Resenha: Vênus – Vênus (1986)

Esse disco é, com certeza, um marco do Heavy Metal brasileiro, pois trata-se de um dos primeiros trabalhos do estilo produzidos por uma banda do Nordeste.

Tendo sido lançado no mesmo ano de 1986, quando Dorsal Atlântica e Sepultura também soltavam seus primeiros álbuns, o Vênus colocou o Piauí no mapa, sendo imediatamente seguido pelo Thrash Metal da Megahertz, que à mesma época despontava com sua primeira demo-tape, “Adrenalina Total”. Se as coisas já não eram fáceis no Sul e Sudeste do país, onde o cenário se movimentava com mais desenvoltura, as bandas das demais regiões tinham que ralar em dobro, em triplo, para poderem aparecer. O Vênus fez sua parte e deslocou-se até São Paulo para divulgar seu nome, mas eram outros tempos, onde mesmo uma matéria ou uma resenha, em algum veículo especializado, não tinha uma ínfima porcentagem do efeito que tem hoje. Nesse ponto, me parece que esse álbum, o único registrado pela banda e do qual só foram produzidas 500 cópias, pode ter sido beneficiado por alguma divulgação extra por conta do destaque maior que teve o Avalon, segunda empreitada dos guitarristas Ico e Thyrso. O interesse gerado pela banda derivada, que obteve mais popularidade, ajudou a repercutir o trabalho anterior.

Essa perspectiva, é claro, não tem nenhuma relação com a qualidade da obra em si, mas baseia-se apenas nas minhas próprias lembranças de como eram as coisas no período, pois mesmo eu, vivendo no estado vizinho e acompanhando o máximo de fanzines que podia alcançar, conheci o disco na casa de amigos meus, sem ter absolutamente nenhuma referência anterior do mesmo. Essa, certamente, era uma situação que não fazia jus à obra.

O disco é de uma excelência ímpar. A produção é precária, mas o resultado criativo é excelente. Torno a lembrar que era 1986 e, para quem viveu o período, havia uma influência quase onipresente de Iron Maiden nas bandas emergentes. O Vênus ia por outro caminho, tinha uma pegada mais próxima do final dos anos setenta. Não sei se é a produção, o timbre que o disco reproduz, que me faz pensar assim, mas eu não consigo escutá-lo sem que a minha mente me remeta ao som que fazia a banda paulista Patrulha do Espaço. E creia-me: não poderia haver uma comparação mais elogiosa do que essa!

A audição se inicia com a faixa peculiarmente intitulada “Babão”, que é uma boa música e apenas prenuncia o material que vem pela frente, que vai apenas melhorando. Não há necessidade de detalhar música por música, mas “Existência” é a típica canção que nos faz aumentar o volume! Digo mais: é, provavelmente, uma das melhores faixas de Heavy Metal em português de sua época. Tem um trabalho melódico que prende nossa atenção desde o primeiro acorde e, por sinal, o que a dupla de guitarristas faz é um ponto positivo do disco por inteiro. Não, ninguém vai encontrar nada de extraordinário. É simples e é básico, mas é tudo concebido com extremo bom gosto. Melodias e riffs de guitarra que lhe fazem lembrar que existem melodias e riffs de guitarra. Quantos e quantos discos nós ouvimos que, apesar de bem feitos, não lhe fazem sentir aquela necessidade de parar pra curtir melhor algum elemento específico da música? O trabalho da dupla Ico e Thyrso teve esse efeito sobre mim, de atrair o pleno foco de minha atenção para o que as guitarras estão fazendo.

O outro grande destaque do disco é a faixa denominada “Metal”, e que, diga-se, honra o seu título, inclusive pela presença, em sua parte intermediária, de algumas notas que me fizeram lembrar de “Beyond the Realms of Death” do Judas Priest.

Enfim, esse é um disco que não é fácil de ser encontrado, mas que vale a procura. É um disco que não aparece nas listas das grandes revistas, mas que representa um grande momento do cenário nordestino e brasileiro. Tem valor histórico múltiplo pois, não obstante a primazia de seu conteúdo, representa o esforço de lançar um álbum numa época em que isso estava longe de ser tão simples quanto hoje se tornou. Lembra-nos que, antes de bater cabeça fisicamente, foi preciso que muita gente batesse cabeça metaforicamente para que o estilo criasse raízes em nosso país.

Músicas

  1. “Babão”
  2. “Solta o Vírus”
  3. “Existência”
  4. “Cinza”
  5. “Metal”
  6. “Misticismo”
  7. “Elos de Nossa Utopia”
  8. “Armagedom”
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