Em janeiro de 2018 nós comemoramos o aniversário de dois discos historicamente fundamentais: as estreias do Blue Cheer e do Steppenwolf. Em ambos os casos, utilizamos a expressão “Proto Metal” para emblematizar suas importâncias na construção do que viria a se tornar o estilo de música que colocaria o fator peso como o foco das composições.

Com breve reflexão, transferi o cerne para o nosso país e pus-me a pensar sobre o nosso próprio Proto Metal. A absorção das influências externas pelas bandas locais replicou os passos do que se fazia lá fora, com uma ou outra queima de etapas, que compensavam o atraso cronológico natural do período. Os nossos representantes do Rock Progressivo já estavam desenvolvendo suas discografias, mas logo foram seguidos por aqueles conjuntos de pegada mais Hard. O nome mais emblemático desse embrionário cenário foi provavelmente o do Made In Brazil, acompanhado de perto pelo Patrulha do Espaço. Entre um e outro, O Peso se fez presente, com toda a autoridade para a utilização do nome de batismo escolhido.

Infelizmente, entre as três bandas citadas, O Peso foi a de carreira mais breve, com apenas um disco no catálogo, mas esse disco perpetuou-se como um clássico de nossa música e é até hoje fortemente cultuado. A sua gênese foi proporcionada pelo espírito aventureiro de dois músicos egressos de fora do movimentado eixo Rio/São Paulo, os cearenses Luis Carlos Porto e Antonio Fernando, que em 1972 sairam de seu estado de origem e foram participar do Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, com a música “O Pente”. Durante a ocasião, Luis Carlos fez contatos com músicos do cenário carioca e pôde, já sem o parceiro Antonio Fernando, retornar dois anos depois para formar O Peso.

1975 foi o ano que representou as grandes conquistas de sua curta trajetória. Logo de início, integraram aa primeira edição do festival Hollywood Rock, dividindo o palco com Erasmo Carlos, Rita Lee e Raul Seixas. Esses shows geraram um raríssimo álbum, com as melhores participações de cada artista. Na sequência, veio o contrato com a gravadora Polydor e a gravação de “Em Busca do Tempo Perdido”. Luis Carlos encontrou no guitarrista Gabriel O’meara o parceiro perfeito, pois compuseram juntos 9 das dez canções do álbum.

Abrindo com “Sou Louco Por Você”, transparecem reflexos de Rolling Stones no andamento da canção e os teclados de Constan Papinianu amplificam essa sensação ao executar algumas levadas de notas calcadas no que fazia o pianista Ian Stewart. “Não Fique Triste” é uma balada que valoriza o timbre áspero da voz de Luis Carlos, cujo talento e versatilidade fazem contraponto com os backing vocals, numa linha levemente “spirituals”, da próxima faixa, “Me Chama de Amor”.

Guardadas as devidas proporções, o disco tem uma sonoridade ímpar, daquele tipo que tantas bandas atuais se esforçam para imitar. Todos os integrantes atuam com desenvoltura, mas Gabriel e Constan se destacam mais ao longo das instrumentações, agindo em sintonia durante o Blues acelerado de “Só Agora”. O ritmo mais essencialmente americano de todos é a base principal sobre a qual as canções do álbum são construídas, como se vê em “Eu Não Sei De Nada” e “Blues”. Canções como “Lucifer” e “Boca Louca” cumprem o papel de direcionar o disco para a vertente pesada, tornando a recuperar o equilíbrio em “Cabeça Feita”, a única não composta pela dupla, sendo assinada por Guilherme Lamounier, conhecido por ser o autor da versão original de hits populares como “Enrosca” e “Seu melhor amigo”, ambas interpretadas pelo canto Fábio Jr. No mesmo padrão é executada a faixa título “Em Busca do Tempo Perdido”, com palhetadas bem ritmadas da guitarra de Gabriel.

É um clássico de nosso Rock. Um clássico de nossa música. Tem seu séquito de admiradores, que conhecem o seu devido valor, mas, por outro lado, sabemos o quanto a memória de nosso povo é falha, então estamos aqui para exercer nosso papel de celebrar as grandes obras e colocá-las no mesmo patamar de trabalhos atuais. Gravar um disco como esse, naquele ano, não era apenas uma questão de transpor barreiras técnicas, mas, principalmente, barreiras sociais, visto o cenário politico que atravessávamos. Por tudo isso, e muito mais, “Em Busca do Tempo Perdido” merece posições de destaque nos compêndios de nossa criação cultural.

 

Formação

Luis Carlos Porto – Vocais

Gabriel O’meara – Guitarras

Constan Papinianu – Teclados

Carlinhos Scart – Baixo

Geraldo D’arbilly – Bateria

Carlos Graça – Bateria em “Eu não sei de nada” e “Em busca do tempo perdido”.

Músicas

01.Sou Louco por Você

02.Não Fique Triste

03.Me Chama de Amor

04.Só Agora (Estou Amando)

05.Eu Não Sei de Nada

06.Blues

07.Lúcifer

08.Boca Louca

09.Cabeça Feita

10.Em Busca do Tempo Perdido