Resenha: Basttardos – Nós Somos O Bando (2019)

11:55. O trem está chegando. A pequena cidade se aterroriza com esta notícia, pois existem rumores de que o bando está vindo nele para mais uma vez atacar o lugar. Pranto e ranger de dentes tomam de conta do vilarejo enquanto o temor se agrava a cada minuto. Casas trancam suas portas enquanto as forças de segurança relutantemente perfilam para defender a cidade, dividindo o espaço das ruas com tão-somente a poeira semiárida e a luz inclemente do Sol. 12:00. O trem chega à estação e os rumores são confirmados.

Os bandidos estão de volta.

Na verdade, o bandido. O terceiro álbum do Basttardos, Nós Somos O Bando, foi co-produzido e gravado por Alex Campos praticamente sozinho, com pontuais ajudas do co-produtor Fil Buc na bateria e nos teclados e com a participação de alguns convidados especiais que serão nomeados ao longo deste texto. Apesar de Nós Somos O Bando ter sido registrado por uma “one-man band”, este se mostra o álbum mais variado e complexo da discografia do Basttardos, que ostenta em si dois elogiados lançamentos, Dois Contra O Mundo (2013) e O Último Expresso (2015), que estão ligados ao novo álbum através de links pontuais em arranjos e letras, formando assim uma trilogia.

A proposta musical do Basttardos segue a mesma: influências de Hard Rock, Heavy Metal (tanto de nuances clássicas quanto de modernas), Stoner, Southern e Pop Rock que se misturam com uma homogeneidade tão natural e fluente que talvez nem mesmo o seu mentor Alex Campos saiba explicar como ele consegue criar tal resultado. A produção, que ficou a cargo dele e de Fil Buc e que foi feita no estúdio deste último, é orgânica e um pouco suja, na dose certa para temperar o som “Redneck” da banda sem prejudicar um milímetro-cúbico sequer a absorção dos instrumentos e dos arranjos. A coisa é tão séria que a banda faz questão de pontuar no encarte do álbum que a voz de Alex não passou por qualquer tipo de tratamento artificial para a correção da voz.

A faixa-título do álbum é na verdade um prólogo, uma intro muito bonita, mas assustadora, que anuncia a aproximação do bando. O ataque começa de verdade na faixa 02, Livrai-nos Do Mal, uma das músicas mais agressivas já compostas pelo Basttardos. Variada, em sua metade ela dá uma acalmada para que um solo moldado em escalas árabes destile seu veneno por cima de bases de violão. Ao fim, os dois pequenos filhos de Alex Campos, Théo e Breno, formam um coro angelical e emocionante que repete o nome da faixa, sendo seguidos por um crescendo onde Alex começa a cantar junto. Só por esta faixa se percebe o quão complexo é este álbum.

O Coveiro é um verdadeiro Stoner Metal por conta de seu ritmo bastante cadenciado e o peso das guitarras afinadas em Dó. Após esse rolo compressor, a banda emenda um Hard Rock “Aerosmithiano” e de refrão grudento com Ela É Junkie, que joga para cima a animação e faz a festa dos farofeiros de plantão com slides e talkbox nas guitarras (sim, talkbox é aquele efeito que mistura a voz com o timbre da guitarra que o Richie Sambora usa em Living On A Prayer, certo?). Guitarras afinadas em Dó aumentam mais ainda o peso do álbum em Fuck Off!, que chega a ser mais agressiva e veloz ainda do que Livrai-nos Do Mal. Aqui, Alex lança mão de sua versatilidade vocal misturando seus vocais roucos com berros semi-guturais. Pitch-shifters nas guitarras e até mesmo algo parecido com um blast-beat na bateria reforçam a variedade e a agressividade desta composição, que, com esse título, não poderia ser mais leve.

As influencias de Heavy Metal clássico aparecem descaradamente no riff principal de Silêncio Após A Morte, uma composição de sete minutos bastante variada, que passa por ritmos groovados, guitarras de timbres limpos ou distorcidos embebidos em phaser e uma letra bastante inspirada. O último solo desta música foi gravado por Luciano Granja, ex-guitarrista do Engenheiros do Hawaii, o qual Alex campos faz questão de mencionar que é um dos músicos que ele mais admira. O álbum se encerra com a acústica country Homem do Campo. Este redator, de naturalidade cearense, não pode deixar de lembrar da banda Renegados ao ouvir esta composição, tamanha a referência ao interior que está composição expõe. É possível se imaginar deitado em um vasto campo no interior, assistindo o pôr-do-sol deixando o céu com cor escarlate e sentindo o cheiro da grama, embalado por uma brisa fria e relaxante. Sim, os bandidos que saqueiam sem dó nem piedade as pequenas cidades interioranas também curtem um momento relaxante sob a paisagem interiorana.

Este combo foi muito bem explorado pelo artista Aurélio Lara, que foi capaz de elaborar uma imagem belíssima que por si só traz todas as referências exploradas pelas músicas do álbum. Por falar nisso, o encarte de Nós Somos O Bando foi trabalho com muito esmero e bom gosto, com uma diagramação ótima para os leitores belas ilustrações que complementam a arte principal.

Existe um detalhe que foi mencionado algumas vezes nesta análise e que eu gostaria de pontuar neste parágrafo: se você escolher uma faixa deste álbum para ouvi-la dez vezes, em todas elas você perceberá novos detalhes que não percebeu na vez anterior. Vários efeitos e recursos de guitarra como phaser, talkbox e slide, elementos percussivos como triângulos e teclados em strings que sublinham o tom por vezes épico e apoteótico que são a proposta de algumas faixas como Livrai-nos Do Mal e Silêncio Após A Morte, por exemplo. Cada um destes elementos foi muito bem encaixado por Alex, como uma peça de um quebra-cabeça ou de uma escultura de Lego, enriquecendo assim cada música e atestando o que foi dito no começo deste artigo, quando foi mencionado o fato de este álbum ser o mais complexo e variado da discografia do grupo.

Pois bem. Os bandidos passaram, fizeram seus saques e foram embora no trem das 15:00. Entretanto, eles deixaram para o povoado um legado muito bonito e sentimental em forma de música, algo que deve ser ouvido e apreciado com paciência. Quando menos você esperar, estará fazendo parte do bando.

Nota: 9,0

Basttardos – Nós Somos O Bando
Data de Lançamento: 18 de outubro de 2019
Gravadora: Independente

Tracklist:
01. Nós Somos O Bando
02. Livrai-nos do Mal
03. O Coveiro
04. Ela É Junkie
05. Fuck Off!
06. Silêncio Após A Morte
07. Homem do Campo

Line-up:
Alex Campos – vocais, guitarras, contrabaixo, bateria, percussão

Colaboração:
Fil Buc – teclados, bateria

Participações:
Breno Campos e Theo Campos – vocais em “Livrai-nos do Mal”
Luciano Granja – guitarras em “Silêncio Após A Morte”

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