Não tem jeito. O tempo passa, as inovações vão e vêm, a música fica mais brutal, mas o Metal Tradicional sempre terá seu espaço preservado. Há uma magia especial, um carisma nesse tipo de música, que a impede de envelhecer.
Existe, no entanto, uma armadilha para as bandas mais jovens que resolvam se aventurar por esse caminho. Depois de tanto tempo de trajetória, praticamente tudo já foi feito em termos de Heavy Metal padrão. Então, ou você cria suas composições com verdadeira paixão e espontaneidade, ou será apenas mais-do-mesmo, um esboço artístico sem um rosto próprio. E considerando o levante atual de bandas nessa seara, como Ambush, Enforcer, Steelwing e quetais, esse risco torna-se ainda mais evidente.
No Brasil, os cariocas do Facing Fear têm despontado como um dos principais nomes a serem encaixados dentro desse contexto e a ocupação de espaço que eles vêm pouco a pouco construindo não é gratuita. Vamos voltar ao parâmetro dicotômico de há pouco: A banda quer reinventar a roda? Claro que não! Existe paixão genuína em sua música? Sim, indubitavelmente.
O quarteto existe desde 2016 e já conta com um EP “Lutaremos Pelo Metal” em seu currículo. O presente álbum surge para estabelecer raízes no que foi prometido no trabalho de estreia e já chama atenção pela bela capa, claramente inspirada na obra prima “Abigail” de King Diamond! A musicalidade, porém, é outra bem diferente e os riffs judaspriestinianos da introdução de “Hell´s Killer” não mentem. A canção tem peso, melodia, velocidade padrão – sem descambar para o Speed – e um refrão de duas palavras com funções bem distintas para o momento do show: a plateia grita “Hell” e a banda complementa com “Killer”.
A estrutura da canção e os timbres vintages irão lhe proporcionar uma viagem no tempo para a época em que o mundo do Metal se dobrava perante bandas do naipe de Picture, Grim Reaper, Omen, Loudness, Tyrant… Mas a faixa seguinte, “Tragedy – The Lonely Soldier” foi essencial para alavancar a qualidade do disco durante o meu processo de audição. Explico: a segunda faixa é uma daquelas músicas onde o acelerador é pisado e não alivia até o seu final, prosseguindo em um fôlego só com uma rifferama digna de um Running Wild. O diferencial foi na voz do vocalista Terry Painkiller. Na primeira canção, ele estabeleceu um timbre agudo calcado em Chris Boltendahl, do Grave Digger, e manteve esse padrão até o fim. Ok, funcionou ali, mas eu temi que esse recurso interpretativo fosse levado adiante e, felizmente, não foi o que aconteceu. Na segunda música, os tons médios são a tônica e os agudos ressurgem apenas para pontuar alguns versos. Excelente! As variações vocais são essenciais para a dinâmica de um disco e Terry fez a sua parte, mas ainda espero vê-lo ampliando seus recursos e experimentando tons mais graves, em proveito de abrir ainda mais oportunidades criativas para a banda.
“Until The End” é uma canção onde os instrumentistas interagem bastante entre si, antes de diminuírem um pouco o andamento para a ótima “I Wanna Play The Sound”. Me parece que ninguém consegue fazer uma música ruim se coloca a expressão “I wanna” no título. É uma forma de autoafirmação, uma imposição, e que acaba tendo efeito de contágio sobre o ouvinte. Após a correta “Run For My Life”, “Calling Me” é uma canção mais climática, com toques das baladas pesadas do Metallica na parte do refrão. A sua sequência final permite que o guitarrista Raphael Dantas explore mais o momento do solo, embora o encerramento em fade out pudesse ter sido deixado de lado.
Se considerarmos o somatório de elementos como composição, arranjo e interpretação, “War Of Lies” tende a ser o grande destaque deste disco e vale ressaltar o duo baixo e bateria da dupla Nathalia Souza e Vall Maranhão no refrão. “Snow Witch (Yuki-onna)” torna a acelerar e traz Terry novamente ligado no modo agudo, mas de uma forma totalmente diferente da faixa de abertura, reafirmando que detém recursos de interpretação à sua disposição.
Chegando perto do final, outra canção de autoafirmação em “We Are Facing Fear”, essa com fortes elementos de Judas Priest. A última música será aquela que deu nome ao disco e, ao contrário das demais, é cantada em português. Escolha sensata, pois sua letra trata sobre uma lenda do folclore maranhense, naturalidade do baterista Vall. As características próprias do Facing Fear, com uma letra em português, fazem com que queiramos remeter a banda para a proximidade da geração SP Metal, que não se esgotava naquele estado, mas também podia ser representada ao longo do território brasileiro através de grupos como Taurus, Ovedose, Stress, Alta Tensão, Harppia e tantos que se empenhavam em demonstrar que nossa terra tem palmeiras onde as guitarras explodem e produzem um dos cenários de Metal mais relevantes do mundo. O Facing Fear é um dos novos nomes que se propõem a garantir que essa verdade não seja contestada. Irão conseguir? Os primeiros passos são promissores. Estamos torcendo pelo que farão no restante da caminhada.
Formação
Terry Painkiller – vocal
Raphael Dantas – guitarra
Nathalia Souza – baixo
Vall Maranhão – bateria
Músicas
01 Hell’s Killer
02 Tragedy / The Lonely Soldier
03 Until The End
04 I Wanna Play The Sound
05 Run For My Life
06 Calling Me
07 War of Lies
08 Snow Witch (Yuki-onna)
09 We Are Facing Fear
10 Ana Jansen