Roadie Metal Cronologia: Rotting Christ – Sleep Of The Angels (1999)

Há alguma coisa diferente nas águas do Mediterrâneo para que o Heavy Metal extremo produzido pelos países que são banhados por ele tenha um charme diferente. Um som que resguarda as características básicas do estilo, especialmente no Black Metal, mas que tem consigo algo belo, que traz grande regozijo aos ouvidos da mesma forma que nosso olhar fica radiante ao contemplar as paisagens daquela região do mundo.

É claro que as águas do Mediterrâneo, o clima da região, e os riquíssimos insumos histórico-culturais ali resguardados são ingredientes fundamentais para que o Black Metal dali soe diferente, extrapolando as fronteiras outorgadas pelos nórdicos e explorando novos e criativos elementos. Desde o Oeste, começando pelos lusitanos “dos” Moonspell, até o Leste, alcançando os Bálcãs, passando até pelo estranho e romântico Black Metal feito na Sicília, o Mediterrâneo nos oferenda seus sons. Sim, “romântico” é a palavra certa. É tanto que as bandas que ali surgiram no começo dos anos 90 praticando o ríspido Black Metal ensinado pelos nórdicos passaram a se encantar pela sua própria cultura local e pelas lendas e folclores de lá, de forma que paulatinamente elementos de Metal Gótico e Folk foram sendo inseridos em suas músicas, formando assim uma mistura homogênea que caracteriza o Metal extremo do Mediterrâneo.

Os gregos do Rotting Christ são uns dos principais expoentes deste movimento nos anos 90. Desde os dois primeiros álbuns, Thy Mighty Contract (1993) e Non Serviam (1994), os irmãos Tolis já apresentavam ao mundo a cara do Black Metal grego, muito embora os teclados e os trechos Folk não aparecessem com mais autoridade. A partir de Triarchy Of The Lost Lovers (1996), o Rotting Christ não mediu esforços nem consequências para enriquecer e embelezar mais o seu já personalizado som extremo, forçando assim uma metamorfose que culminaria em trabalhos onde o Metal Gótico já era o carro-chefe, como A Dead Poem (1997) e Sleep Of The Angels (1999), assunto deste texto. Os arranjos do Rotting Christ mostram guitarras melódicas que alternam entre timbres distorcidos e passagens limpas, coloridas por teclados bem destacados que formam um firmamento etéreo, tudo emoldurado com andamentos cadenciados de bateria e baixo. Alguns resquícios de Black Metal surgem aqui ou acolá em algumas músicas, bem como nos vocais de Sakis Tolis, que faz questão de manter seus guturais agudos e esganiçados em dia.

É muito difícil permanecer apático quando nossos ouvidos captam os primeiros acordes de Cold Colours, que faz bem a sua missão de prender o ouvinte para que ele fique na expectativa do que virá pela frente. Essa é a grande habilidade das bandas que apostam na variedade e no experimentalismo para criar suas peças musicais. After Dark I Feel mantém o mesmo clima de sua antecessora, mesmo apostando em uma velocidade rítmica mais profusa em seu final. E é exatamente um ritmo mais rápido que segura a ótima faixa Victoriatus, que traz como convidado nas guitarras o renomado produtor polonês Waldemar Sorychta. Sakis Tolis aposta bastante em vocais limpos graves, típicos do Rock Gótico, especialmente na etérea e contemplativa Der Perfekte Traum.

As guitarras voltam a estar em posição de destaque na variada e mais agressiva You My Flesh, tanto que Sorychta volta para fazer mais um baita solo, novamente explorando escalas árabes. Themis Tolis também resolve aqui mostrar seu lado endiabrado na bateria com viradas velozes e com boa alternância de tons e bumbos. As raízes Black Metal da banda são invocadas em The World Made End, mas elas precisam dividir espaço com os elementos góticos que já dominaram as músicas do Rotting Christ. Sleep The Sleep Of Angels (sim, é assim o nome da faixa. Portanto, não é faixa-título) possui um groove mais safado em seu andamento, além de ter uma atmosfera mais introspectiva e efeitos reforçados nas guitarras e nos vocais. Delusions também traz consigo andamentos velozes de Black Metal, mas desta vez mais contidos em meio a variedade de arranjos da composição. O clima fica mais escuro e “moonspeliano” ainda em Imaginary Zone graças a mudança no tom da música em relação às demais, o que não quer dizer que a agressividade das palhetadas abafadas e dos pedais duplos foram sacados fora. Os trabalhos se encerram em Thine Is The Kingdom, que serve por si só como resumo de tudo que foi ouvido e apreciado no álbum.

Para a produção, a banda repetiu a ótima parceria com Xy, do Samael, outra banda ousada da época, que também foi o responsável por dirigir a banda em estúdio no álbum anterior, A Dead Poem. Sua produção foi capaz de deixar cada instrumento bem nítido aos ouvidos mesmo diante de uma vasta gama de arranjos, de melodias e de teclados, ao mesmo tempo em que o som do Rotting Christ manteve retido em si uma sujeira essencial à personalidade sonora do grupo. E não, nenhum baixista foi creditado por ter tocado o instrumento em Sleep Of The Angels.

E foi desta forma que o Black Metal helênico ganhou mais um capítulo importante em seu compêndio de obras musicais. Com a chegada do novo milênio, o Rotting Christ passou a olhar ainda mais para frente buscando mesclar melodias e experimentos com o velho Black Metal que o grupo praticava outrora. Mas Sleep Of The Angels passou para a posteridade como um baluarte do Metal Gótico com influências de Black Metal (o que muitos chamam de Dark Metal, termo que me recuso a utilizar). Não só isso; este álbum é um marco do que a criatividade aliada à profanidade conseguiu criar em termos sonoros naquela década. Tão negro e tão belo ao mesmo tempo, este álbum serve como uma perfeita trilha sonora para assistir ao por-do-sol diante do Mar Egeu em Atenas.

Sleep Of The Angels – Rotting Christ (Century Media, 1999)

Tracklist:
01. Cold Colours
02. After Dark I Feel
03. Victoriatus
04. Der Perfekte Traum
05. You My Flesh
06. The World Made End
07. Sleep The Sleep Of Angels
08. Delusions
09. Imaginary Zone
10. Thine Is The Kingdom

Line-up:
Sakis – vocais, guitarras
Themis Tolis – bateria

Convidados:
Xy – teclados
Waldemar Sorychta – guitarras em Victoriatus e em You My Flesh.

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