Antes de começarmos o assunto do texto em si, permitam-me iniciá-lo com uma digressão pessoal. Este redator começou a escrever seus besteiróis sobre Rock e Heavy Metal motivado por duas inspirações: a primeira veio numa fala cujo autor não me recordo agora quem é: “Se você quer estar no Heavy Metal e não sabe tocar, escreva resenhas.” Se a frase não for exatamente assim, era parecido. Bom, li essa frase por volta de 2015 ou 2016. Se bem que já tocava bateria, mas não em uma banda de Heavy Metal.
A segunda inspiração foi a revista Roadie Crew, a qual eu acompanhava religiosamente desde 2012 (a não ser quando meu orçamento não permitia), começando pela edição #160, com o Soulfly na capa. Já conhecia a Roadie Crew desde uns dois anos antes, quando eu adolescente vivia na Praia do Icaraí, em Caucaia/CE, aperreando na casa de um tal de Diego Quântico, um estudante de Física uns dez anos mais velho do que eu, guitarrista e que também colecionava Roadie Crew. Ele sempre me emprestava um exemplar da revista para me distrair enquanto ele cuidava do mercadinho que ficava na casa dele. Hoje eu e ele somos companheiros na banda Heavy Smasher. Pois bem. O que mais me chamava a atenção na Roadie Crew eram os textos do Antônio Carlos Monteiro, que anos depois vim descobrir que também foi uma figura marcante na Rock Brigade (os mais velhos que estirem lendo este relato devem pensar que ainda uso fraldas. Na verdade, estou perto de voltar a usar fraldas, desta vez as geriátricas). Hoje posso afirmar que ACM é foi minha grande inspiração para começar a escrever e é até hoje o escritor especializado em Rock que mais admiro ler. Então, em 2016, comecei a escrever voluntariamente para o Whiplash e em 2017, Gleison Júnior, a quem eu sempre me refiro como meu pai na imprensa metálica, me trouxe para escrever para esta egrégia revista eletrônica chamada Roadie Metal. Não sei o que ele viu em mim ou em meus textos. Na verdade, até hoje duvido que as faculdades mentais do Gleison ainda estejam em dia. Mas enfim…
Por que estou contando isso? Ora, meu texto de hoje é sobre Between The Buttons, o quinto álbum de estúdio dos Rolling Stones (permitam-me doravante omitir o “The” do nome da banda), lançado em janeiro de 1967 no Reino Unido pela Decca Records e no mês seguinte nos EUA via London Records. Antônio Carlos Monteiro é talvez a maior referência brasileira em se tratando da banda e o seu texto que mais me marcou até hoje foi exatamente o “Background” dos Rolling Stones, um relato biográfico que atravessou sete edições da revista. Apesar de eu nunca ter me considerado um fã da banda (e, se me perdoam, boa parte do Rock sessentista nunca me chamou a atenção), meu interesse por Keith Richards e cia. aumentou exponencialmente com esse texto. Logo, tratei de revirar minhas Roadie Crew’s, procurando por este dito cujo “Background”, atrás de rememorar informações sobre este álbum para embasar e enriquecer este artigo.
Dois motivos me fazem manter distância do Rock sessentista. Ouvir um álbum dos anos sessenta, ainda mais se for de sua primeira metade, causa uma agonia no meu juízo. A bateria de um lado, o baixo do outro e a guitarra e as vozes não sei aonde me fazem sentir como se eu fosse uma bola de pingue-pongue jogada por dois dos melhores e mais perturbados mesa-tenistas asiáticos. O segundo motivo é aquele Rock alegrinho e simplório com letras infanto-passionais nunca atraiu este autointitulado Discípulo do Doom, eu. Mas os Rolling Stones são um caso à parte nas minhas playlists e não é somente pelo que relatei no começo deste texto. Em Between The Buttons, a banda estava dando um passo além dentro da Psicodelia e do experimentalismo, caminhada esta que começou no álbum anterior, Aftermath (1966) e que por isso faz o meu interesse pela banda aumentar neste período de sua história. Dois fatores (de novo “dois”?) reforçam esse meu interesse. O primeiro é que Mick Jagger e Keith Richard (que na época omitia “s” do Richards. Segundo o empresário Andrew Loog Oldham, era para parecer mais pop) estavam cada vez mais evoluídos e confiantes enquanto compositores. O segundo são as intervenções nada convencionais de Brian Jones com seus instrumentos exóticos, o que acabava por dar um enorme diferencial para o som dos Rolling Stones em relação às outras bandas do período. Todavia, sabemos que o primeiro motivo era a razão do acontecimento do outro. A liderança cada vez mais sacramentada nos Glimmer Twins (ou nos Nanker Phelge, como a dupla assinava suas composições na época) fazia Brian Jones, que não era um exímio compositor como os outros dois, ter um papel cada vez menos importante dentro da banda que ele julgava ser o líder outrora. Com efeito, sua enorme habilidade em tocar uma miríade de instrumentos era um meio de ele se sentir ainda relevante dentro dos Stones.
Vide os bem encaixados arranjos de xilofone em Yesterday’s Papers, a faixa que abre a versão britânica do álbum, as flautas que surgem em All Sold Out, os órgãos que recheiam com muita propriedade as faixas She Smiled Sweetly e Complicated, um sem-vergonha solo de Kazoo (um instrumento de sopro que emula um zumbido) na frenética e bipolar Cool, Calm And Collected, gaita em Who’s Been Sleeping Here e trompetes e trombones na faixa que encerra o álbum, Something Happened To Me Yesterday. A excelente My Obsession destaca a pegada do baterista Charlie Watts e o peso do baixo de Bill Wyman. A impressão que temos de ouvir um forte som de bumbo em Connection se deve a Mick Jagger e a Bill Wyman, que tocam o instrumento de forma isolada junto ao que está naturalmente no pé direito de Watts. A ótima balada Back Street Girl traz mais uma vez o xilofone de Brian Jones junto a uma base de acordeom, está tocada por Nick de Caro. Os rockões Please Go Home e Miss Amanda Jones (que guitarrada de Keith Richards aqui) se destacam como algumas das melhores faixas do álbum. A título de curiosidade, a letra de Miss Amanda Jones se refere a Amanda Lear, uma artista que teve um envolvimento com Brian Jones e que teve boa parte de sua vida ligada ao artista Salvador Dali. A grande incógnita de sua vida e explorada metaforicamente na composição de Jagger e Richards é se ela havia nascido mulher ou se era uma mulher trans.
Mas os grandes sucessos de Between The Buttons saíram na versão americana do álbum. A clássica Let’s Spend The Night Together, uma das músicas mais legais da história do grupo e que até sua avó que mora em Carmolândia, no interior do Tocantins, já ouviu, e a belíssima Ruby Tuesday, que conta com arranjos de baixo acústico (aquele grandão que parece com um violoncelo) tocados por Bill Wyman e por Keith Richards. Estas duas músicas saíram na Inglaterra em formato de single. Between The Buttons foi o último álbum dos Rolling Stones produzido pelo maluco Andrew Loog Oldham, cujos predicados profissionais como produtor e empresário passaram a ser vistos como modestos para o tamanho que a banda estava se tornando naquele momento. Os desenhos da contracapa de Between The Buttons são do próprio Charlie Watts, que teria seguido carreira nas artes plásticas se não tivesse aceitado o convite para integrar os Rolling Stones em 1963. Foi a partir destes desenhos que o álbum foi batizado assim, já que Loog Oldham havia respondido “between the buttons” (fala que expressa “dúvida” na Inglaterra) quando Watts perguntara qual seria o título do álbum. Já a capa foi uma fotografia de Gered Mankovicz, que buscou retratar “a sensação drástica e etérea” pela qual a banda passava. O trabalho atingiu a segunda posição nas paradas inglesas enquanto e a terceira nos charts ianques. Apesar de o beiçudo Mick Jagger já ter afirmado que a única música que ele gosta deste álbum é Back Street Girl, a verdade é que Between The Buttons se consagraria como um dos trabalhos mais importantes musicalmente dos Rolling Stones, servindo como um experimento bem-sucedido para o salto que banda daria em Their Satanic Majeties Request.
Através deste passo adiante dado em Between The Buttons, o Rolling Stones alcançaria depois o auge da psicodelia e da experimentação no trabalho seguinte, o famigerado Their Satanic Majesties Request, não sem antes se envolverem cada vez mais em confusões com a lei e Brian Jones cavar mais ainda o seu poço de melancolia causada pelo seu rebaixamento dentro da banda, melancolia essa regada a muitas doses de entorpecentes (e de chifres).
Between The Buttons – Rolling Stones (Decca Records, 1967)
Tracklist (versão britânica):
Lado A
01. Yesterday’s Papers
02. My Obsession
03. Back Steet Girl
04. Connection
05. She Smiled Sweetly
06. Cool, Calm & Collected
Lado B
01. All Sold Out
02. Please Go Home
03. Who’s Been Sleeping Here
04. Complicated
05. Miss Amanda Jones
06. Something Happened To Me Yesterday
Line-up:
Mick Jagger – vocais, tamborim, bumbo, gaita
Keith Richards – guitarras, violão piano, contrabaixo em Let’s Spend The Night Together, Connection e She Smiled Sweetly
Brian Jones – órgão, flauta, xilofone, percussão, kazoo, gaita, trompete, trombone, guitarras
Bill Wyman – contrabaixo, bumbo
Charlie Watts – bateria, percussão
Músicos de apoio:
Ian Stewart – piano
Jack Nitzsche – piano
Nick de Caro – acordeon em Back Street Girl