O levante do Black Metal norueguês teve impacto e influência tão forte que prolongou, até hoje, os seus efeitos. No imaginário de muitos daqueles que mantiveram contato apenas superficial com o estilo, este ainda se caracteriza tão somente pela estética monocromática de capas e maquiagem facial, logos indecifráveis e produção crua dos discos.
Ledo engano, o Black Metal evoluiu, modificou-se e ramificou-se em vertentes tão diversas quanto o próprio Metal em si, e nos fornece alguns dos trabalhos mais desafiadores e interessantes da música contemporânea. As características próprias de cada região são peça fundamental nesse processo e, passando do norte da Europa para o sul, uma das bandas mais relevantes da atualidade surge da Grécia, o Rotting Christ.
O país, berço da Filosofia e da civilização ocidental, está situado no ponto intermediário entre os continentes europeu, asiático e africano, e explode em manifestação cultural. Artistas que estejam predispostos a manter seus canais sensoriais abertos recebem e processam toda a miríade de informações que possam captar. O Rotting Christ não se afasta do contexto Black Metal, mas não se deixa delimitar por ele. “A Dead Poem” é um álbum onde o estilo se faz presente, mas que declina de ser o elemento principal. O Gothic Metal é o fundamento principal da obra e o período cronológico de seu lançamento tornam mais claras as razões que o motivaram a ser assim.
1997 foi um ano musicalmente rico, com trabalhos celebrados de Bruce Dickinson, Gamma Ray, In Flames e Dimmu Borgir. Mas foi, principalmente, o período em que artistas como Tiamat e The Gathering lançaram alguns de seus principais discos e estabeleceram-se como nomes a serem acompanhados de perto. Foi também a época em que o Paradise Lost dava uma guinada em sua trajetória com o disco “One Second” e o Kreator soltava “Outcast”, ensaiando fazer guinada semelhante no futuro. Então, o mundo respirava ares onde melodias melancólicas se misturavam ao peso. Em “A Dead Poem”, você não irá encontrar nehuma levada mais acelerada, mas dez faixas impecáveis, vibrantes e climáticas, onde as reminiscências Black repousam mais perceptíveis nos timbres da voz de Sakis Tolis.
Voz essa que se une a do convidado Fernando Ribeiro, do Moonspell, nos backing vocals de “Among Two Storms”, uma das melhores no álbum. A produção de Xy, do Samael, ajudou para que o disco fosse bem homogêneo em seu decorrer, embora essa homogeneidade tenha afetado a variedade entre as canções. As interseções das batidas de Themis Solis são o elemento diferenciador mais evidente, deixando o peso mais robusto em momentos pontuais, como na introdução de “Semigod”. Afora isso, embora todo o trabalho seja dotado de excelência, fica-se com a impressão de que as faixas crescem quando ouvidas isoladamente, uma por uma, pois, no disco completo, resta uma impressão de continuidade como se se tratasse de uma única longa composição, dividida em partes.
A instrumental “Ten Miles High” tem toques de progressivo psicodélico em seu arranjo e abre espaço para uma interpretação mais maléfica de Sakis em “Between Times”, que prossegue quase sem pausas para última canção “Ira Incensus”. Considerando todas as fases que a banda percorreu, pode se dizer que existiram vários Rottings Christs, que ao final revelam-se como um só. Dentro dessa variedade, parece-me equivocado afirmar que a banda possua um disco absoluto e, talvez, seja melhor assim, pois não cairia na armadilha que tantos outros artistas amargam. “A Dead Poem”, porém, firma-se como peça essencial no processo evolutivo de seus criadores. Está entre os melhores dentro de uma discografia que não necessita da escolha de um melhor.
Formação
Sakis Tolis – guitar, vocals
Costas Vassilakopoulos – guitar
Andreas Lagios – bass
Georgios Tolias – keyboards
Themis Tolis – drums, backing vocals
Músicas
01 Sorrowfull Farewell
02 Among Two Storms
03 A Dead Poem
04 Out of Spirits
05 As If by Magic
06 Full Colour Is the Night
07 Semigod
08 Ten Miles High
09 Between Times
10 Ira Incensus