Roadie Metal Cronologia: Burzum – The Ways of Yore (2014)

Ouvir Burzum, para minha pessoa, sempre foi algo pesado… a combinação MAL + DEPRESSÃO nunca me fez sentir bem. E creio que o pesar recai a todos que o ouvem, afinal, esta é a proposta, certo? Essa resenha me caiu de para-quedas pois não me era destinada, entretanto, aceitei de bom grado o desafio, e confesso, me surpreendi aprendendo a gostar de algo que outrora me passava forçadamente despercebido. Aprofundei a pesquisa para além do que me foi entregue como missão, e intensifiquei meus esforços para ingressar nesse mundo obscuro criado por Varg. Uma vez imerso nesse Limbo, restou apenas degustar da experiência proporcionada.

HISTÓRICO: Burzum foi um projeto musical one man band (de um homem só) idealizado por Varg Vikernes, o qual deu origem a um sub-gênero dentro do Black Metal, posteriormente chamado de Atmospheric Black Metal. Varg demonstrou ser um grande admirador da obra de J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis, da qual ele retirou o nome da banda e seu próprio codinome Count Grishnackh. “Burzum” é uma das palavras que estão escritas na Língua Negra (idioma dos Orcks, contido na obra de Tolkien) na sentença: “Ash Nazg Durbabatuluk Agh Burzum Ishi Krimpatul” (Um anel para atrair todos eles e uni-los através da escuridão). Burzum significa, portanto, “escuridão” em órquico de Mordor.

Diferentes logotipos do Burzum

“The Ways of Yore” é o décimo segundo (se contarmos “From the Depths of Darkness“), e até o momento último álbum de estúdio do Burzum , e foi lançado em 02 de Junho de 2014 pela gravadora Byelobog Productions, de propriedade do próprio Varg Vikernes. O álbum retém o som que Varg intitulou como dark ambient, iniciado em seu trabalho anterior Sôl Austan, Mâni Vestan, muito embora este seja totalmente instrumental, enquanto “The Ways of Yore” contém adição de vocais em algumas faixas. Estes dois trabalhos distanciam completamente o Burzum do Metal, qualificando a banda em outro gênero musical. Os fãs mais ortodoxos da banda nem mesmo irão reconhecê-lo como parte da discografia, muito embora, em uma análise mais orgânica, é possível identificar elementos que caracterizam as obras anteriores do Burzum. A capa do disco foi tirada de “Merlin and Vivien“, uma gravura do famoso artista francês Gustave Doré para o poema Idílios do Rei, de Alfred Tennyson. Sempre considerei muito “conveniente” utilizar-se de obras de arte para ilustração de capas de discos… já vem tudo pronto, economiza-se recursos e de antemão se tem o conhecimento prévio da crítica quanto à obra. Melhor do que as clássicas fotografias de corpse-paint em dregradê sobre o fundo negro.

Vikernes falou sobre o presente trabalho no site oficial do Burzum: “The Ways of Yore é meu primeiro passo para algo novo, o qual é tão velho quanto as raízes da Europa. Com The Ways of Yore eu tento passar ao ouvinte os dias de outrora, para fazê-los sentir o passado, que ainda está vivo em seu próprio sangue”. Profundo ou presunçoso? Talvez, em se tratando de Varg, podemos afirmar que ambas as qualidades se aplicam à sua pessoa. Esta, talvez, tenha sido a única afirmação de Varg carregada de algum sentimento… se é que restou algum.

“The Ways of Yore” (2014)

DISSECANDO O DISCO: O álbum se inicia com “God from the Machine”, uma intro estranha (notadamente produzida por sintetizador), porém sistemática. Como a faixa-título, “Hall of the Fallen” também faz muito uso de sintetizador com sonoridades amelódicas. Aliás, ao ouvinte desavisado, ao final do disco este irá perceber que Varg se utilizou de sintetizador para produzir tudo no disco, exceto as vozes. Logo nesse prelúdio – composto por o que podemos considerar duas introduções – percebemos qual será a ideia master desse trabalho, e concluímos que “não se trata de um disco de Black Metal”. “Heill Odinn” é uma saudação ao deus supremo escandinavo,  sendo a música exclusivamente isso: uma saudação a Odin repetida por três (!) minutos. Soa legal, para os fãs que entendem que “repetição é bom”. “Lady in the Lake” é a primeira faixa que causa um sentimento de agonia, adentrando, enfim, aos portões do submundo infernal da ambiência macabra de Burzum. São quase cinco minutos de sintetizadores sombrios e uma declamação maçante de Varg. “The Coming of Ettins” segue inspirada pela anterior, porém, com uma densidade menos maligna. “The Reckoning of Man” ganha alguma profundidade nos efeitos, soando como “um piano molhado”. Seus intermináveis sete minutos conta com mais uma declamação opaca de Varg, que mais parece uma oração que qualquer outra coisa, algo a se suspeitar de um cara que manteve no passado alguns hobbys estranhos em se tratando de igrejas. “Heil Freyja” trás a primeira faixa acrescida de algumas outras coisas, coros e declamações. A faixa título do disco, “The Ways of Yore” recaptura a essência trevosa que apresentou-se apenas em Lady in the Lake. São mais seis minutos de agonia escabrosa pela frente. “Ek Fellr” é mais uma daquelas faixas compostas por “corinhos” e alguns acordes de um instrumento impossível de identificar (parece um tipo de banjo bardo). “Hall of the Fallen”, se mostra mais uma do grupo de dark ambiente: sintetizadores “molhados” e sussurros charmosos. “Autumn Leaves”, “Emptiness” e “To Hel and Back Again” são três instrumentais (sem sussuro, sem coro, sem voz nenhuma) que finalizam o álbum de forma “extravagante”, pois, somadas suas durações chegam a quase trinta minutos, ou seja, metade da duração do disco. Uma nota: as canções “Emptiness” e “To Hel and Back Again” são versões regravadas das canções “Tomhet” (do álbum Hvys Lyset Tar Oss de 1994) e “Til Hel og Tilbake Igjen” (do Fallen de 2011), respectivamente.

CONCLUSÃO: Tive de ouvir o disco por um número recorde de quatro(!) vezes para poder promover um aproveitamento mais uniforme da obra, vez que a cada audição o meu conceito de avaliação se deturpava. Inicialmente, à primeira audição, o que meu cérebro assimilou ao captar as frequências sonoras emitidas por “The Ways of Yore” foi algo como um emaranhado de notas desconexas produzidas por não mais que um bebê e seu tecladinho de brinquedo. Pretendia repugnar o disco da face da Terra, mas então, reconhecendo o desafio, me determinei a sugar ao máximo seu conteúdo. Já na segunda audição o álbum evoluiu em meu conceito para algo como uma compilação de jingles produzidos para ambientação de elevadores ou ramal de espera telefônica. A terceira audição me fez desejar uma repetição, pois foi nesse momento que passei a entender a expressão verdadeira e singela do sentimento que “The Ways of Yore” planeja transmitir. Visualizei que qualquer das tracks aqui poderiam ser aproveitadas em games de horror survivor, nos momentos de demência ou solidão abstrata do personagem. Embriaguei-me em uma epifania ao receber a revelação da mensagem contida no âmago obscuro do disco, ou quase isso…

Aqui, deixo claro que reconheço a “importância” musical do Burzum para o desenvolvimento dentro de um novo estilo de black metal (ou seja lá para quê), principalmente por se tratar de um projeto norueguês, muito embora The Ways of Yore nem possa ser considerado um disco de Metal. O que eu não entendo, é a valoração excessiva que é dada a um artista/banda por anos a finco, sendo que o mesmo possua “apenas um ou outro trabalho considerável”. Particularmente, eu ouço e valorizo “discos”, aqueles que merecem reconhecimento, e não “qualquer disco” apenas porque conta com um “nome” ou uma “marca” já reconhecida em trabalhos anteriores. Musica, assim com a vida, trata-se de uma evolução, e não podemos nos permitir ser manipulados por mainstreams consumistas. Remando em direção contrária à da esmagadora massa que aprecia o trabalho de Varg e assumindo o risco de gerar um exército de desafetos por conta das próximas linhas, destemidamente afirmo convicto que considero “The Ways of Yore” uma obra mais tragável em comparativo aos clássicos álbuns do Burzum. Fiquei louco? Loucura se trata de uma padronização superlativa do que seria a normalidade, não?… Minha sanidade expressa, indubitavelmente, que o conjunto de emoçōes sobrepujadas neste disco é infinitamente mais palatável do que nos mencionados trabalhos anteriores, que ao meu ver, tão somente destilavam ódio, malignidade e depressão. Percebo a dita evolução na música de Varg, o qual um dia produziu Black Metal, maligno em sua forma pura, e que hoje, migrou para outras searas que mais solidificam seus ensejos como artista. “The Ways of Yore” é um bom disco de dark ambient, e se você encará-lo desta forma, irá poder usufruir de toda sua essência. Aceite o fato de que este disco, mesmo carregando a chaga do nome “Burzum“, não possui nenhum resquício de sua raiz do metal negro.

Varg Vikernes

FINALIZANDO: Em 2013, Varg Vikernes anunciou em seu Blog pessoal que estava se aposentando oficialmente do Metal. E em alguns trechos explica os motivos para essa escolha:

” O Burzum apareceu em 1991 com uma gravação de guitarras e baixos, e algumas músicas com uma qualidade de ensaio. Fiz alguns álbuns com certo sucesso, mas todos traziam a música ambiental em algum aspecto. Com o tempo fui me afastando cada vez mais do Metal, e hoje só toco música ambiental. Então nesse ano (2013) acredito que chegou a hora de cortar esse laço de uma vez por todas.

Muitos de vocês seguem o Burzum há anos, alguns desde o começo, então acredito que esse projeto mereça um adeus apropriado. De forma que o “Burzum Metal” vai terminar como começou: “com guitarras, baixos, e uma música com qualidade de ensaio”. “Back to the Shadows” traz os últimos Riffs de Metal que fiz (ainda em 2012). Nunca foi lançado de nenhuma maneira, e nem gravado ou editado além do que vão escutar, então traz toda a veia do “verdadeiro Burzum” que muitos conheceram há 2 décadas.

Aceitem isso como um adeus simbólico ao Burzum que conheceram. Além da música o vídeo também traz uma foto minha aos 17 anos de idade, idade em que conheci o Black Metal e comecei esse projeto, também peço que tomem-na como um adeus a esse velho amigo”.

Burzum – The Ways of Yore
Data de lançamento: 02 de Junho de 2014
Gravadora: Byelobog Productions

1.”God from the Machine”  1:40
2.”The Portal”  2:19
3.”Hail Odin”  3:11
4.”Lady in the Lake”  4:39
5.”The Coming of Ettins”  4:36
6.”The Reckoning of Man”  7:56
7.”Hail Freyja”  1:56
8.”The Ways of Yore”  6:11
9.”Ek Fellr” (nórdico antigo para “I Am Falling”) 2:54
10.”Hall of the Fallen”  5:06
11.”Autumn Leaves”  4:50
12.”Emptiness”  13:13
13.”To Hel and Back Again”  10:44

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