Após dois dias de festival com baixo número de público no Baile Perfumado, a esperada “noite dos camisas pretas” finalmente chegou no Abril Pro Rock, pronto para mostrar porque esse dia é considerado como o carro chefe do evento.
Entre as atrações, apenas “porrada na orelha” da melhor qualidade, esse foi sem dúvidas um dos line-ups mais pesados de toda a história do festival, que contou com as seguintes bandas: Exorcismo (PE), Pesado (PE), Eskröta (SP), Flageladör (RJ), Manger Cadavre? (SP), The Mist (MG), Desalmado (SP), Nuclear Assault (EUA), Sanctifier (RN) e Ratos de Porão (SP).
E diferente dos dois primeiros dias do festival, o público compareceu em peso desde o início da noite, mostrando a razão do Abril Pro Rock ter começado a investir bem mais nas atrações de metal nos últimos anos.
Mas também diferente das duas primeiras noites, a pontualidade, que é uma das marcas do festival, não funcionou muito bem. Marcada para às 17h, a abertura dos portões só ocorreu uns 20 minutos depois, e para piorar, veio a chuva para encharcar todos aqueles que aguardavam do lado de fora do Baile Perfumado. Quando os portões finalmente se abriram, a entrada acabou ocorrendo de forma vagarosa, fazendo com que o pessoal continuasse levando chuva.
Ao entrar no Baile Perfumado ainda havia uma banda passando som no palco principal (não consegui identificar qual era), mas felizmente, mesmo assim não demorou muito para que os pernambucanos do Exorcismo, primeira atração do dia, subisse ao palco secundário para começar a por fogo na casa com o seu Thrash Metal.
Para vocês verem como a noite começou, o Exorcismo iniciou os trabalhos quebrando o tabu de que a banda de abertura sempre tem menos gente, no caso da apresentação deles, a galera que ainda entrava no Baile Perfumado chegou em peso para conferir o show, onde seu único álbum “Exorcise and Steal”, de 2017, foi tocado na íntegra.
Demorou um pouco, mas em um momento no show a galera instigou e abriu os primeiros mosh pits da noite ao som das pedreiras que a banda tocava no palco.
E tenham certeza, o vocalista e baterista Denis Andrade já é digno de respeito máximo só por conseguir realizar essa dupla função, principalmente em um estilo como o Thrash Metal que exige muito do baterista.
Essa foi a segunda vez em que vi a banda ao vivo, tendo a primeira sido na vez quando eles abriram para o irmãos Cavalera no Clube Internacional ano passado, e dessa vez o grupo entregou muito mais do que eu esperava.
Encerrado o show do Exorcismo, na mesma hora o sistema de som da casa (que dessa vez se utilizou de Alcides Burn, um dos curadores do festival, como mestre de cerimônia em vez de utilizar uma locução pré-gravada) anunciava o início do show do Pesado, ex-vocalista da banda Câmbio Negro HC, no palco principal do Baile Perfumado.
O Pesado fez jus ao nome da banda principalmente por levar nada menos do que três guitarristas ao palco, fazendo assim uma seleção com os principais músicos do Hardcore pernambucano.
O público, apesar de ter ficado em parte disperso, interagiu bem com o show, aproveitando para abrir algumas rodas punks mais tímidas.
A apresentação ficou bastante marcada não só pelo peso das músicas, mas também pelos posicionamentos políticos do Pesado, principalmente na faixa “Farsa”, da sua ex-banda, onde ele esbravejou diversas “palavras carinhosas” para o presidente Bolsonaro.
O show também contou com a participação de Luciana Menezes na execução da faixa “8 de Março”, que obviamente, faz referência ao dia internacional das mulheres e a luta das mesmas. Certamente, não poderia faltar uma representante feminina para a ocasião.
Com apenas dois shows a porradaria já estava comendo no centro do Baile Perfumado, mas a noite só estava começando, muitas “cabeças” iriam rolar ainda.
Assim que o Pesado encerrou seu show, as atenções se voltaram para o palco secundário, onde a banda paulista Eskröta iria tocar.
Por conta de problemas técnicos na guitarra de Yasmin Amaral, o show teve um leve atraso, justificado logo de início pela baixista Tamy Leopoldo. Mas, após tudo ser ajeitado, as meninas (que na ocasião vieram com Jhon França na bateria. Miriam Momesso não pôde comparecer por estar em uma missão na África, segundo Tamy falou no palco) proporcionaram o verdadeiro pandemônio na pista lotada do Baile Perfumado.
Lembro de ter ouvido o som delas anteriormente na época em que elas ainda eram um quarteto, onde achei o vocal muito mais puxado para o Grindcore do que para o Thrash Metal/Crossover. Mas, agora como power trio, a sua sonoridade ficou bem mais Thrash, principalmente pelo vocal Yasmin lembrar um pouco o de Fernanda Lira, da Nervosa.
E assim como suas conterrâneas, as letras da Eskröta aborda bastante a questão do feminismo, empoderamento, o combate contra o machismo e a cultura do estupro, não sendo a toa o fato delas terem sido uma das primeiras atrações anunciadas no festival, que nesse ano carregou todas essas temáticas.
Em seu setlist, a banda apresentou músicas do seu EP “Eticamente Questionável” e algumas outras que elas ainda não gravaram.
A faixa que mais me chamou atenção foi a intitulada “Mulheres”, que fechou a apresentação delas, tendo essa música apenas 30 segundos, e três frases: “Ninguém me representa”, “Não sou obrigada” e “Machista não passa”.
Achei interessante, e bastante válido, o fato delas terem tocado a música duas vezes, porque segundo Yasmin disse no palco: “Tem muito homem que precisa ouvir isso várias vezes para entender”.
E com uma das rodas punks mais frenéticas da noite, a Eskröta encerrou sua apresentação, fazendo com que o público voltasse suas atenções para o palco principal, onde a banda carioca Flageladör iniciaria seu show.
Flageladör é uma banda a qual já tinha ouvido alguns álbuns há alguns anos por conta de um show que eles fariam em Recife no falecido festival Carmetal (o qual acabei nem indo no fim das contas), e lembro da mesma não ter me agradado muito por conta da qualidade da gravação que era muito ruim.
Mas é bastante comum você ter uma concepção diferente da banda depois que você a ver ao vivo, sendo assim, fiquei na expectativa de ser surpreendido.
De início, parecia que a qualidade do som deles no palco seria equivalente àquilo que eles mostram em estúdio, pois a guitarra Armando Executör (vocal/guitarra) estava muito baixa. Mas, pouco depois esse problema foi resolvido.
De qualquer forma, minha concepção da banda não mudou muito nesse show, mas não era isso que importava no fim das contas. O público mais uma vez aproveitou o peso do som do trio para intensificar as rodas punks, que àquela altura da noite praticamente não paravam.
Essa foi a sexta vez que o trio carioca tocou na capital pernambucana, então é de se imaginar que a sintonia entre banda e público funcionou muito bem por já haver um conhecimento praticamente mútuo entre as duas partes.
Logo após o show do Flageladör, a Manger Cadavre?, mais uma banda com uma frontwoman, subiu ao palco secundário para fazer o “pau cantar” mais uma vez com toda a intensidade na pista do Baile Perfumado.
Durante esse show a gente pode ter certeza de uma coisa, as mulheres souberam muito bem como fazer uma apresentação completamente brutal. Assim como no show da Eskröta, um pandemônio foi formado no mosh pit, e a vocalista Nata de Lima soube muito bem comandar a destruição em cima do palco.
Assim como nos shows do Pesado e da Eskröta, não faltou discursos políticos por parte da Manger Cadavre?, tendo a vocalista feito críticas a Bolsonaro, falado em favor do ex-presidente Lula e levantado uma bandeira escrito “Marielle vive”.
Com isso, as apresentações tanto da Eskröta quanto da Manger Cadavre? fortalecem o que falei na resenha do segundo dia do festival de que a ideia de fazer uma “noite das minas” teria dado muito mais certo se tivesse sido feito voltado para o metal, e ambas as bandas poderiam fazer parte desse line-up facilmente.
Se eu fosse dar o prêmio de “grata surpresa da noite” para alguma banda do dia 20, a vencedora com certeza seria a Manger Cadavre?.
Retornando ao palco principal, era a hora de um dos grandes nomes da noite finalmente se apresentar, se tratando a banda mineira The Mist, que na ocasião estava fazendo sua turnê de reunião e comemorando seus 30 anos de carreira. Vale lembrar que um dos integrantes do grupo é ninguém mais, ninguém menos, do que Jairo Guedz, ex-guitarrista do Sepultura.
A primeira coisa que destaco na apresentação deles é o cenário do palco, naquela noite, principalmente porque eles foram a única banda a se preocuparem em fazer um pano de palco bem feito e bonito. No caso, os mesmos se remetiam a arte do disco “Phantasmagoria”, o primeiro de sua carreira lançado em 1989.
Tendo um time de peso em cima do palco, certamente o resultado foi um Thrash Metal de qualidade do início ao fim da apresentação. Vladmir Korg demonstrou uma ótima potência vocal, e constantemente saudou o público do Abril Pro Rock.
O The Mist entregou uma porradaria das fortes em seu som para headbanger nenhum botar defeito, mas por alguma razão, o público não pareceu estar muito empolgado e curtiram de forma mais “pianinho”. Talvez tenham aproveitado para dar uma descansada para a atração seguinte, que prometia estremecer o Baile Perfumado.
O Desalmado já iniciou seu show no palco secundário metendo o pé na porta, agradeceu a todos que constantemente pediram a presença deles no cast do festival, e falou contra o atual governo e suas ideias conservadoras, tendo iniciado logo depois a lapada na orelha com seu Grindcore.
Se eu fosse eleger o “show mais insano da noite”, com certeza seria o do Desalmado, que na ocasião estavam realizando uma mini-turnê pelo Nordeste ao lado da banda potiguar de Death Metal Heavenless (infelizmente, por já terem tocado na edição do ano passado, eles não puderam acompanhar os paulistas também no Abril Pro Rock, mas mesmo assim o trio de Mossoró não deixou de comparecer ao Baile Perfumado para prestigia-los).
O show do Desalmado também mostrou que as rodas mais insanas estavam sendo realizadas no palco secundário. O motivo deve ser o fato do mesmo deixar o público mais próximo do artista.
Também não faltou posicionamento político, inclusive em tom mais agressivo. “Se Bolsonaro veio para destruir, ele acabará que nem Mussolini, morto nas mãos do povo!” disse o vocalista Caio Augusttus em um momento do show.
Mas uma coisa é fato, se o Desalmado veio ao Abril Pro Rock para desgraçar com todas as estruturas, eles conseguiram com êxito.
No palco principal, era a chegada a hora de uma das bandas mais esperadas da noite. Os americanos do Nuclear Assault fariam ali sua primeira passagem pela capital pernambucana, mostrando todo o peso do seu Thrash Metal Old School.
O Nuclear Assault hoje em dia é uma daquelas bandas que fazem turnê apenas tocando seus maiores clássicos do passado (principalmente os discos “Game Over” e “Handle With Care”), desde o “Third World Genocide”, de 2005, o quarteto não lança mais nenhum material novo.
Diferente do show do The Mist, o público deu todo o gás durante a apresentação do Nuclear Assault, o mosh pit tomou maior proporção, muitos faziam questão de cantar as letras das músicas com toda a voz que ainda lhe restavam, e não faltou também os “crowdsurfing”. Isso sem falar nos vários momentos onde a Yasmin Amaral e Jhon França, da Eskröta, “invadiram” o palco para cantar algumas músicas junto com John Connely.
Mas infelizmente, alguns problemas técnicos também marcaram a apresentação dos americanos. Não se ouviu muito bem a guitarra de Connely no show inteiro, houve um momento em que não se ouvia o baixo de Dan Lilker, isso sem falar que John parecia não se entender com seu caderno de “cola”, tendo constantemente tentado deixa-lo na página certa.
Como mencionei anteriormente, o público deu todo o gás no início do show da banda, mas com o passar do mesmo, o pique foi diminuindo aos poucos, tendo as últimas rodas não sido tão intensas.
Fechando o line-up do palco secundário, a banda potiguar Sanctifier iniciou seu show após o Nuclear Assault com seu forte e brutal Death Metal.
O som foi bastante pesado, mas isso não foi o suficiente para levantar o público, que em sua grande maioria aproveitou a apresentação deles para dar uma descansada (via-se muito mais pessoas sentadas na pista do Baile Perfumado do que próxima ao palco secundário).
Por isso, a perfomance do grupo acabou sendo bem morna por conta do fator “público”. O que me leva ao que sempre comento em todos os Abril Pro Rock, sugerindo que o festival comece a estipular um intervalo de dez minutos entre uma atração e outra, para diminuir a probabilidade do público chegar nas últimas apresentações cansados a ponto de não interagirem com a mesma.
Encerrado o show do Sanctifier, era a hora do grande momento da noite. Muitos podem até achar que a principal atração na ocasião era o Nuclear Assault, mas por incrível que pareça, na verdade era o Ratos de Porão, que estava comemorando os 30 anos do álbum “Brasil”, tocando o mesmo na íntegra.
Apesar da banda liderada por João Gordo ser figura carimbada no Abril Pro Rock (aquela era a nona vez em que eles tocavam no festival), o público cativo do evento não deixou de conferi-los mesmo assim. Foram poucos os que deixaram o Baile Perfumado antes do show deles, quando os primeiros acordes foram tocados, a pista da casa tinha virado um verdadeiro mar de camisas pretas. Consequentemente, ao longo que o show foi seguindo, o público formou a maior roda punk da noite na pista da casa.
E se tratando de João Gordo, obviamente houve também discursos políticos durante a apresentação, começando com o fato da banda ter levantado uma bandeira do MST em cima de um dos amplificadores, e depois levantado outra onde tinha escrito “Foda-se Bolsonaro”, tendo a plateia aplaudido fortemente.
O ponto alto do show definitivamente foi a execução da música “Beber Até Morrer”, que foi onde o público cantou o mais alto possível junto com a banda.
Como as músicas do disco tem aquela característica de terem uma curta duração, não demorou muito para o Ratos finalizar a execução do álbum “Brasil”
Após encerrar as músicas do “Brasil”, João Gordo e seus comparsas deixaram o palco enquanto o samba “Se Gritar Pegar Ladrão” tocava ao fundo, fazendo referência a temática desse histórico disco, e o quão atual o mesmo permanece mesmo 30 anos após seu lançamento.
Pouco depois, a banda retorna ao palco saudando as três décadas do álbum, e aproveitaram para também celebrar os 25 anos do “Just Another Crime… In Massacreland” de 1993.
Além de algumas músicas do “Just Another Crime… In Massacreland”, a banda também tocou mais alguns clássicos da carreira, encerrando a apresentação, e o Abril Pro Rock de 2019, com a canção “Crucificados Pelo Sistema”.
Encerrada mais uma edição do Abril Pro Rock, aproveitarei esse último momento do texto para dar um balanço geral de todo o festival.
Infelizmente, fazer o festival em três dias, sendo eles em dois fins de semanas diferentes, acabou não funcionando muito bem. Deixar os dias 12 e 20 (os dias com atrações do metal) separados acabou sendo um tiro no pé, pois os que vinham de fora do estado tiveram que escolher um do dois para fazer a viagem até Recife, e o normal é eles preferirem ir para a “noite dos camisas pretas”, que foi exatamente o que aconteceu, o dia 12 acabou dando um público não muito numeroso, enquanto o dia 20 simplesmente lotou o Baile Perfumado.
E o dia 19 (a noite das minas) poderia ter sido melhor pensado para conseguir atrair público, pois trazer o polêmico grupo da “Pussy Riot” aparentemente não foi o suficiente para conseguir encher pelo menos metade da capacidade do Baile Perfumado. Talvez ter colocado só atrações de metal (visando que esse é o público fiel do festival) teria sido uma mulher opção. Falo isso com mais detalhes na resenha que fiz do segundo dia.
Houveram ótimas apresentações nos três dias, e essa edição do Abril Pro Rock por si só ficou também bastante marcado por conta dos discursos políticos contra o atual Governo, principalmente nos dias 19 e 20 (o dia 12 foi o único onde não houve muitos discursos políticos). Mas se fomos fazer um “saldo” dessa edição na questão de “público”, infelizmente o mesmo foi negativo, já que dos três dias do evento, apenas um lotou.
Mas independente disso tudo, foi lindo ver o Baile Perfumado cheio no dia 20 desde o show do Exorcismo até o do Ratos de Porão. Inclusive, isso foi a prova viva de que o Ratos de Porão lotaria um Baile Perfumado (até porque como eles foram os últimos, só estava lá os que queriam realmente vê-los), ou até casas menores como os Clubes Português e Internacional, podendo as mesmas serem opções na próxima vez em que a banda vier de forma solo para o Recife em vez do Estelita, local onde eles fizeram o último show solo deles na cidade no ano passado, onde 400 pessoas enche aquilo ali (inclusive, os ingressos esgotaram tão rápido na ocasião que eles abriram uma segunda sessão no mesmo dia).
Esquecendo um pouco o fator “público”, foi importante ver o evento dando bastante espaço para as atrações femininas. Em todos os dias as mulheres foram representadas em algum momento, tendo no dia 12 sido pelas bandas Malkuth (que conta com Rangda Daeva na guitarra) e Maestrick (que teve Talita Quintano, vocalista do Soulspell, e o grupo de maracatu ‘Baque Mulher’ como convidadas), e no dia 20 pelas bandas Eskröta e Manger Cadavre?, e pela vocalista Luciana Menezes, que fez participação especial no show do Pesado (e do dia 19 preciso nem falar nesse caso, né?).
No mais, ficaremos no aguardo para a edição de 2020.