É como este redator costuma falar sempre que a oportunidade surge: um dos lances mais arriscados que uma banda pode praticar em sua carreira é alterar seu direcionamento musical. É um risco, pois a probabilidade de seus fãs rejeitarem os trabalhos que adotam este novo direcionamento é sempre grande. O risco aumenta mais ainda se a banda já possui uma discografia considerável e uma base de fãs fiel. O que faz surgir e crescer a base de fãs de uma banda é, principalmente, o som que ela pratica. Os fãs procuram aquela banda porque eles procuram aquele tipo de sonoridade. Se a banda resolve mudar o seu direcionamento, os fãs, ou ao menos uma parte deles, a abandonarão. Na pior das hipóteses, o grupo terá cometido um suicídio comercial. Grave Digger, por exemplo, quase se tornou uma banda fossilizada e esquecida pelas areias do tempo por conta de Stronger Than Ever (1987). Até mesmo o Celtic Frost, uma das bandas mais importantes e respeitadas do Metal, é motivo de gozação até hoje por ter manchado de colorido a sua negra discografia com Cold Lake (1988).
Suponha que a banda se tornasse réu no tribunal dos fãs pelo crime de mudar drasticamente sua sonoridade musical. Os fãs se convertem na pessoa de um juiz, que pode absolver ou condenar a banda. Quem foi conduzido a este tribunal nos últimos anos foi o Suicide Silence e o crime que consta nos autos do processo foi mudança de proposta musical no álbum autointitulado, de 2017. Eu sou o advogado e os fãs serão os promotores de acusação.
Começo minhas alegações voltando um pouco no tempo, explanando a história do Suicide Silence, história essa que envolve até mesmo uma tragédia. O grupo formado em 2002 na cidade californiana de Riverside foi uma das principais responsáveis por popularizar o estilo Deathcore, que mescla os blastbeats de bateria e os riffs típicos de Death Metal com as levadas groovadas e cheias de breakdown do Metalcore. Uma das referências do Suicide Silence era o vocalista Mitch Lucker, dono de vocais agressivos e ríspidos que iam do gutural grave do Death Metal até os agudos esganiçados do Black Metal, passando as vezes pelos pig-squeals do Grindcore. Lucker faleceu no dia 01 de novembro de 2012 por complicações decorrentes de um acidente de motocicleta.
Após a morte de seu frontman, o Suicide Silence tentou se reerguer e seguir em frente, tomando como primeira iniciativa o recrutamento do vocalista Herman “Eddie” Hermida. Com ele, o guitarrista fundador Chris Garza e os membros de longa data Mark Heylmun (guitarras), Dan Kenny (contrabaixo) e Alex Lopez (bateria) prepararam e lançaram You Can’t Stop Me, em 2014, mantendo a mesma pegada que os consagrou nos anos anteriores. Mas a coisa mudaria para o próximo trabalho. Ironicamente, o quinto full-lenght dos californianos teria como título o próprio nome da banda, Suicide Silence.
Quando uma banda que tem um certo tempo de estrada resolve lançar um álbum autointitulado, a alegação, na maioria das vezes, é “para mostrar como a banda é agora”. Entretanto, quando a capa de um álbum traz o nome “Suicide Silence” estampado, espera-se que seu conteúdo musical seja um Deathcore. No álbum em questão, o que se houve é uma banda fortemente influenciada pelo Nu Metal de Korn, Deftones e afins.
Os timbres das guitarras estão ligeiramente diferentes, os riffs e bases estão mais “kornianos”, os solos estão mais escassos e – prova mais cabal do crime – houve a estreia e a persistência de vocais limpos, recurso nunca usado pela antes pela banda. Analisando o álbum por si só, ele é até audível e dá para ouvi-lo até o fim com paciência, isto é, se você é um fã de Nu Metal ou se você não ficar comparando o tempo todo com o passado do Suicide Silence. Este redator (advogado) não é fã de Nu Metal, mas gosta de ouvir algumas músicas do estilo quando se faz necessário. A faixa que abre os trabalhos, Doris, é muito bem composta. Listen é pesada e bastante variada, se tornando assim um dos destaques do álbum (ponto aqui para o groove do baterista Alex Lopez). Dying In A Red Room lembra um outro trabalho controverso lançado recentemente, Magma, do Gojira. The Zero é pesada e densa, conseguindo construir uma atmosfera de pavor e melancolia com seus arranjos. No fim, em Don’t Be Careful You Might Hurt Yourself, a banda retorna às suas raízes com blastbeats e riffs Death Metal. Mas é possível ouvir as guitarras clamando de volta os seus timbres antigos, pois com essa timbragem magra ainda não foi possível ouvir o antigo Suicide Silence de volta.
Existem também músicas descartáveis, como Hold Me Up, Hold Me Down, e músicas que “nem fedem, nem cheiram”, como Silence, Run e a surpreendente semi-balada Conformity. Em entrevistas, a banda alegou que compôs Suicide Silence com este direcionamento de forma inconsciente, apenas colocando no papel as ideias que eles tinham no momento. Mas agora eu preciso invocar a ficha criminal do cumplice deste suposto crime, Ross Robinson. Conhecido como “Padrinho do Nu Metal”, Robinson foi produtor de álbuns considerados referências do estilo como Roots, do Sepultura (sim, Roots é um álbum que inspirou boa parte das bandas de Nu Metal que surgiram no no fim dos anos 90) e álbuns importantes do Korn, do Limp Bizkit, do Deftones e do Slipknot. Ou seja, ele foi o produtor perfeito para o momento em que a banda estava passando.
Uma das testemunhas de acusação, Joe Smith-Engelhardt, da revista canadense Exclaim!, afirmou que em Suicide Silence, a banda mais parecia um conjunto de garagem fazendo covers desleixados de Korn e Deftones com um microfone achado em uma lata de lixo. Já a testemunha de defesa George “Cospsegrinder” Fisher, vocalista do Cannibal Corpse e amigo da banda, defendeu-a alegando que ninguém conhecia o finado vocalista Mitch Lucker o suficiente para saber se ele estava se revirando em sua cova por causa dos vocais limpos registrados.
Mas os fãs, os promotores deste julgamento, não receberam bem este álbum, pois ele não é um álbum de Deathcore. Ao colocar o álbum para tocar, não se ouvia aquela banda cujo nome e foto constavam na capa. Não aceitaram os vocais limpos em demasia, a carências de arranjos de Death Metal e a quase inexistência de blast-beats na bateria. Vários críticos especializados escracharam este trabalho por estes mesmos motivos. Tantas críticas não ajudaram o álbum a conquistar posições mais elevadas nas paradas mundo afora, como era costumeiro.
Encerro minhas palavras aqui. Este advogado expôs seus pontos e, apesar de reconhecer a existência do crime, pede ao juiz clemência quanto à pena, tendo em vista as alegações por mim apresentadas. Os promotores já expuseram para todo o Universo as suas alegações e suas iras. O veredito ficará por conta do juiz.
O juiz é você.
Suicide Silence – Suicide Silence
Data de Lançamento: 24 de fevereiro de 2017
Gravadora: Nuclear Blast
Tracklist:
01. Doris
02. Silence
03. Listen
04. Dying In A Red Room
05. Hold Me Up, Hold Me Down
06. Run
07. The Zero
08. Conformity
09. Don’t Be Careful You Might Hurt Yourself
Line-up:
Herman “Eddie” Hermida – vocais
Mark Heylmun – guitarras
Chris Garza – guitarras
Dan Kenny – contrabaixo
Alex Lopez – bateria