E houve um dia como nenhum outro, em que um jovem adolescente, que ainda não entendia direito como era esse negócio de Rock, escutou pela primeira vez o AC/DC… Naquele dia, uma paixão nasceu, e o futuro tomaria um caminho imprevisto.
Referências à parte, era como abrir uma revista e acompanhar o início de uma nova saga, com personagens vivenciando momentos de drama, humor, tensão, glória e morte. Então isso que é Rock? Rock de verdade? Não é muito parecido com aquelas coisas que tocam no rádio… É mais alto, as batidas são mais fortes, tem um certo deboche… Aquilo tudo são sons de guitarra? É tão diferente daquelas coisas magrinhas do rádio! E esse sujeito da capa é o vocalista? Essa voz tem jeito de que está saindo desse cara… Aliás, por que é que ele está sempre vestido assim???
“Powerage” tem esse efeito sobre mim e sempre terá. Acho que toda vez que escutar esse disco eu vou lembrar de onde estava, com quem estava e até do que estava comendo. Está tudo fixo na minha memória como se fosse um retrato. Tanto o ambiente quanto as sensações. Cada música soava absurdamente inusitada. “Riff Raff” era muito, muito rápida! Nada podia ser mais rápido do que aquilo!
A despeito da opinião da maioria – e de algumas críticas pontuais – este álbum, juntamente com “Flick of the Switch”, ocupa as primeiras posições de minha preferência, dentro da discografia da banda. Ambos foram minha porta de entrada para o AC/DC e, entre alguns outros discos, meus primeiros contatos com Rock pesado. A memória afetiva aqui é altíssima.
Vendo sob a perspectiva atual, é impressionante que nenhuma das faixas aqui faça mais parte do repertório da banda em suas turnês. É complicado, para o AC/DC, com o catálogo que possui, mexer muito em seu setlist sem que provoque reclamação de um ou outro, mas, mesmo que as músicas aqui não fossem representativas de um período mítico de sua carreira, como são os anos com Bon Scott, todas tem fôlego suficiente para se fazerem presentes até hoje, tanto pela qualidade, pela vibração, como também pela variedade. Um único disco, que contém canções como “Down Payment Blues”, “What´s Next To The Moon”, “Kicked in the Teeth”, “Gimme a Bullet”, “Up To My Neck In You” e a excepcional “Sin City”, com sua cativante linha de baixo, sobre a qual Bon canta de um jeito quase falado, são a mais pura definição de clássico, de tudo que surgiu de melhor no Hard Rock dos anos setenta.
Reverenciar Bon ou Angus é chover no molhado, Malcom era o cabeça e um dos melhores guitarristas base que já se viu; Cliff é um grande baixista, que teve que soar discreto para não destoar da proposta da banda, mas o baterista…. Podem falar o que quiserem, mas Phil Rudd é um dos melhores bateristas de todos os tempos e ponto final. Tão complexo em sua simplicidade que nenhum de seus substitutos conseguiu emular perfeitamente a sua pegada única e a sua contribuição para o som dos autralianos. Bateristas que se destacam por esse tipo de levada são um grupo extremamente seleto, do qual pode-se citar poucos exemplos, como Charlie Watts e Ringo Starr.
Da mesma forma, o conjunto é peça restrita de um pequeno clube de bandas que crescem a partir do básico. Apareceu para mim no momento certo, portanto, pois minha mente, ainda uma tábula rasa para esse tipo de música, precisava ser alimentada aos poucos. Isso não significa, porém, que o disco tenha menos vigor do que qualquer outra coisa a qual eu tenha tido acesso depois. De modo algum! Em seu elaborado despojamento, ele ainda soa tão pesado e cheio de personalidade quanto o foi há mais de trinta anos passados, quando me abriu a página de uma nova mitologia.
Formação
Bon Scott – vocal
Angus Young – guitarra
Malcolm Young – guitarra
Cliff Williams – baixo
Phil Rudd – bateria
Músicas
- Rock ‘n’ Roll Damnation
- Down Payment Blues
- Gimme a Bullet
- Riff Raff
- Sin City
- What’s Next to the Moon
- Gone Shootin’
- Up to My Neck in You
- Kicked in the Teeth