A banda Adrenaline Mob teve o privilégio, pouco usual, de já nascer grande. Pudera, pois a sua gênese trazia dois nomes de peso na primeira formação: o baterista Mike Portnoy (ex-Dream Theater) e o vocalista Russell Allen (Symphony X). Originando-se daí, decorreu uma carreira marcada pela qualidade das músicas e pela atividade constante que, mais recentemente, nos trouxe o álbum “We The People”.
No começo da noite de sexta-feira, dia 14.07.2017, horário local, surgiu uma notícia ainda vaga de que teria ocorrido um acidente com a banda. O natural é que os primeiros momentos, de um evento traumático assim, sejam meio tumultuados, mas aos poucos as informações foram chegando com mais precisão. O acidente teria ocorrido durante a turnê da banda, enquanto ela atravessava o estado da Flórida. Havia muitos feridos e uma vítima fatal. Essa vítima foi o baixista David Z.
David Zablidowsky, cujo nome não nega a ascendência judaica, era natural do Brooklyn, no estado de New York, e cresceu em uma família de músicos. Mesmo antes de começar a manusear instrumentos de verdade, ele, junto com seu irmão mais velho, Paulie, já encarnavam o papel de rockstars com guitarras de papelão dentro do quarto. A parceria avançou para a primeira banda que formaram, a ZO2, que ganhou proeminência com a realização de um programa de TV, meio sitcom, meio realidade, e que os impulsionou para a chance de abrirem alguns shows do Kiss.
As oportunidades sempre surgem para quem se dedica, e David era um músico incansável. Embora também tocasse bateria, guitarra e piano, o baixo foi eleito como sua principal ferramenta de ofício, inspirado pelo fato de seu pai também ser baixista. David tornou-se bacharel em música pela Brooklyn College e pôde trabalhar, ao vivo ou em estúdio, com artistas do naipe de Joan Jett e Joe Lynn Turner.
Em 1999, a sua banda October Thorns participou de uma SavaCon, que era uma convenção para fãs da banda Savatage, e impressionou Jon Oliva e Chris Caffery, que estavam presentes. Chris conversou com David ao final e pegou seus contatos. Um ano depois, veio o convite para que David se juntasse a eles em alguns shows da Trans-Siberian Orchestra. David não conhecia a TSO, o projeto idealizado pelo compositor Paul O´Neill e por Jon Oliva, que mesclava Heavy Metal e Música Clássica com temáticas natalinas. Hoje, a TSO é uma estrutura gigantesca, com shows imensos e vendas de ingressos fenomenais, mas na época ainda era uma ideia promissora e em evolução, que já tinha lançado dois álbuns. Dentro da TSO, e da forma como ela funciona, David não era o único baixista e chega até a admitir que, entre tantos takes, entre tantas partes, ele não tinha precisas lembranças sobre o que foi usado aonde, mas tinha muito orgulho da faixa “Christmas Jazz”, instrumental executada apenas por ele e pelo guitarrista Al Pitrelli.
Da mesma forma que a TSO poderia funcionar em momentos diversos com músicos diversos, o baixista também conduzia diversas atividades paralelas, sendo a banda Rubix Kube uma das mais bem sucedidas, fazendo um perfeito revival da vibe musical dos anos 80 e estendendo sua performance para o aspecto visual sem nenhum pudor de usar todo o verde-limão e o rosa-choque que poderiam em suas vestimentas de palco, chegando por vezes a parecer um cruzamento de B-52´s com Sigue Sigue Sputnik. Em uma pegada mais Hard, ele juntou-se a banda S.O.T.O., do cantor Jeff Scott Soto, que conheceu durante os ensaios da TSO, e foi com ela que visitou o Brasil, em maio de 2016, fazendo shows junto com a banda Winery Dogs. O próximo passo seria o Adrenaline Mob e os trabalhos de divulgação de “We The People”.
Admirador de virtuosos como Geddy Lee e Victor Wooten, David primava por tirar suas músicas de ouvido e usava os dedos para tocar seus baixos Spector de quatro ou de seis cordas, pois assim se sentia mais integrado ao instrumento. Toda a variada gama de estilos que praticava permitiu-lhe desenvolver e aprimorar uma ampla miríade de técnicas de obtenção de sons, mas a característica mais mencionada por todos que falaram em sua memória era sua energia e entusiasmo contagiante. Ver as imagens do músico, fazendo cosplay de personagens como Maskara ou Conan nas ComicCons de New York, confirmam que se tratava de uma pessoa que primava por transmitir alegria no que fazia. Aos 38 anos de idade, sua história foi abreviada, mas ele usou cada dia do pouco tempo que teve para fazer música e esse período foi usado com dedicação intensa.
Música foi o que ele deixou. David era performático, mas não tentava aparecer mais do que a música e é assim que merece ser lembrado.