Da última vez em que este Escriba assumiu a pilotagem desta aeronave (que é mais intrépida e destemida do que qualquer ME-109 ou algum “Bomber”), vos levei a Ásia Central, mais precisamente ao Cazaquistão. Portanto, decidi ficar por aqui mesmo na Ásia, na região que possui a maior concentração de “-stão” do mundo! O país de hoje se localiza ao Sudeste do Cazaquistão. Trata-se da Terra dos Quirguizes, o belíssimo Quirguistão!
No mapa-mundi, o Quirguistão parece um jacaré mordendo o pé de um dinossauro, que seria o Uzbequistão (duvida? Abre o Google Maps aí e procure pelos dois países). Oficialmente chamado de República Quirguiz (Кыргыз Республикасы), o país cujo território é um pouco maior que o estado do Paraná começou a ser ocupado pelos ancestrais do povo quirguiz que vieram de onde hoje é a Sibéria entre os séculos X e XIII. Após um período de soberania, o território pertenceu aos mongóis, aos chineses e aos uzbeques até ser ocupado pelo Império Russo em 1876. Os quirguizes viram o fim do Império Russo, o levante e o fim da União Soviética, acontecimento este que enfim garantiu a independência política do Quirguistão em 1991.
Como em quase todos os países daquela região, a política do Quirguistão é instável e repleta de controvérsias. O país passou por duas revoluções que derrubaram dois presidentes num intervalo de seis anos entre 2005 e 2010. O Quirguistão é considerado um dos países mais corruptos do mundo e o segundo mais pobre da Ásia Central, isso porque ele é uma das ex-repúblicas soviéticas que ainda enfrentam mais dificuldades para andar com as próprias pernas. A economia do Quirguistão ainda depende bastante do setor primário, muito embora a exportação de recursos naturais como ouro, carvão e urânio também contribua com uma parcela importante dos proventos de lá. Os vários lagos naturais que existem no país, dos quais se destacam o Issyk-Kul e o Ala-Kul, aparecem como os principais pontos turísticos do Quirguistão juntamente com a cidade histórica de Osh e os bosques de Arslanbob. O quirguiz e o russo são os idiomas oficiais e os mais falados do Quirguistão, cuja população em sua maioria professa o Islamismo. O futebol é o esporte mais popular do Quirguistão. A liga nacional foi criada em 1992 após a independência do país e o maior campeão local é o FC Dordoi, da capital Bishkek, com 11 canecos.
A música do Quirguistão é fortemente folclórica e repleta de elementos históricos e épicos trazidos desde a época dos primeiros nômades quirguizes. O uso de instrumentos típicos como o komuz, o kyl kiak e o sybyzgy são recorrentes até mesmo entre as bandas locais de Heavy Metal. Atualmente, guardadas as devidas proporções, o Rock e o Metal são bem praticados no Quirguistão, muito embora as mais bem sucedidas bandas de lá costumem se mudar para a Europa, principalmente para a Alemanha, em busca de melhores estúdios e de melhor logística e divulgação. Por ser um país com menos condições sociais e econômicas que sua vizinha mais rica, o Cazaquistão, a cena Metal do Quirguistão é bem mais modesta. Por outro lado, as peculiaridades culturais de lá tornam o Metal quirguiz bastante criativo e interessante. O Metal começou a ser praticado no Quirguistão no começo dos anos 80. Na época, o Quirguistão era uma república subordinada a URSS, cujo regime pegava bastante no pé das bandas que ousassem praticar uma sonoridade “ocidental”. Uma das primeiras bandas soviéticas de Heavy Metal veio do Quirguistão, o Novoe Vremya, da cidade de Osh. A maioria das bandas quirguizes praticam Metal extremo e houve até mesmo um boom do estilo no fim dos anos 90 por lá. Infelizmente, algumas das principais bandas daquela época como Necronomicon, Neocrima, Odyn’s Nocturnal North e Dambrtash encerraram suas atividades precocemente e deixaram pouca ou nenhuma contribuição fonográfica.
Conheçamos agora sete nomes do Metal quirguiz!
NOVOE VREMYA (Новое Время)
A primeira banda quirguiz a encarar a perseguição do regime soviético e desbravar o Heavy Metal nasceu na cidade de Osh em 1981 (Por sinal, esta é a única banda desta matéria que não é oriunda da capital Bishkek), ano que posiciona a banda como uma das pioneiras do Metal não só do Quirguistão como também de toda a União Soviética. O Novoe Vremya (nome que significa “novo tempo”) foi uma das bandas beneficiadas pelas aberturas econômicas e sociais Glasnost e Perestroika a assinar contrato com a gravadora estatal Melodiya juntamente com nomes conhecidos do Metal soviético como Aria, Master, Tchernye Koffe, Kruiz e Avgust. A banda lançou um único álbum, intitulado Vag V Preispodnyu (entre no submundo), em 1991. O Novoe Vremya teve suas atividades encerradas por volta de 1993.
DARKESTRAH
Está é a banda mais bem-sucedida do Quirguistão. O Darkestrah propõe em sua sonoridade aquilo que conhecemos como Pagan Metal, aquele Black Metal épico enriquecido com elementos Folk (como o Moonsorrow, por exemplo, mas diferente do Summoning). É lógico que, no caso do Darkestrah, tais elementos Folk são retirados da cultura e da história da Ásia Central, especialmente da quirguiz, pois a presença de instrumentos típicos de lá é frequente nas músicas da banda, e do Tengriismo, antiga religião monoteísta professada pelos povos túrquicos, dentre os quais os quirguizes se enquadram. Fundada em 1999 em Bishkek, a banda se mudou para a Alemanha ainda na primeira metade dos anos 2000 junto com seus fundadores, Asbath (bateria, programação, instrumentos típicos) e Kriegthalith (vocais), que deixou a banda em 2014. Sua discografia conta com seis álbuns de estúdio, sendo que Turan, lançado em 2016, é o mais recente deles.
FAUSTUS
E olha o Asbath aqui de novo! Diferentemente de sua banda principal, o Darkestrah, o Faustus toca um Black Metal bem mais cru, simples e direto, só com vocais, guitarra e bateria. O Faustus foi fundado em 2000 e é óbvio que também se mudou para a Alemanha junto com Asbath. Somente em 2019 a banda lançou seu EP de estreia, Lipsia, para se juntar a demo Symphony Desaster (2004) em sua curta discografia.
KASHGAR
Kashgar é o nome de uma grande cidade chinesa que fica a 200 Km de distância da fronteira com o Quirguistão, mas também é o nome de uma banda de Heavy Metal de Bishkek cujas influências atravessam várias instâncias do Metal extremo. Um dos integrantes do Kashgar é o baixista Warg, que foi integrante do Necronomicon e do Odyn’s Nocturnal North, citadas anteriormente neste artigo. O Kashgar foi fundado em 2014 e até o momento só possui em sua discografia o álbum de estreia autointitulado, lançado em 2016.
PANZER BULLDOZER
Vamos agora conhecer o representante de um Thrash Metal mais “raiz”. O Panzer Bulldozer, nascido em 2013 em Bishkek, carrega em sua sonoridade influências que vão da banda russa Master até o Pantera, fazendo com que sempre transitem entre músicas rápidas para outras mais groovadas. Atualmente, o Panzer Bulldozer se mudou do Quirguistão e está estabelecido na cidade russa de São Petersburgo.
MY OWN SHIVA
O Meshuggah tem filhos no Quirguistão! Trata-se do My Own Shiva, que pratica um som Djent que traz consigo influências do New Metal e experimentações que remetem a cultura indiana. Apesar de serem relativamente novos (a banda foi fundada em 2017) no cenário da Ásia Central, a banda já alcançou um status importante naquela região do mundo. Em sua discografia consta um EP, No Home (2018), e um álbum de estúdio, Holograms (2019). No último mês de abril, o My Own Shiva lançou o single Replicant, que fará parte de um futuro segundo álbum.
SHAHID
Fundado em 2014 com o nome de David Lynch (sim, o nome da banda era o mesmo daquele famoso diretor e roteirista de filmes), o Shadid adotou seu atual nome em 2016. Assim como o My Own Shiva, o Shahid é mais um representante do Metal moderno, porém com uma sonoridade mais suja e com fortes influências de Hardcore. O Shahid também possui um único full-length lançado, Otkrovenye (“apocalipse”, 2017).
Por hoje basta. Apesar de todos os problemas do país e de sua cena ser modesta, espero que vocês tenham conhecidos novas bandas legais do Quirguistão para serem acrescentadas em suas playlists. O Heavy Metal Pelo Mundo volta na próxima sexta-feira sob a direção da comandante Jéssica Alves, que irá nos conduzir até algum país inusitado para nos apresentar o que de melhor existe no Heavy Metal de lá! Кош болуңуз!!