Verdade seja dita: o Agalloch é uma banda para poucos. Não é todo mundo que ouve e absorve bem uma musicalidade tão complexa que mistura Black, Doom, Folk e Post-Rock em composições longas que, ainda por cima, complementam-se umas com as outras. Em seu terceiro álbum de estúdio, Ashes Against The Grain (2006), o Agalloch trouxe um peso maior às suas composições em comparação ao Folk autunal de The Mantle (2002) e permitiu que as mesmas se tornassem mais palatáveis para apresentações ao vivo, tendo em vista que a banda começou a fazer shows poucos anos antes. No álbum seguinte, Marrow Of The Spirit (2010), a proposta com bastante foco em peso foi mantida, mas as composições surgiram e foram registradas de um modo mais orgânico.
É esta foi realmente a intenção da banda, como declarou o líder John Haughm (vocais, guitarras) em entrevista ao site Exclaim! na época do lançamento de Marrow Of The Spirit. Foi dito que o álbum anterior, Ashes Against The Grain, foi produzido de uma forma muito polida e mecânica, de modo que os integrantes não se agradaram deste formato. Para Marrow Of The Spirit, eles quiseram criar um álbum “real e com vida” e para isso buscaram uma gravação mais orgânica e crua, toda feita com equipamentos analógicos.
Essa é a real sensação que o ouvinte possui ao desbravar os 65 minutos do natural e vivo Marrow Of The Spirit, lançado em dezembro de 2010 pela Profund Lore Records. A abertura com a instrumental They Escaped The Weight Of Darkness, um solo de violoncelo em cima de sons de passarinhos e de um rio correndo no que parece ser uma floresta, tem a missão de massagear a mente do ouvinte a fim de que ele se prepare convenientemente para ouvir as próximas faixas, todas elas (menos uma) com mais de 10 minutos de duração. As várias facetas do Agalloch vão se revelando a cada faixa, sendo que o lado Black Metal se sobressai primeiro através da música Into The Painted Grey. Apesar de elementos Folk e Post Rock aparecerem encaixados em determinadas seções da música, as levadas velozes do Black Metal retornam sempre para elevar o ritmo e enegrecer a atmosfera. A bateria de Aesop Dekker, estreante na banda, foi a que menos sofreu tratamentos estéticos em seu som. Parece que ela simplesmente foi captada e pronto. E ficou muito bom! A tradição de inserir instrumentos acústicos como violões e piano em maio a selvageria Black Metal foi mantida com a habitual perícia que a banda costuma apresentar.
The Watcher’s Monolith deixa de lado a agressividade e aposta suas fichas num Post Rock muito bonito e cinzento. Aqueles timbres de guitarra com pouca distorção, típicas do estilo, aparecem se alternando com arranjos puramente criados com violões. O único resquício de Metal extremo que subsiste aqui são os vocais esganiçados de John Haughm e um pequeno trecho acelerado na metade da faixa. Um fade-out leva a música embora e revela aquela mesma paisagem descrita na faixa de abertura, só que desta vez parece que estamos acampando a noite sob o som de cigarras e grilos enquanto uma melodia triste de piano, tocada pelo guitarrista Don Anderson, chega para abater o ambiente. Parece que estamos ouvindo uma música de Viking Metal, daquelas bem “Bathorianas”, quando Black Lake Nidsteng se inicia. A longa intro termina após quatro minutos e, após isso, é a encarnação Doom Metal do Agalloch que toma de conta do ambiente. Manipulações com sintetizadores, influência do Krautrock alemão, transportam o ouvinte para um ambiente cósmico e vazio, onde somente o som da circulação cerebral parece existir, antes que o Doom misturado com Post Rock volte para encerrar a maior faixa do álbum após 17 minutos.
Palm-mute na guitarra e efeitos de eco iniciam os 9 minutos de Ghost Of Midwinter Fires, a música mais variada de Marrow Of The Spirit, já que diversos ritmos e arranjos se alternam dentro da mesma. O álbum se encerra com To Drown, uma composição completamente destacada das demais pois existe um crescendo completamente comandado por orquestrações e imponentes percussões que criam um espaço denso e assustador, como se estivéssemos ainda naquela floresta assistindo o término do mundo. Parece que houve na verdade um dilúvio, comparável ao narrado no livro de Gênesis, já que temos a impressão de estarmos mergulhando ou afundando num revoltoso mar. Para nosso bem físico, foi só o fim do álbum.
Toda a parte técnica da gravação de Marrow Of The Spirit foi conduzida por Steven Wray Lobdell no estúdio Audible Alchemy, em Portland, cidade-natal do Agalloch. Com sua ajuda, a ideia de gravar e de soar natural e cru foi tão bem executada que o ouvinte se sente sim transportado para dentro das paisagens criadas pelos arranjos, acabando por habitar em tais paisagens ao longo de toda a audição do álbum. Mas é preciso que o próprio ouvinte se predisponha e se desafie a encarar esta jornada que pode ser tão satisfatória quanto perigosa. Afinal, como este escriba fez questão de lembrar em suas primeiras falas neste artigo, ouvir Agalloch é uma tarefa para poucos.
Agalloch – Marrow Of The Spirit
Data de lançamento: 23 de novembro de 2010
Gravadora: Profund Lore Records
Tracklist:
01. They Escaped The Weight Of Darkness
02. Into The Painted Grey
03. The Watcher’s Monolith
04. Black Lake Nidsteng
05. Ghosts Of The Midwinter Fires
06. To Drown
Line-up:
John Haughm – vocais, guitarras
Don Anderson – guitarras, piano
Jason William Walton – contrabaixo
Aesop Dekker – bateria
Participações:
Jackie Perez Gratz – violoncelo
Jeffrey Neblok – piano, gravações de ambiente
Velleda Thorsson – percussões
Nathan Carson – sintetizadores
Steven Wray Lobdell – vocais de apoio em “The Watcher’s Monolith”