Hoje iremos viajar para um dos mais inusitados destinos de nossa cruzada ao redor do globo conduzida pelo HEAVY METAL PELO MUNDO. Na semana passada, nossa esquadra, sob o comando de Mauro Antunes, passou pela Polônia. Desta vez, zarparemos para o sudeste africano, mais precisamente para o Zimbábue!
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“Zimbábue? Foi lá onde nasceu o Freddie Mercury?”
Não. Freddie Mercury nasceu em Zanzibar, região autônoma que pertence à Tanzânia. O Zimbábue, antigamente conhecido como Rodésia, é uma ex-colônia britânica que declarou sua independência em 1965 de forma unilateral. O não-reconhecimento da independência por parte do Reino Unido e até mesmo das Nações Unidas desencadeou uma guerra civil no país que durou sangrentos 15 anos até que em 1980 um acordo de paz selou o reconhecimento em definitivo da emancipação do país, que desde então passou a adotar o nome pelo qual se chama atualmente. A independência do Zimbábue foi liderada pela minoria branca do país, que passou a tratar a maioria negra de uma forma semelhante à praticada pelo apartheid sul-africano. Esta segregação tem ligação direta com o surgimento da cena Rock no Zimbábue, tendo em vista que as bandas que surgiram naquele período de guerra civil, mais notadamente o Wells Fargo, pregavam em suas letras os abusos e as injustiças promovidas pelo governo branco. Não raramente as apresentações destas bandas na época eram violentamente reprimidas pelas autoridades locais.
A ascensão do líder negro Robert Mugabe ao poder em 1980 não cessou as injustiças. O mesmo iniciou uma ditadura que durou até 2017 e que continuou com as repressões a qualquer pessoa ou grupo que fizesse voz de oposição contra o governo. Mais especificamente, tudo aquilo que lembrasse de alguma forma a cultura europeia, como o Rock, era desencorajado pelo governo, de modo que o Rock do país, antes fértil, foi enfraquecido ao longo dos anos 80 e 90. Entretanto, a semente plantada pelo Wells Fargo germinou e diversas bandas surgiram no país a partir dos anos 2000, o que ensejou inclusive a criação de um festival em Harare, a capital do país, chamado “Rock Down Harare”. Em tempos mais recentes, bandas Punk e Metal adotaram costumes locais para dar uma identidade ao Rock lá praticado, dentre as quais a mais notória é o uso do “mbira”, um instrumento metálico melódico de percussão, quase como se fosse um xilofone dedilhado. O The Book Café é o principal reduto do Rock zimbabuano atualmente e quase todas as bandas em atividade no país já tocaram por lá.
Conheça nos seguintes parágrafos alguns dos representantes do Rock e do Metal do Zimbábue.
WELLS FARGO
Sim, não poderíamos deixar de começar com uma das pioneiras do Rock local e influenciadora-mor das bandas que surgiriam no futuro de então. O Wells Fargo foi fundado em 1973 e mesclava em sua sonoridade elementos da guitarrada de Jimi Hendrix, do Rock Psicodélico, do Funk e de ritmos africanos. As mensagens de união e de esperança pregadas em músicas como Have Gun Will Travel atraiam centenas de pessoas aos shows do Wells Fargo, tanto negras quanto brancas, fato esse que incendiava a ira dos governantes brancos racistas que procuravam de todo modo ofuscar a popularidade da banda reprimindo concertos ou censurando suas músicas das rádios locais. A banda precisou alterar as letras de suas músicas (Have Gun Will Travel se tornou Watch Out) para tentar driblar a censura do governo, inserindo trechos metafóricos. Em 2016 a coletânea Watch Out, formada inteiramente por singles lançados originalmente nos anos 70, foi lançado pela primeira vez fora do Zimbábue.
EVICTED
Uma das bandas mais importantes da atualidade no Zimbábue, o Evicted explora em sua sonoridade que eles mesmos chamam de “Afro-Rock Fusion” elementos de Punk, Funk, Reggae, Metal e ritmos locais como a Sangura e a Shimurenga. Suas letras seguem a cartilha ensinada pelo Wells Fargo, expondo problemas como pobreza e corrupção e levando uma mensagem de esperança para os fãs.
CHIKWATA 263
Esta banda é reconhecida no Zimbábue por ter sido a primeira a utilizar o instrumento típico “mbira” em suas composições que seguem também a cartilha do Punk e do Reggae. O mbira é tocado dedilhando-se pequenas espátulas metálicas que ficam presas a uma pequena tábua de madeira. Fundada em 2011, o Chikwata 263 lançou seu debut, Chauya, em 2014.
DIVIDING THE ELEMENT
Agora sim entremos fértil território metálico no Zimbábue. O Dividing The Element é uma banda de Metalcore que também junta em suas composições ritmos e instrumentos típicos do país. Não chega a ser um Folk Metal, pois os instrumentos percussivos tão somente conferem um groove mais característico às músicas. Fundada em 2012, o Dividing The Element foi a primeira banda de Metal do Zimbábue a lançar um trabalho de estúdio (Munyepi, 2018) e também a primeira a cantar em Shona, um dos dezesseis idiomas oficiais do país.
NUCLEAR WINTER
One-man band formada pelo músico Gary Stautmeister. O som do Nuclear Winter transita pelo Death Metal melódico até o Metal Industrial com alguns elementos aqui ou acolá de Deathcore. A banda possui em sua discografia o full-length Night Shift, lançado em 2019, e está prestes a lançar o seu segundo EP, StormScapes, que tem previsão de lançamento oficial para o mês de julho pelo selo MMD Black. Stautmeister costuma explorar a ousadia de seu projeto gravando cover de músicas conhecidas do cancioneiro Pop mundial. A popularíssima Africa, do Toto, e o clássico da House Music What is Love, do Haddaway, já ganharam versões metálicas criadas pelo Nuclear Winter. Ainda, a banda é a única do Zimbábue que está cadastrada no conservador rol Encyclopaedia Metallum.
ACID TEARS
Dentre as bandas de Metal que este pesquisador conseguiu encontrar no Zimbábue, o Acid Tears possui a sonoridade mais acessível. Seu som é um Hard n’ Heavy que é temperado com algumas doses de modernidade que residem em alguns vocais guturais e em afinações baixas. O Acid Tears foi fundado em 2014 e havia notícias de que eles estavam preparando um álbum de estúdio em 2018, mas até agora tudo que o Acid Tears tem disponibilizado é o single Drowning.
Por hoje basta. Estas seis bandas nos dão um panorama de como surgiu e de como sobrevive o Rock zimbabuano. A página do Facebook Rock Music Zimbabwe costuma sempre apresentar novidades da cena Rock local e também mostra coisas interessantes que surgem em outros países africanos. Se você ficou curioso em conhecer mais sobre o Rock do Zimbábue, vale a pena dar uma sacada nesta página.
Encerramos aqui o capítulo de hoje do HEAVY METAL PELO MUNDO. Na semana que vem, Jéssica Alves assumirá o comando desta valiosa esquadra e nos conduzirá até outro país de pouca ou até mesmo inusitada tradição no Rock e no Metal. Até lá!