08 de junho de 2019… A data mais triste da história do Heavy Metal brasileiro. Andre Matos nos deixava, vítima de uma parada cardíaca, aos 47 anos de idade. Acredito que tenha sido um dia muito difícil para todos. E para mim, foi uma dor que foi superada apenas pela morte de Warrel Dane, o meu maior ídolo na música. E contarei aqui este fatídico dia, sob a minha perspectiva.
Eu havia acordado mais cedo naquele sábado. Eu tinha um texto para entregar aqui na ROADIE METAL. Tratava-se de uma crônica dos 9 anos do último disco do NEVERMORE, “The Obsidian Conspiracy“. Bem, editei o texto, publiquei no site, na nossa page no Facebook. E saí de casa, tinha um compromisso antes de ir para o trabalho. E, infelizmente, a minha matéria fora e muito ofuscada pela tragédia que aconteceria.
Neste meio tempo eu voltei em casa. Eu não havia ligado a internet móvel do meu telefone e fiquei alheio ao que acontecia no mundo enquanto estava na rua. E ao passar na porta de entrada, meu telefone conectou à rede Wi-Fi e dezenas de mensagens começaram a pipocar. Alguns amigos me confirmando a morte de André, outros que sabem do meu trampo aqui na ROADIE METAL, e que me vêem como referência, me perguntavam o que eu sabia a respeito, se era uma fake news.
Calmamente eu lia as mensagens, sem saber o que responder. Entrei no grupo dos redatores no Messenger e nada era confirmado. Todos esperavam que o pior não fosse noticiado. Eu mesmo tive uma péssima experiência dias antes, com o mal-entendido envolvendo o baterista Paulo Pagni. Todos os veículos da mídia noticiaram a morte do músico, e eu noticiei o falecimento de PA, desmentido horas depois.
No início da tarde daquele 08 de junho, o falecimento de Andre Matos infelizmente se confirmava. E o meu choro se juntava ao choro de milhões de headbangers mundo afora. Eu precisava trabalhar naquela noite, mas como manter a compostura diante dos clientes, com tamanha tristeza, com os olhos vermelhos e o rosto inchado? Felizmente o movimento foi pequeno e eu não tive que disfarçar tanto assim. Deu tanta pouca gente que eu consegui assistir pelo Facebook a live que o ANGRA realizou, em homenagem ao eterno ex-vocalista.
Alguns colegas publicaram justas homenagens ao André aqui na ROADIE. Eu preferi esperar completar um mês para compartilhar essa triste experiência vivida por mim, e também para relembrar a minha história envolvendo essa lenda do Metal, que passo a contar abaixo.
Se Warrel Dane, como afirmei alguns parágrafos acima, é o meu maior ídolo na música, Andre Matos teve uma importância gigantesca na minha vida. Ele foi uma das minhas primeiras referências na música pesada. O ANGRA foi uma das primeiras bandas que escutei. Eu tenho um grande amigo que é fã da banda e constantemente escutávamos, sobretudo, os dois primeiros discos da banda. Eu não gostava, era puro pré-conceito. Mas já estava acostumado com as músicas do “Angels Cry” e do “Holy Land“.
Mas quando esse mesmo amigo me apresentou o EP “Freedom Call“, eu pirei com a faixa título. Era uma música diferente, uma mistura de Heavy Metal Melódico com partes bem Prog (o que eu encontraria anos mais tarde no NEVERMORE) e muito peso nas guitarras. Eu não havia visto guitarras tão pesadas no ANGRA até aquele momento (depois eu constataria que havia sim vislumbrado um peso semelhante, na música “Nothing to Say“, que o meu pré-conceito adolescente me impedia de perceber).
Ai veio o trabalho que eu mais admiro da banda (do ponto de vista opinativo) e que me fez virar fã e revisitar o passado: “Fireworks“. Este álbum é pesado, bem diferente do que a banda havia feito até então, e algumas das melhores performances de André Matos estão ali: “Wings of Reality“, “Petrified Eyes” e “Metal Icarus” por exemplo, tem linhas vocais tão fantásticas quanto “Carry On“, “Stand Away“, “Holy Land” ou “Deep Blue” (esta última é hoje uma das minhas preferidas).
De repente eu virei fã dos dois discos anteriores do ANGRA. Ou eu já era fã, mas não admitia isso por pura imaturidade, por curtir sons mais pesados como METALLICA, SLAYER, SEPULTURA, entre outras. Infelizmente me tornei fã um pouco tarde demais, pois não tive a oportunidade de vê-lo ao vivo, pois Andre, juntamente com Luís Mariutti e Ricardo Confessori abandonariam o barco para montar o SHAMAN.
Enquanto o disco do SHAMAN não era lançado, eu, bem mais cabeça aberta, fui atrás dos discos do VIPER, a primeira banda de Andre Matos. E fiquei impressionado com a performance de um garoto de 16 anos e seus agudos no disco “Soldiers of Sunrise“, e dois anos mais tarde, em “Theater of Fate“.
Em 2001, ele foi um dos escolhidos para participar da excelente coletânea “Hamlet”, em que bandas nacionais fizeram versões pesadas para os capítulos do livro homônimo de William Shakespeare. E Andre participou da última faixa, “To Be…”, que vocêpode conferir abaixo.
Com o SHAMAN, André Matos gravou dois álbuns: “Ritual“, de 2002 e “Reason“, de 2005. O primeiro, muito aclamado e que fez com que a banda emplacasse a música “Fairy Tale” como tema da novela global “O Beijo do Vampiro“. Isso é uma façanha gigantesca. Andre Matos conseguiu colocar o Heavy Metal em uma novela da maior emissora de TV do Brasil. Mesmo que a canção não seja de fato uma música típica de Heavy Metal, mas tínhamos pela primeira vez uma banda tocando em um veículo de longo alcance. O fato curioso é que esta música fora composta para entrar no disco “Fireworks“, do Angra e a banda recusara a música.
Com a saída de Andre do SHAMAN, ele partiu para o trabalho solo, que, confesso, pouco curti. Mas jamais cometerei a heresia de dizer que ele fez algum trabalho ruim. Nem mesmo o VIRGO, em que ele aposta em outras vertentes, inclusive fora do Rock e Metal, mostrando toda a sua versatilidade como músico completo que ele era. Esse projeto não é de fácil compreensão, mas o fã menos radical vai curtir o trampo dele em parceria com Sasha Paeth (HEAVENS GATE).
Em 2012, Andre Matos voltaria ainda que temporariamente ao VIPER para uma turnê comemorativa dos 25 anos do álbum “Soldiers of Sunrise“. A turnê chamada “To Live Again” foi histórica: shows por vários cantos do país e a consagração no Palco Sunset do “Rock in Rio” em 2013, show que assisti pela TV, mas que me proporcionou igual emoção aos que lá estavam presentes.
Com esta turnê do VIPER, iniciou-se uma esperançosa expectativa de que Andre repensasse sua separação tanto do ANGRA quanto do SHAMAN. Com a segunda banda, o retorno aconteceu e a turnê era um sucesso. Infelizmente eu não pude vê-los na apresentação aqui na cidade do Rio de Janeiro. Sua última apresentação ao vivo rolou 7 dias antes de seu falecimento, em que ele cantou com o SHAMAN e ainda fez uma participação especial na apresentação do AVANTASIA, de seu amigo de longa data, Tobias Sammet.
Já em relação a um hipotético retorno do ANGRA com Andre Matos nos vocais, este, infelizmente, nunca aconteceu. Mas, Kiko Loureiro afirmou em seu canal oficial no YouTube, alguns dias após a morte de André, que ele estava inclinado a pensar. E o que nos dói enquanto fãs, é que o destino não teve paciência e acabou levando embora a nossa lenda.
Não o conheci pessoalmente e nem tive a honra de vê-lo com o ANGRA ao vivo, mas o ví em ação pelo SHAMAN em 2006, numa noite de sexta-feira em que o Rio de Janeiro sofreu com uma forte chuva e o show acabou esvaziado por esta razão. O show foi incrível. E foi também o mais próximo de Andre Matos que eu estive.
Em 2016, rolou uma turnê comemorativa do “Holy Land” e a cidade do Rio de Janeiro fora agraciada com uma data. Eu acabei indo neste show, que foi incrível. Enquanto a banda executava o disco na íntegra, passou um filme em minha cabeça. Voltei à minha adolescência; lembrei da minha primeira namorada, da sétima série do ensino fundamental, das noites passadas em claro com o meu amigo citado lá no início do texto, escutando ANGRA e jogando videogame. Não contive as lágrimas. Infelizmente Andre não topou. O show teria sido ainda melhor se o mestre tivesse aceito o convite.
Em minha opinião, Andre Matos, juntamente com Max Cavalera são os maiores expoentes do Heavy Metal Brasileiro. Se Max foi o cara que com a cara e a coragem foi aos Estados Unidos bater de porta em porta até que fechasse com a “Roadrunner” e assim colocar de vez o Brasil no cenário da música pesada, abrindo portas para outras bandas, inclusive o ANGRA, por outro lado, Andre foi o cara que inseriu a cultura erudita no Metal. Formado em Composição Musical e Regência Orquestral, além de ser cantor lírico (dos melhores que o Metal já viu) e habilitado em Piano Erudito. Compôs algumas músicas que foram eternizadas, como “Living for the Night” (VIPER), “Holy Land” e “Deep Blue” (ANGRA), além da já citada “Fairy Tale” (SHAMAN), entre outras. E diferente esteticamente de Max, que até hoje não se preocupa muito com seu visual, Andre passava a imagem de bom moço, o que ajudou e muito a quebrar os velhos estereótipos de que “metaleiro não toma banho e/ou não sabe se vestir”. Falava seis idiomas fluentemente, além do português: inglês, alemão, espanhol, italiano, francês e sueco. Ou seja, era um poço de cultura inesgotável;
Nesta segunda-feira, o portal UOL publicou uma entrevista com Marina Leite, viúva de Andre, na qual ela conta que o músico tinha planos de se mudar para a Europa, afim de ficar mais próximo do seu filho, que mora na Suécia. E também que ele desejava se dedicar mais à música clássica. Antes disso, ele estava comprando presentes para levar ao seu filho, pois pretendia passar as férias escolares ao lado do garoto, com quem, segundo Marina, ele conversava todos os dias, via Skype.
Mas o destino não permitiu. E a morte levou essa lenda viva do Metal de forma tão precoce. Aos 47 anos. E desta forma terminamos a nossa homenagem para ele. Se há um mês eu chorava pela sua perda, hoje eu relembro com alegria das músicas que ele compôs e que conquistou não só a mim, como a milhares de apreciadores do bom e velho Heavy Metal.
Porque lendas não morrem!