Evoluir musicalmente ou mudar de sonoridade é um movimento arrojado e arriscado dentro do Heavy Metal. Das duas, uma: ou se consegue êxito em suas intenções, o que é refletido pelo retorno do público, motivando o compositor a continuar sua evolução, ou a empreitada é condenada pelo tribunal dos fãs, obrigando o artista a repetir o que fazia anteriormente, ou mesmo continuar na teimosia e ser lançado ao ostracismo. Gosto sempre de lembrar que o patrão do compositor que vende o trabalho fonográfico de sua banda são os fãs. Portanto, é plausível que a banda faça o som que goste, mas respeitando a expectativa do fã. Quer fazer uma coisa completamente diferente? Não corra o risco de manchar o legado de sua banda e lance um projeto paralelo. Tenho dito.

Não que o Dark Tranquillity tenha mudado radicalmente sua sonoridade com o passar dos anos. Mas a inclusão de elementos eletrônicos nas entranhas das músicas foi uma aposta ousada, dado que o fã de Heavy Metal é conservador e mesmo averso a tais elementos. Prosseguindo em seu processo gradual de adaptação musical, o Dark Tranquillity chegou em janeiro do ano de 2005 lançando seu sétimo álbum de estúdio, Character, produzido e mixado por Fredrik Nordström. Neste trabalho, a banda sueca continua a explorar o amálgama entre o Death Metal melódico em que foram pioneiros e a inclusão de elementos mais modernos.

E esse movimento arriscado foi muito bem planejado de modo a contentar gregos e troianos. Agrada fãs tradicionais de Death Metal melódico, pois o estilo continua a comandar com mão de ferro as composições, e agrada também apreciadores de elementos eletrônicos, pois eles não aparecem em excesso, e quando aparecem, tão-somente reforçam o clima sombrio de algumas das composições.

Repetindo a formação do álbum anterior, a banda na época formada por Mikael Stanne (vocais), Martin Henriksson, Niklas Sundin (guitarras), Michael Nicklasson (contrabaixo), Anders Jivarp (bateria) e Martin Brändström (samples) começa quebrando tudo com os death metal’s The New Build e Through Smudged Lenses, esta última com os tais elementos eletrônicos dando o ar de sua graça no fim. O contrabaixo de Nicklasson comanda Out Of Nothing, trazendo uma cadência que se repete em The Endless Feed, com forte presença de sintetizadores e que derruba o ritmo empolgante promulgado pelas duas primeiras músicas, como um pássaro atingido por uma pedra lançada de estilingue ou baladeira.

O pássaro não morre, mas cambaleia e se recupera, pois a partir daí, há uma especie de alternância entre os focos das canções, ora agressivas, ora cadenciadas e com reforço dos eletrônicos, o que nos faz notar que a banda pôs um pé no Metal Gótico ou no Industrial. Lost To Apathy e One Thought são arrasa-quarteirões que mostram o poder de fogo do trabalho de harmonia de guitarras, enquanto Dry Run e My Negation, por exemplo, exploram a segunda ênfase que este redator destacou neste parágrafo. Uma prova da competência do Dark Tranquillity em mesclar o tradicional com o moderno emerge em meio às músicas Mind Matters (esta com excelentes passagens em dobras de guitarras) e Am I 1?, um Gothic Metal com referências a Depeche Mode.

Detalhe: se uma banda quer arriscar elementos eletrônicos em suas composições, que se inspire em Depeche Mode. Não tem erro! Não a toa, o trio de Electrônica/Gothic Rock é o mais respeitado em meio à cena Heavy Metal.

Cabe destacar também o distinto trabalho vocal de Mikael Stanne e a assombrosa performance do baterista Anders Jivarp, que se destacam durante todos os quase 49 minutos de Character. E é assim: se arriscando, podendo agradar e angariar novos fãs, podendo chatear e afastar os antigos. Todavia, competência e visão musical são tudo para o estabelecimento de seu nome no cenário. Se o Dark Tranquillity até hoje é deveras lembrado pela sua importância no Metal, são álbuns como Character atestam e explicam a tal competência que o grupo ostenta.

Character foi lançado no Japão com a faixa-bônus Derivation TNB e relançado em 2012 pela Century Media com em formato duplo, onde o CD 2 traz o áudio do DVD Live Damage (2003).

Character – Dark Tranquility (Century Media – 2005)

Formação:
Mikael Stanne – vocal
Martin Henriksson – guitarra
Niklas Sundin – guitarra
Michael Nicklasson – contrabaixo
Anders Jivarp – bateria
Martin Brändström – samples, sintetizadores

Faixas:
01. The New Build
02. Through Smudged Lenses
03. Out Of Nothing
04. The Endless Feed
05. Lost To Apathy
06. Mind Matters
07. One Thought
08. Dry Run
09. Am I 1?
10. Senses Tied
11. My Negation