Titãs: 34 anos de “Cabeça Dinossauro”

Em 15 de junho do já longínquo ano de 1986, os TITÃS lançaram o disco mais emblemático de sua carreira. E que se tornaria um marco na música pesada aqui em terras tupiniquins. Mas isso só foi possível por uma sequência de eventos que antecederam a gravação de “Cabeça Dinossauro“.

A banda vinha de uma recepção não muito boa do seu álbum anterior, “Televisão“, que tem alguns (poucos) bons momentos, mas não empolga. Somado a isso, tivemos as prisões de Arnaldo Antunes e Tony Belloto, em 1985, por porte de heroína. Isso se traduz de maneira bem latente em “Cabeça“, pois a banda usou de muita agressividade em suas músicas, de maneira geral. E isso é ótimo. Os fãs de música pesada agradecem.

Pois bem, a banda se juntou na companhia do produtor Pena Schmidt no “Estúdio Nas Nuvens“, no Rio de Janeiro. O mesmo estúdio em que o SEPULTURA gravaria o “Beneath the Remains” e, confirmado por Andreas Kisser em entrevista que a escolha não foi por acaso; eles queriam gravar no mesmo local em que o TITÃS produziu o homenageado de hoje.

E a bolacha já começa com a faixa título, com pouco mais de dois minutos de duração. Aquela clima medonho hipnotiza o ouvinte e na medida em que a música ganha mais velocidade, você percebe que as coisas começaram bem. Quem ai nunca se pegou cantando os versos que aparentemente não fazem sentido nenhum? Excelente começo. Já “AAUU” é uma das menos pesadas deste disco, mas ela tem uma energia fora do comum. Aqui eu destaco a performance do baterista Charles Gavin, com ótimas viradas.

Igreja” é uma das minhas favoritas, ela é raivosa, tem a energia Punk, letra contestadora e polêmica. Vale aqui lembrar que Arnaldo Antunes, conhecido por ser católico, fora contra a inclusão desta música no disco, mas vencido pela democracia, aceitou. Mas quando a banda a executava ao vivo, ele se retirava do palco, como uma forma de protesto. Bem, ele não gosta, mas eu e muitos gostam do clima que essa música traz. Outro fator curioso sobre esta faixa é que, apesar de ser composta e cantada por Nando Reis, desta vez, quem gravou o baixo fora Paulo Miklos.

Polícia” é a mais conhecida música dos caras e me arrisco a dizer que é a mais conhecida mundialmente, muito em função de o SEPULTURA nos temos de Max Cavalera tocá-la ao vivo, fazendo uma versão ainda mais destruidora. Na versão original ela tem uma levada muito bacana, simples, mas não deixa de ser boa por causa deste detalhe. E observemos a letra, escrita em 1985… Permanece atual. E em pleno 2020, a polícia segue em reprimir, agredir e matar pessoas, sobretudo os negros e pobres. Bem diferente do seu lema que diz “servir e proteger”.

“Estado Violência” é outra das minhas preferidas deste disco, com andamento mais devagar que as duas anteriores, mas é uma composição bem feita, bem estruturada. E a veia Punk volta na letra, um claro protesto. E por que não dizer, ainda atual, visto o quadro de violência que atravessamos nos dias de hoje?

A Face do Destruidor” é bem curta e traz de volta a sonoridade punk, numa letra em que Paulo Miklos se faz praticamente incompreensível. Em “Porrada” temos uma música linda, não só na parte musical, como na lírica. Uma crítica às pessoas que não fazem nada na vida e não procuram crescer, ler um livro, fazer algo de edificante, além de um verso sarcástico já no final, quando Arnaldo Antunes canta a parte de oferecer “medalhinhas para o presidente”… Uma música que beira a perfeição.

Tô Cansado” começa com umas notas melancólicas, parece que não vai sair nada dali… Mas saí. E um dos melhores riffs de guitarra da banda está presente ali.

Bichos Escrotos” é talvez o maior hit da banda até hoje, muito embora eles tenham amaciado seu som e até incluído músicas em grandes veículos de massa, como telenovelas. Mas ela é cercada de qualidades e também de polêmicas, onde a banda solta um tremendo palavrão, o que causou a censura da música. Sim, apesar de estarmos falando de uma época de pós-ditadura militar (alguns irão discordar do redator e vão dizer que não houve ditadura, então tá, né?), a censura ainda se fazia muito presente. Mas voltando a parte musical, aqui o destaque é para a cozinha. Nando Reis mandando muito bem no seu baixo, acompanhado pelas batidas certeiras de Charles Gavin.

A quebrada no ritmo vem com a música “Família“, que traz a banda navegando nos mares do Reggae. Sim, meus caros e a experiência não foi bisonha. A música ficou legal e a letra engraçada. Foi outra música que tocou exaustivamente nas rádios.

Homem Primata” é mais puxada pro Rock, bem legal, pesada e a inteligência dos caras em criar letras é sensacional. Outra letra que permanece atual. Essa é a última música mais pesada do aniversariante de hoje.

As duas que fecham o disco, “Dívidas” e “O Quê” trazem a banda mostrando maior diversidade musical, o que não faz o disco perder a qualidade, mesmo que elas destoem do restante da obra, A primeira é mais voltada ao Pop, remetendo muito às músicas de seu álbum anterior, enquanto que na faixa que fecha a obra traz uma batida bem diferente, que inclui percussões, uma atmosfera mais puxada para o Funk (por favor, caro leitor, não confunda aqui com essas porcarias erroneamente chamadas de Funk, que rolam nas festinhas Brasil afora). Atenção: nestas duas faixas, o peso das guitarras é sumariamente deixado de lado, mas, como disse, isso não compromete as mesmas.

A minha relação com este disco é de muito carinho. Foi um dos primeiros discos de vinil que eu tive, ganhei quando criança, mas infelizmente, eu não o tenho mais, não lembro o que aconteceu. Mas os arquivos em MP3 estão na memória externa do meu telefone e de vez em quando eu me pego escutando essa lindeza.

E chegamos ao final desta obra que, merece todo nosso respeito por ter sido um divisor de águas no Rock nacional. Você pode ser true, radical, mas não pode deixar de reconhecer a importância que esses caras tiveram e a relevância deste disco até hoje. E foi o marco de uma fase bem legal da banda que perdurou até o “Titanomaquia“, álbum que ficará mais velho em breve e que será devidamente homenageado por este que vos escreve.

Infelizmente, mais da metade da formação original da banda se foi, alguns, foram tentar carreira solo e o mais bem-sucedido deles é Nando Reis, que enveredou pela MPB, emplacando sucessos seja na sua voz ou na de outros intérpretes. Perdemos o guitarrista Marcelo Fromer em um acidente estúpido. A banda segue por ai na ativa, mas não da mesma forma como fora nos anos 80/90. Mas a nossa homenagem está ai, um disco que influenciou muita gente, com letras fortes, contestadoras, a atitude de rebeldia, que é o que deve fazer parte sempre do Rock And Roll.

Cabeça Dinossauro – Titãs
Data de lançamento – 15/06/1986
Gravadora – WEA

Tracklisting:
01 – Cabeça Dinossauro
02 – AAUU
03 – Igreja
04 – Polícia
05 – Estado Violência
06 – A Face do Destruidor
07 – Porrada
08 – Tõ Cansado
09 – Bichos Escrotos
10 – Família
11 – Homem Primata
12 – Dívidas
13 – O Quê

Lineup:
Arnaldo Antunes – Vocal
Branco Mello – Vocal
Charles Gavin – Bateria e percussão
Marcelo Fromer – Guitarra
Nando Reis – Baixo/Vocal
Paulo Miklos – Vocal
Sérgio Britto – Guitarra
Tony Bellotto – Guitarra

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