Sem sombras nenhuma de dúvidas, a Anfear é uma das mais gratas revelações do Heavy Metal nacional nos últimos anos. Com um trabalho forte e consistente, sempre trazendo elementos de nossa cultura, a banda tem sido alvo de várias críticas bastante positivas. E para falar um pouco do trabalho, conversamos com os músicos. No bate papao, eles revelam detalhes interessantes do processo criativo da banda, bem como planos para o futuro. Acompanhe:
“Medo das sombras”, significado intenso e imponente. Algum motivo especial em mesclar o Tupi-Guarani com o inglês?
O motivo principal vem da nossa busca por conhecer a nossa própria história e folclore em meio a tanta influência internacional. Toda a vez que nós o falamos ou escrevemos, lembramos de manter esta pesquisa sempre ativa. Em um país onde supervaloriza-se o que vem de fora, é importante manter esse espírito em mente para que as pessoas possam ao menos conhecer uma parte das raízes de sua cultura. Além de trazer uma referência a política do nosso país, pois muitas decisões que tem impacto direto na população, são feitas nas sombras.
A banda é recente mas mostra uma maturidade bem significante. Sabemos que todo início é realmente árduo pra quem quer fazer música. Qual a maior dificuldade de uma banda hoje no Brasil?
Acreditamos que a maior dificuldade de uma banda de metal no Brasil é vencer os preconceitos dentro e fora dele. É algo curioso, pois algumas pessoas que estão de fora não entendem como funciona nossa tribo, nossa paixão. Por outro lado, há um preconceito ainda maior por boa parte das pessoas que estão dentro do gênero e mantém a mente fechada para novas bandas, músicas e experiências.
Ainda existe preconceito por parte de algumas pessoas devido ao vocal feminino?
Já vimos que existe uma certa expectativa antes de subir no palco, para ver se a Andressa “dá conta do recado”. Já recebemos comentários machistas cheios de maldade e também alguns comentários sem maldade, mas ainda assim machistas por conta da sociedade em que vivemos. Por tanto todos nós devemos nos policiar, afinal somos bombardeados por conceitos machistas em todos os lugares e mídias com frequência.
Vejo que vocês têm uma pegada diferente e bem moderna com o som de vocês. Quais são as maiores influências do Anfear?
Essa é uma pergunta bem legal, nós temos muitas influencias que vão do Metal ao fusion, e do maracatu até a mpb. Claro que cada membro acrescenta um pouco de sua estética musical preferida seja na interpretação ou na própria construção do arranjo. Infelizmente toda essa mistura presentes no repertório dos nossos shows ainda não pôde ser apresentada para todo mundo na forma de um álbum, mas estamos trabalhando bastante pra que isso aconteça o quanto antes.
Bandas como: Tristania, Epica, Therion, etc. Pode-se dizer que hoje soam clichês e “caíram no esquecimento”. Qual a opinião de vocês a cerca deste tema?
Acredito que essa afirmativa é bastante pessoal, não vemos bem por esse ângulo. As bandas passam por fases diferentes: mudanças, adaptações e amadurecimento. Para quem está de fora e parou de acompanhar determinada banda, pode parecer que caíram no esquecimento ou viraram clichês, mas pra quem ainda acompanha, ou descobriu a banda recentemente, seu trabalho pode soar legal, intenso e novo. As vezes as bandas acham uma fórmula no som e mantém esses ingredientes nele por muito tempo, mantendo uma identidade e no final cabe ao ouvinte apreciar aquela obra como arte de maneira isolada. Ouvir uma música é uma experiência a cada escuta e pode ser eternizada na alma de uma pessoa, independente do momento que aquela banda vive.
Fato interessante da banda é procurar focar bem em nossa cultura e costumes. Algum motivo em especial?
Nós sentimos a necessidade de abordar este tema para fortalecer em nós mesmos essa busca pelas nossas raízes. Este foco também é um diferencial para a banda que procura despertar o interesse de pessoas de fora do país em nossa cultura, fazendo o movimento contrário de conteúdo, divulgando a nossa mitologia e história através da língua inglesa, facilitando o acesso para a maioria no exterior. É claro que também temos composições em português valorizando a nossa língua e que também almejamos que desperte o interesse de nossos jovens pela literatura e nossa história.
Encontramos hoje no Brasil uma cena que se mostra desunida em vários aspectos, preconceitos e coisas do tipo. Na opinião de vocês, como podemos amenizar um pouco este cenário que sempre tem condições de crescer?
Manter a humildade e a mente aberta para respeitar outros gêneros é uma boa forma de começar. Por exemplo, vemos muitas vezes as pessoas que gostam de outros gêneros demonstrando respeito e até mesmo elogiando artistas do rock, mas é mais difícil presenciar o contrário. O rock é um gênero como qualquer outro e, claro, tem seu público alvo como qualquer outro ao mesmo tempo que cada um de nós tem seu gosto musical. Mas nenhum gênero ou subgênero é superior ou inferior, são formas de expressões diferentes que tem o seu público e merecem respeito.
Facilitar o acesso ao gênero para mostrar a pessoas novas, também pode contribuir. Isso implica em não criticar alguém de fora por não saber, mas sim conversar e compartilhar o conhecimento e a paixão que o motiva a fazer parte daquela tribo e assim acabar conquistando pessoas e fortalecendo uma união. Já participamos de eventos bacanas e focados que trouxeram bons resultados. Se alguns produtores e bandas pararem de se enxergar como concorrentes e começarem a se unir para fazer eventos focados e mais temáticos, poderão atingir mais pessoas por gosto e não só pela obrigação de ir, por amizade. Precisamos parar de pensar em produzir conteúdo para músicos e começar a produzir para as outras pessoas do mundo a fora. Muitas vezes vemos casas de shows e programas fazendo eventos querendo que os músicos sejam público de outros músicos, e colocam mais de 10 bandas no casting de um evento, sem ter o cuidado de organizar os estilos das bandas e pregam a ideia de que o músico tem que ser platéia, uma receita bastante utilizada e que pode gerar experiências insatisfatórias. O músico como público é algo válido também, desde que estejam todos de acordo, como um coletivo verdadeiro: as bandas se conhecem, ouvem o trabalho uma da outra em prol da cena, mas devem também “sair da bolha”, produzir e divulgar para atrair jovens, estudantes e também o público adulto de outras áreas profissionais, mas que gostam de rock e de metal, para comparecerem nesses shows e eventos. Os músicos, principalmente das bandas independentes, precisam estar mais envolvidos nessas pequenas produções, junto com os idealizadores, não como público, mas sim como profissionais. Devem conversar sobre a quantidade de público que conseguem levar, participar da divulgação de maneira correta para poder otimizar o marketing do evento e conversar sobre o tema do festival. Em determinados casos os produtores amadores ou pequenos precisam entender que, assim como o pessoal do staff (segurança, técnico de som e etc.), o músico precisa entrar no buget do evento como custo e não como patrocinador ou parceiro. Se todos trabalharem em conjunto e de maneira justa, tudo pode ficar mais fácil e gerar resultados positivos.
Já estamos na segunda metade de 2017. O que podemos esperar do Anfear?
Havia um grande planejamento para este ano, mas sempre acontecem imprevistos e para nós não foi diferente, estamos na luta para terminar nosso single e pretendemos lançá-lo neste ano acompanhado de algumas surpresas. Já estamos com o repertório do álbum definido há algum tempo, os mapas e arranjos foram concluídos para iniciar as gravações. Só precisamos fazer aquela força financeira, porque trabalho e ideias não faltam na galera.
Agradeço muito a atenção por este bate papo. O espaço é livre para as considerações finais. Sucesso!!!
Nós que agradecemos a Roadie Metal pelo convite e toda oportunidade de falarmos um pouco sobre o nosso trabalho, muitas vezes estamos tão mergulhados no fazer musical que acabamos esquecendo de divulgar e falar sobre ele. Obrigado e força na caminhada. Stay Heavy.