Baixistas: Klaus Flouride (Dead Kennedys)

A presença de uma personalidade forte, na formação de uma banda, pode, por vezes, nos dar a falsa impressão de que as coisas por ali giram em torno daquela figura. Às vezes é o que ocorre; às vezes, não. The Doors seria um exemplo, pois Ray Manzarek e Robby Krieger tinham tanta influência no resultado musical quanto Jim Morrison, ou quem sabe até mais.

Dead Kennedys é outro caso. A figura de Jello Biafra era tão magnética que eventualmente poderia alienar nossa atenção da essenciabilidade de East Bay Ray e Klaus Flouride. Flouride é aquele tipo de sujeito cuja aparência pode lhe enganar. Você até pode achar que já passou por ele em alguma repartição pública, no setor de protocolo, mas trata-se do responsável por algumas das mais criativas linhas de baixo do Punk Hardcore norte-americano.

Embora tenha uma postura discreta no palco, Geoffrey Lyall, seu verdadeiro nome, no alto de seus 68 anos de idade, não esconde que está se divertindo, balançando o corpo no ritmo da música e fazendo seus backing vocals. O ataque realizado em seu Jazz Bass é feito com palheta, mas aqui precisamos abrir um triste parenteses que envergonha a nós, brasileiros. Por muito tempo, o instrumento principal do músico foi um Lake Placid Blue Fender Jazz Bass, de 1966. Este baixo passou por todos os percalços que se pode esperar de uma carreira no Punk Rock e tinha uma aparência absolutamente detonada, com lascas em sua pintura, corrosão e até mesmo manchas de sangue. Isso é ruim? Não, isso é histórico. Isso é insubstituível. E, apesar disso, a nossa companhia aérea, TAM, fez a proeza de perder o instrumento – quando a banda passou por aqui em 2013 – e não recuperá-lo mais, apesar de Klaus ter feito mobilizações pelas redes sociais. Hoje, ele usa uma réplica aproximada do que era seu fiel contrabaixo, feita por um luthier sob a orientação de amigos. O “novo” instrumento foi preparado buscando reproduzir todas as marcas do tempo do anterior e, por isso, precisou que Klaus tomasse conhecimento do que estava sendo realizado – a ideia inicial é de que seria uma surpresa – para tentar dar o máximo de similaridade ao acabamento. O adesivo “DK” foi um dos detalhes que não conseguiu ser recuperado, por exemplo.

Klaus foi um garoto que assistiu Elvis Presley, Jerry Lee Lewis e Buddy Holly na televisão, e se encantou com aquilo. Chegou a dirigir um táxi enquanto ainda tentava uma carreira na música, mas hoje acumula quatro álbuns solos, além dos discos com o Dead Kennedys, e carrega no histórico o fato de ter acompanhado o guitarrista Billy Squier, no começo da carreira deste. Indo além da óbvia influência de Surf Music que suas linhas de baixo traduzem, ele menciona a inspiração recebida de sujeitos como Jack Bruce, Paul McCartney, Felix Papalardi, Jaco Pastorius e o gênio da Motown, James Jamerson.

Acumulando essas referências com os sons que vinham de bandas como Avengers, Ramones ou Devo, ele buscou construir seu estilo através do preenchimento de espaços com o tanto de coisas estranhas que pudesse utilizar, aproveitando-se também de recursos como dissonâncias ou cromatismos para criar seu próprio som. Hoje, ele admite que, embora novas ideias de composição surjam, o processo criativo tornou-se mais desconfortável. Antigamente, os integrantes da banda residiam dentro de um mesmo espaço geográfico e as canções iam se desenvolvendo nos ensaios frequentes. Hoje, o distanciamento é maior, e a ideia de ficar enviando, por email, arquivos com pedaços de músicas, parece retirar o aspecto orgânico que caracterizou tudo o que ele fez no passado.

Que seja assim, então. Se o ato de compor não flui naturalmente, explore-se então o que foi criado no auge da carreira. Estamos falando do Dead Kennedys, afinal, e sua breve discografia ainda ultrapassa criativamente a obra mais extensa de muitos artistas.

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