fez parte da primeira formação do Master. Em entrevista concedida a revista Roadie Crew #207, Vitaly Dubinin fala sobre a saída dos ex-integrantes:

“[…]Não vou mentir, foi muito complicado e difícil de superar a traição dos colegas de banda e, especialmente, no momento em que a banda estava super bem-sucedida – nós escrevemos álbuns, saímos em turnês… Não havia nenhum sinal de estagnação[…] Decidimos muito rapidamente que Max (Udalov) seria nosso baterista porque ele tocou com a gente antes, trabalhou como produtor de som e sempre esteve por perto. Não levou muito tempo para decidirmos quem iria substituir os outros músicos e começamos a preparar o novo álbum.”

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O novo Aria: Dubinin, Popov, Udalov, Holstinin e Berkut

 

 

Com esta formação, o Aria grava e lança, em 2003, o álbum “Kreshcheniye Ognom” (Batizado com Fogo), um divisor de águas na história da banda russa. Aqui, o Aria mostra para quem ainda não queria enxergar que é muito mais do que o Iron Maiden russo. Influências do Power Metal, tons mais baixos nas músicas e os vocais poderosos de Berkut, que lembram os de Tim “Ripper” Owens, fizeram de “Kreshcheniye Ognom” um marco na discografia da banda de Vladimir Holstinin. A banda soa neste momento mais pesada, lembrando que Sergey Popov veio do Thrash Metal. É cada pancada de alavanca na guitarra! Confira a trinca que abre o disco: “Patriot”, um Power Metal muito ousado, a faixa-título, um épico onde Holstinin mostra suas habilidades no bandolim e “Kolisei”, obrigatória até hoje nos shows. A balada da vez é a faixa 6, “Tam Vysoko” (Logo Acima). Bela, como sempre. Mas é justamente nas baladas onde mais se sente a falta de Kipelov.

O novo álbum foi sucesso imediato. Os singles “Kolisei” e “Tam Vysoko” rapidamente atingiram os primeiros lugares das paradas russas, assim como o clipe de “Kolisei”, que foi fortemente veiculado nas TV’s daquele país. A reação ao novo cantor, entretanto, foi mista. Hove quem não aprovasse, dando como argumento o fato de sua voz não se encaixar na sonoridade do Aria. Causou estranhamento também o fato de Berkut usar roupas estranhas, máscaras e de fazer danças ao vivo.

https://www.youtube.com/watch?v=qhZeN93B7j0

Em 2004, Berkut e Holstinin foram convidados para participar da Metal Opera “El’fiyskaya Rukopis” (O Manuscrito dos Elfos), da banda Epidemia, uma versão russa do Avantasia de Tobbias Sammet. Vladimir Holstinin se encarregou da produção do álbum e do bandolim em algumas faixas. No mesmo ano, foi lançado o primeiro trabalho ao vivo com a nova formação do Aria, o vídeo “Zhivoy Ogon” (Fogo Vivo).

Para 2005 a banda resolveu fazer uma turnê de comemoração de 20 anos. Para a festa, as bandas Master, Mavrick e Kipelov foram convidadas para acompanhar a aniversariante. O Master do baixista Alik Granovsky e o Mavrick do guitarrista Sergey Mavrin aceitaram prontamente. O ex-vocalista, porém, declinou, alegando conflito de agendas. Na época, ele promovia seu aclamado debut “Reki Vremon” (Raízes do Tempo), e já começava a incomodar o Aria pelo topo das paradas russas (já pensou, duas bandas de Metal disputando o topo das paradas de um país?) A partir daqui, a relação do Aria com as bandas fundadas pelos ex-integrantes (o que ficou conhecido como “Família Aria”) se tornou mais próxima. Nesta turnê, o Aria dividiu o palco pela primeira vez com os ex-integrantes Alik Granovsky, Andrey Bolshakov e Sergey Mavrin. Algo que ainda renderia muitos frutos no futuro.

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Berkut em uma de suas controversas performances

O Aria mais uma vez troca de gravadora, assinando contrato com a CD-Maximum, que em 2006 lança o décimo álbum de estúdio do grupo, “Armagedon”. Seguindo a linha do álbum anterior, as composições pesadas e com influências de Judas Priest e Power Metal comandam os trabalhos. A faixa de abertura, “Poslednyie Zakat” (Último Crepúsculo), é guiada pelos bumbos duplos de Maxim Udalov e pelo baixo de Dubinin, quando as guitarras entram e nos fazem lembrar de Helloween, desaguando num belo refrão. A pesadíssima e cadenciada “Viking”, estreia de Sergey Popov como compositor, é outro grande destaque. Popov também assina a faixa 2, “Mechenyy Zlom” (Marcado Pelo Mal).

https://www.youtube.com/watch?v=WXzPjNBIz1g

Falando em Sergey Popov, além de ser um guitarrista técnico, ele trouxe para a banda uma habilidade que ninguém tinha antes: o de escrever letras. Esclarecendo: nunca um membro do Aria havia escrito letras de músicas, pois a banda ainda guarda uma tradição das antigas VIA’s, o de ter escritores profissionais escrevendo as letras (confira a primeira parte desta matéria). A principal colaboradora neste sentido é Margarita Pushkina, que até hoje escreve letras para o Aria e para todas as bandas filhas do Aria. Popov quebrou esta tradição escrevendo a letra de “Viking”. Ao longo do ano de 2006 até 2007 a banda fez uma nova turnê para promover “Armageddon”.

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Popov, o terceiro da dinastia “Sergey”: sucedeu Sergey Mavrin e Sergey Terentiev

Outra tradição do Aria é de comemorar datas importantes da história da banda. Para 2008, novamente o Aria entrou em turnê, desta vez para comemorar os 20 anos do álbum “Geroy Asfalta”. O último show desta tour, no estádio Luzhniki, em Moscou, teve emoção redobrada para os fãs. No meio do concerto, quando a banda começou a tocar o álbum na íntegra, o estádio veio abaixo com a entrada de Valery Kipelov para fazer os vocais do álbum que o consagrou. Além disso, em “Geroy Asfalta” e “Myortvaya Zona”, o guitarrista Sergey Mavrin também fez sua participação especial. Pela primeira vez, o Aria contava com três guitarras no palco. Mais Iron Maiden que isso, impossível. Kipelov continuou para o bis, que foi de arrepiar ao dividir os vocais de “Igra S’ogneon” com Berkut. Posteriormente, o show foi lançado em CD e DVD.

Logo começaram a surgir rumores de um retorno de Valery Kipelov ao posto de vocalista do Aria. Os rumores se fortaleceram em 2010, durante a primeira edição do “Aria Fest”, um festival realizado anualmente com a presença de importantes bandas europeias, tendo o Aria como headliner. Na edição primeira, o Aria reuniu todos os ex-membros para um show, incluindo aí o carismático Valery Kipelov. Com toda esta aproximação com os ex-membros, a banda resolve estourar a bomba que todos já esperavam explodir.

Em 2011 o Aria anuncia a demissão de Arthur “Berkut” Mikheev do posto de vocalista. Segundo a Águia Dourada, ele não esperava esta decisão radical de sua ex-banda, de modo que ele se preparou para ficar por um bom tempo por lá. Ele também argumentou que nunca recebeu qualquer notificação disciplinar, e que sua saída “não foi lá muito amigável”. A versão de Vitaly Dubinin era que Berkut não servia mais para os propósitos da banda, e que eles precisavam de um vocalista com um estilo um pouco diferente para o próximo full-length.

 

A polvorosa tomou de conta da cena Metal russa, com os rumores do retorno de Kipelov mais fortes do que nunca. Neste rebuliço, em julho de 2011 a banda anuncia o título do seu próximo álbum de estúdio, “Fênix”, um nome nada menos que apropriado tendo em vista todos os altos e baixos pelos quais o Aria havia passado em quase 30 anos de existência.

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Mas não. A “Fênix” não era Valery Kipelov. A banda joga um balde de água bem fria no fogo dos fãs e anuncia, em setembro a um programa de rádio, a entrada do jovem cantor Mikhail Zhitniakov, recém egresso da banda de Heavy/Power Metal Gran-Kurazh. Neste mesmo programa, o cantor faz sua estreia cantando duas músicas: a van-premiere de “Boi Bez Pravil” (Algo como “MMA”) e a balada “Shtil”, do álbum “Chimera”.

Zhitniakov tinha 32 anos em 2011, quando entrou no Aria. Vladimir Holstinin já tinha 53. Mesmo sendo jovem em meio a quatro músicos de muita experiência e que tinham em seu histórico tocar Heavy Metal na bruta União Soviética, o jovem cantor mostrou ser uma escolha acertada. Dono de um timbre limpo e marcante, ele consegue com destreza cantar músicas de Kipelov e de Berkut, assim como impor sua personalidade nas novas composições. Isto ficou claro em “Fênix”.

https://www.youtube.com/watch?v=dFamObMUu2k

Lançado em outubro de 2011 pela gravadora Soyuz, “Fênix” resgata as fortes influências de Iron Maiden que haviam ficado meio de lado na fase Berkut. Um álbum forte, consistente, progressivo, com tudo de melhor que se pode fazer no Metal Tradicional. De fato, a banda já estava acostumada a superar quaisquer dificuldades.

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