Muitos entendidos do Rock Clássico consideram o Uriah Heep tão importante para o Rock setentista quanto o Black Sabbath, o Led Zeppelin e o Deep Purple, especialmente na Europa. No Velho Continente e no Japão, a banda até hoje capitaneada pelo incansável guitarrista Mick Box lota estádios com seus concertos repletos de clássicos dos anos 70 e músicas mais recentes que mantém a qualidade da banda em evidência.

Isso não quer dizer que o Uriah Heep foi reconhecido massivamente desde o começo. Seus dois primeiros full-lenghts, …Very ‘Eavy …Very ‘Umble (1970) e Salisbury (1971), receberam críticas principalmente por causa de indefinições sobre o direcionamento musical. A mistura daquilo que na época era conhecido como Hard Rock com o crescente Rock Progressivo que o Uriah Heep tentava emplacar em seus dois primeiros registros ainda mostrava uma banda sem identidade formada, carente de solidificação, apesar de boas ideias existirem e de sinais de seu som definitivo já serem exibidos. Afora algumas faixas que se tornariam clássicas terem sido forjadas nestes trabalhos. Mas finalmente a banda acertou a mão em suas ideias e lançou ainda em 1971 seu terceiro álbum de estúdio, Look At Yourself, considerado o primeiro grande clássico da banda e que revelou ao mundo a sonoridade definitiva do Uriah Heep.

Logo após as gravações de Salisbury, entre os meses de outubro e novembro de 1970, o baterista Keith Baker deixou o grupo. “Eu nunca soube o que aconteceu com ele”, disse Mick Box ao site oficial do Uriah Heep. Quem assumiu o posto vacante foi Iain Clark (seu nome é assim mesmo, com dois i’s), baterista do grupo de Rock Progressivo Cressida, que também era da gravadora Vertigo. Com Mick Box, David Byron (vocais), Paul Newton (contrabaixo), Ken Hensley (teclados) e o novo baterista, a banda embarcou pela primeira vez aos Estados Unidos para apresentações junto ao Steppenwolf e o Three Dog Night. De volta a Inglaterra, o Uriah Heep já se enfurnou nos estúdios Lansdowne, considerada a segunda casa dos integrantes da banda, para registrar Look At Yourself no mês de julho de 1971.

Iain Clark

Lançado em setembro, Look At Yourself, como já foi explicado dois parágrafos acima, é a sedimentação da sonoridade pela qual o Uriah Heep se tornaria popular, como a própria banda reconhece. Assim como no álbum anterior, a maior parte das composições foi assinada pelo tecladista Ken Hensley. Todavia, as influências de Rock Progressivo, que foram proeminentes em Salisbury, foram bem balanceadas com o lado Hard Rock do grupo (um estilo que anos depois seria conhecido como Heavy Metal) em Look At Yourself. A excelente qualidade de gravação obtida nos estúdios Lansdowne conseguiu deixar em evidência as habilidades e os talentos dos cinco integrantes. O peso da guitarra de Mick Box (talvez só Tony Iommi dominasse um timbre tão pesado na época), as harmonias muito bem construídas de Hensley, a segurança do baixo de Newton, as conduções absurdamente técnicas e jazzísticas de Clarke e as intepretações emocionantes de David Byron. Tudo foi devidamente ajustado e balanceado para que o Uriah Heep enfim se sacramentasse como uma das principais bandas de Hard Rock da época.

A faixa-título, que abre os trabalhos, não foi cantada por Byron, mas sim pelo próprio tecladista Ken Hensley, em uma música que serviu de cartão de visitas para o poderoso Uriah Heep que surgia ali. As percussões que surgem na música são por conta de integrantes do grupo Osibisa, formado por refugiados africanos e caribenhos na Inglaterra em 1969. I Wanna Be Free enaltece as famosas harmonias vocais do grupo, que lhes renderam o apelido de “Beach Boys do Heavy Metal” anos depois. A seguir vem um dos grandes clássicos da história do grupo, July Morning, que com seus dez minutos não se faz de modesto e se apresenta como o suprassumo da discografia do Uriah Heep, sendo comparada por muitos a Stairway to Heaven do Led Zeppelin ou a Child In Time do Deep Purple pela estrutura longa e pela atmosfera emotiva. Tears In My Eyes tem slide na guitarra de Mick Box, bases cavalgadas de Tony Newton, “ghost notes” no caixa da bateria de Iain Clark e uma interpretação absurda de Byron. Faltou falar de Hensley? Não seja por isso! Os violões que surgem no meio da música são tocados por ele. Destaque também para as mudanças repentinas de andamento depois dos trechos com violão.

Shadows Of Grief parece mais nome de música de banda de Doom Metal, mas na verdade ela é uma das composições mais frenéticas e técnicas do álbum com seus mais de oito minutos de muita dinâmica e virtuosismo. What Should Be Done é uma balada à la Joe Cocker muito bonita e que prova que David Byron não deve nada a Ian Gillan ou a Paul Rodgers. O álbum se encerra com a curta, direta e mortal Love Machine, encerrando assim um dos grandes registros da história do Rock. Um dos mais importantes músicos do Rock setentista, Manfred Mann, participou do álbum tocando o famoso sintetizador Moog nas músicas July Morning e Tears In My Eyes.

A capa de Look At Yourself trazia uma espécie de buraco em seu meio em forma de moldura, seguido por uma folha de plástico que refletia de forma distorcida a imagem da pessoa que o olhava, como um espelho, em alusão ao título do álbum (ah, os tempos do vinil!). Look At Yourself foi o responsável por fazer o Uriah Heep aparecer pela primeira vez nas paradas britânicas, na posição de número 39. Para atestar mais ainda o sucesso de Look At Yourself, foi neste período em que públicos maiores passaram a vê-los ao vivo por toda a Europa. A importância deste álbum é tão grande que, quando o mesmo foi lançado na Bulgária já nos anos 80 (cabe lembrar que em plena Guerra Fria os países que viviam sob regime socialista quase não recebiam obras artísticas de países do outro espectro econômico), um costume começou a ser praticado: milhares de pessoas se reuniam todos os anos às margens do Mar Negro para ver os primeiros raios de sol do mês de julho inspirados pela música July Morning. Em pouco tempo este costume se tornou uma verdadeira tradição nacional, lotando as praias do Mar Negro de gente todos os anos e com participações esporádicas de ex-integrantes do Uriah Heep.

De cima para baixo: Mick Box, Tony Newton, Ken Hensley, Iain Clark e David Byron

Em novembro de 1971 a cozinha da banda foi embora. O baixista fundador Tony Newton resolveu deixar a banda se sentindo desconfortável por conta de conflitos entre seu pai, que foi o primeiro empresário da banda, e o então manager Garry Bron. Outro motivo de seu desconforto foi o fato de ter sido deixado de lado na importância para a banda desde a chegada do tecladista Ken Hensley, que tão logo chegou ao Uriah Heep assumiu o posto de principal compositor. Mark Clarke assumiu o baixo por pouco tempo, sendo substituído pelo neozelandês Gary Thain. O baterista Iain Clark também saiu e foi substituído por Lee Kerslake. Esta formação fez uma nova visita aos Estados Unidos no começo de 1972.

Também foi esta a formação que gravou e lançou em 1972 aquele que é considerado o maior clássico da longa discografia do Uriah Heep, o inefável Demons And Wizards, mantendo na estratosfera o nível de inspiração e de virtuosismo do grupo. Mas isso é história para amanhã, aqui nesta seção Roadie Metal Cronologia.

Look At Yourself – Uriah Heep (Bronze Records, Island Records, Mercury Records, 1971)

Tracklist:
01. Look At Yourself
02. I Wanna Be Free
03. July Morning
04. Tears In My Eyes
05. Shadows Of Grief
06. What Should Be Done
07. Love Machine

Line-up:
David Byron – vocais
Mick Box – guitarras
Ken Hensley – teclados, violões, vocais de apoio, vocais principais em Look At Yourself
Tony Newton – contrabaixo
Iain Clark – bateria

Participações:
Manfred Mann – sintetizador Moog em Look At Yourself e em Tears In My Eyes
Ted Osei, Mac Tontoh e Loughty Amao (Osibisa) – percussão em Look At Yourself