Angra: 24 anos de “Holy Land”

Em 23 de março de 1996, o ANGRA lançava o seu segundo álbum. E os caras fizeram uma aposta de risco: se no aclamado “Angels Cry” já haviam breves flertes com a música brasileira, em “Holy Land“, eles fizeram a musicalidade nacional predominar em meio ao Heavy Metal praticado pela banda. E o resultado não poderia ser um disco fantástico, épico e obrigatório na discografia de qualquer pessoa que goste de música.

Após a turnê de divulgação do disco de estreia, em que colocou a banda dividindo palco com gente como o BLACK SABBATH (N. do R: “Monsters of Rock“, 1994) e mostrou ao mundo que muito mais do que o país do samba e do futebol, o Brasil era celeiro de excelentes bandas de Heavy Metal. E os caras se reuniram para este projeto ambicioso.

Holy Land” é um disco conceitual, trata do Brasil em 1500, quando do início da exploração portuguesa (N. do R: vamos evitar falar em “descobrimento”, pois na historiografia este termo encontra-se em desuso, uma vez que há registros de presença do homem por estas bandas há pelo menos 15 mil anos, logo, o “descobrimento” nada mais é do que um termo eurocêntrico). Há muita influência da música brasileira e também da música clássica, o que simbolizava a Europa no século XVI. O folclore nacional e os indígenas, tão massacrados por este governo atual, são valorizados por aqui.

O aniversariante de hoje é uma super produção e como tal, reuniu muita gente por trás: a começar na produção, que ficou a cargo de Sascha Paeth e Charlie Bauerfeind; Tuto Ferraz ficou com a produção na parte das percussões.

Como uma super produção, nada menos do que cinco estúdios foram utilizados para gravar o play: os vocais, piano e órgão foram gravados no “Vox Klang Studio“, em Bendestorf, Alemanha; os convidados especiais gravaram tudo do Brasil, no “Djembe Studio“, São Paulo; os demais instrumentos foram gravados no “Hansen Studio“, Hamburgo, “Big House Studios“, Hannover e no “HG Studio“, Wolfsburg, Alemanha. Tudo isso entre os anos de 1995 e 1996. Deu trabalho, mas valeu e muito a pena.

O disco teve seu processo de gravação atrasado, pois Andre Matos sofreu um sério problema em suas cordas vocais, logo depois que a banda retornou da turnê pela Europa. E ouvindo o disco, nem parece que a lenda havia tido qualquer problema. Bem, vamos lá destrinchar faixa por faixa dessa lindeza musical.

A faixa de abertura chama-se “Crossing“, uma composição de Giovanni Pierluigi da Palestina, um compositor renascentista. Trata-se de uma intro com menos de dois minutos pra logo entra o peso de “Nothing to Say“, a música mais pesada da carreira do ANGRA até então. E do alto se seus seis minutos ela reúne riffs pesados, batidas brasileiras e um clima primitivo, aliado ao Heavy Metal bem praticado pelos caras. Excelente.

Silence and Distance” é a faixa que sucede e traz belas harmonias e climas Progressivos em uma música maravilhosa, enquanto que “Carolina IV” é a faixa mais extensa da carreira da banda, com seus mais de dez minutos e inclusão de trecho da música “Bebê“, de Hermeto Pascoal. E a música se desenvolve com inclusão de mais temas brasileiros, sobretudo a música baiana, e ganha uma pegada mais Power Metal em seu refrão. Muito boa.

A faixa título traz baião misturada ao Prog Metal, com destaque para a performance vocal de Andre Matos, que ficou estupenda. A música é uma das minhas favoritas deste play.

The Shaman” é a única que não me agrada, mas isso é só questão de preferência mesmo, pois ela é bem tocada. “Make Believe” é a faixa que ficou mais conhecida neste play e teve seu videoclipe exibido à exaustão pela MTV. É uma balada com toques de música clássica. Linda.

O Heavy Metal volta com “Z.I.T.O“., que ninguém até hoje sabe o que o título significa. Já neste século, Rafael Bittencourt contou que a música nasceu de um sonho que ele teve com extraterrestres, enquanto o disco era gravado e que tal sonho parecia real. É um Powerzão com mais toques de músicas brasileiras, onde o Metal predomina. O nível do disco está mantido nas nuvens.

Deep Blue” é outra das minhas favoritas deste play. Uma música densa, com tons dramáticos, fortes influências de música clássica e outra performance histórica de Andre Matos.

Lullaby for Lucifer” encerra o play em uma música bem calma, apenas com o violão acompanhando a voz de Andre Matos.  Belo final, belo álbum. A edição japonesa ainda contém uma faixa bônus, “Queen of the Night”, que entraria logo depois no EP “Freedom Call“.

Na época do lançamento, houve uma tentativa de rixa entre o ANGRA e o SEPULTURA, mas que não foi criada pelas bandas. O fato deveu-se por ambas as bandas abordarem temas brasileiros e acrescentarem aos respectivos álbuns em 1996, mas não fazia o menor sentido criar esse tipo de atrito e as próprias bandas trataram de ignorar. Eram propostas diferentes, já que como sabemos, além das diferenças entre os estilos, o SEPULTURA apostando na transição entre o Thrash Metal e o Groove, com a adição de elementos do New Metal, além de elementos tribais, o ANGRA apostava no Heavy Metal melódico, adicionando elementos eruditos e a sonoridade brasileira. São duas grandes obras e fazem daquele ano de 1996 histórico. Tanto “Roots” quanto “Holy Land” são maravilhas que só um país como o Brasil é capaz de forjar.

A minha relação com este disco é muito curiosa. Na época, eu estava ainda me familiarizando com o Heavy Metal, e embora eu já curtisse o SEPULTURA, por exemplo, ainda tinha uma certa resistência com o ANGRA. Mas meus amigos escutavam muito a banda, então mais dia, menos dia, eu iria me render a excelência dos caras. E isso se deu um pouco mais adiante, mais precisamente no EP “Freedom Call“, que me fez olhar com mais carinho para o trabalho dos caras e o quinteto ganhou um fã a partir daí.

Tive a honra de assistir a uma apresentação da banda em 2016, na cidade do Rio de Janeiro, em ingresso que ganhei de uma grande amiga e juntos, fomos acompanhar o show dos 20 anos de “Holy Land”. Embora a vibe na ocasião tenha sido completamente diferente da época, apesar da ausência de Kiko Loureiro, à época em turnê com o MEGADETH e da ausência de Andre Matos, que tinha ainda rusgas a resolver com os ex-companheiros, foi uma apresentação espetacular. E sentimentos como choro e arrepios não foram raros durante a execução do disco. Um filme de quase uma hora me passou pela cabeça, e como um sujeito saudosista que sou, foi impossível não lembrar de coisas como a primeira namorada, a sétima série do ensino fundamental, o primeiro porre, enfim, coisas da adolescência, em que não temos as preocupações que hoje temos enquanto adultos e chefes de família. São esses os sentimentos que “Holy Land” provoca no redator que vos escreve e eu tenho certeza de que o leitor que viveu essa época há de se identificar com eles.

Infelizmente após o lançamento de “Holy Land“, os problemas entre os músicos começaram a virem a tona. Andre Matos, Luis Mariutti e Ricardo Confessori ainda gravariam “Fireworks“, o álbum posterior, mas depois debandariam para formar o SHAMAN. Mas o que fizeram com o aniversariante de hoje está eternizado na história da música pesada. Era o Brasil colocando definitivamente, os dois pés no mundo do Metal.

Hoje o ANGRA está com uma formação completamente diferente de 24 anos atrás, restando apenas Rafael Bittencourt. E embora os músicos atuais sejam excelentes, nada é comparado ao que fizeram neste play. Um disco perfeito, merecedor de todos os confetes. E se a NASA resolver enviar uma nova sonda Voyager, eu sugiro que “Holy Land” embarque, pois se há vida em outras galáxias, estas vidas precisam conhecer o que estes terráqueos, embora estúpidos em maior parte do tempo, são capazes de produzir coisas absurdamente lindas como o aniversariante de hoje.

Holy Land – Angra
Data de lançamento: 23/03/1996
Gravadora:

Tracklisting:
01 – Crossing
02 – Nothing to Say
03 – Silence and Distance
04 – Carolina IV
0
5 – Holy Land
06 – The Shaman
07 – Make Believe
08 – Z.I.T.O.
09 – Deep Blue
10 – Lullaby for Lucifer

Lineup:
Andre Matos – Vocal/Teclados/Órgão/Orquestrações
Kiko Loureiro – Guitarra/Violão/Percussão em “Carolina IV
Rafael Bittencourt – Guitarra/Violão/Percussão em “Carolina IV
Luis Mariutti – Baixo
Ricardo Confessori – Bateria/Percussão

Special Guests:

Mônica Tiele – Vocal
Celeste Gattai – Vocal
Reginaldo Gomes – Vocal
The Farrabamba Vocal Group – Côro
Sascha Paeth – Programação de Teclados/Arranjos Orquestrais
Paulo Bento – Flauta
Pixu Flores – Berimbau
Ricardo Kubala – Viola
Castora – Apito/Tamborim/Percussão
Holger Stonjek – Baixo

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