Em 25 de janeiro de 1999, o NEVERMORE lançava o seu terceiro disco de estúdio, chamado “Dreaming Neon Black“. E se no primeiro disco, a banda ainda apresentava latentes características do antigo SANCTUARY e no segundo disco, os caras já começavam a formar o embrião da sonoridade simplesmente impossível de se rotular, neste disco, ai é que o ouvinte apegado às ramificações, fica mais confuso. Mas confuso no bom sentido da palavra.

Voltando um pouco no tempo, a banda estava colhendo os frutos do excelente disco antecessor, “The Politics of Ecstasy“, que incluiu uma tour sendo banda de abertura do DEATH. Os caras precisavam se superar. E o magnífico e imortal Warrel Dane trouxe um conceito para o disco, cujas letras tratariam da lenta decadência de um homem ao perder a sua namorada. O homem em questão, é o próprio Warrel, que tinha uma namorada, que morreu após entrar para uma seita que pregava o uso de drogas pesadas. Ele tinha pesadelos, nos quais a moça clamava seu nome enquanto sucumbia afogada, e isso explica as duas versões da capa do disco, em uma delas, um corpo feminino boiando, já sem vida e na outra versão, uma mulher submersa na água, com uma das mãos para fora, esperando ajuda.

A banda, reforçada com mais um guitarrista, Tim Calvert (1965-2018), entrou no “Village Productions“, novamente com Neil Kermon na produção e o resultado foi um disco forte, denso, desesperador e a performance vocal de Warrel foi simplesmente de emocionar qualquer ouvinte.

Em conversa recente com os integrantes da banda brasileira que acompanhou os anos finais da carreira do frontman e que gravou o excelente disco final dele, “Shadow Work“, o guitarrista Thiago Oliveira me relatou que o próprio Warrel tinha dito que considerava em “Dreaming Neon Black” a sua obra prima enquanto vocalista e também considerava o melhor disco que ele já havia gravado. Eu digo que enquanto intérprete, ele foi magnífico, pois mesmo essa história não tendo acontecido com ninguém que conheço, eu consigo sentir toda a angústia, o desespero e o sentimento de que você não terá de volta aquela pessoa a quem você amava. Todas as vezes que eu escuto este disco, a sensação que eu tenho é que como se essa moça fosse a minha namorada.

Claro que como fã incondicional do NM, eu amo não só este, mas como todos os discos lançados pela banda, e a minha relação com ele é muito especial. Explico: até 1999 eu só conhecia a banda porque eu era leitor e colecionador da revista “Rock Brigade” (quem tem mais de 30 anos sabe do que eu estou falando) e uma vez veio um pôster dos caras em uma das edições. E me lembro bem que uma namorada que eu tinha na época me perguntou que banda era aquela, eu respondi que não sabia. Essa história se passou em 1997, e eu não fazia a mínima ideia do que eu estava perdendo. Mas no ano de 1999, com o advento, mesmo que efêmero de uma revista chamada “Planet Metal“, que trazia consigo um CD coletânea encartado, eu pude, na edição #8, conhecer a banda. E pirei quando escutei “Poison Godmachine“. Daí para me tornar fã, e depois (a modéstia vai ficar um pouco de lado), ser considerado por alguns amigos e até mesmo colegas de redação aqui da ROADIE METAL – A VOZ DO ROCK, como “autoridade no Brasil quando o assunto é NEVERMORE”  foi um caminho bem longo.

Mas virei fã da banda, e como estávamos na virada do milênio, este novo nos trouxe o advento e a internet mais popularizada me permitiu baixar o disco, escutar e pirar sempre com esta obra maravilhosa. Então, a gente coloca a bolachinha para rodar e temos a intro, chamada “Ophidian”, que confesso pular sempre, pois a ansiedade em ver as guitarras gritando. E “Beyond Within” abre muito bem o disco. Ela não é tão depressiva quanto as músicas que virão adiante, mas é pesada, densa, certeira, ótima para abrir um disco e abrir shows. Jeff Loomis e Tim Calvert dividem bem os solos aqui. E a ponte para o refrão já diz como vai ser o disco: “Welcome to the fall“.

The Death of Passion” mantém o peso, mas aqui você já sente o desespero tanto na interpretação, quanto na letra e o refrão que gruda como chiclete: “I feel so hollow“. Destaque para a cozinha, Van Williams e Jim Sheppard mostram um entrosamento quase que perfeito. Além das guitarras com riffs pra lá de cavernosos, lindos, sem palavras para descrevê-los. Como eu costumo falar, aqui nascia o Thrash Metal do novo milênio. É uma das minhas favoritas do disco. Apenas Loomis trabalhou no solo desta música.

I am the Dog” é uma música fantástica, que trata dos sonhos de Dane com a sua namorada falecida. Ela já é mais puxada para o Metal tradicional, embora tenha muito peso, com passagens progressivas. Excelente música. Assim como na música anterior, apenas Loomis fez o solo.

Chegamos à faixa título e aqui temos uma das músicas mais complexas de toda a carreira do NEVERMORE. “Dreaming Neon Black” começa com um violão e Warrel cantando que sente a falta da namorada, da sua respiração em seu pescoço. É uma espécie de continuação da faixa anterior, quando ele ainda trata dos pesadelos. Musicalmente ela é sombria, densa, com seus momentos de peso, sobretudo no refrão. Esta música conta com a participação de Christine Rhoades, abrilhantando ainda mais a canção. Ela já havia participado no debut da banda e anos depois, em 2012, cantaria em algumas faixas do disco solo de Jeff Loomis, Plains of Oblivion.

Deconstruction” é outra das minhas favoritas do disco. Com uma letra forte, criticando o cristianismo, e afirmando todo seu ateísmo a quem ainda não conhecia, Dane foi novamente brilhante nesta música, que começa arrastada e ganha força a partir da segunda estrofe, se tornando gigante. Uma pena que esta música não era muito executada ao vivo. Aqui, o solo acústico ficou por conta de Loomis, enquanto que o solo “plugado” ficou com Calvert, que por sinal, ficou lindo.

The Fault of Flesh” já traz um clima Thrash Metal. Uma boa canção. Só não é tão brilhante quanto as anteriores.

The Lotus Eaters” é uma música que não tem muito a ver com o estilo do NEVERMORE, mas eu amo esta música. Talvez seja pelo tom desesperador de Dane aqui, onde ele questiona a Deus por não nos escutar, talvez por ser uma música densa, emocionante. Me arrepio todas as vezes que escuto essa faixa, isso que eu chamo de sentir a música.

Ai chega a minha música favorita de todos os tempos do NEVERMORE: “Poison Godmachine“. Ela tem tudo que eu gosto: peso, palhetadas, riffs maravilhosos, a letra ácida de Warrel, na qual eu concordo com cada letra que ele escreve aqui, principalmente quando ele diz que “Deus é uma palavra usado para causar medo“. Esta música é especial pela história que contei acima de como conheci a banda, é especial por eu considerá-la a melhor da banda e depois da morte de Warrel, eu descobri que essa era também a sua música preferida. E lembro que cantamos juntos um pedaço desta música quando eu o conheci… Caros leitores, impossível conter a emoção ao escrever essas linhas. Nesta faixa, Jeff e Calvert dividem o solo, excepcional.

Passada a emoção com a faixa 9, entramos na parte final do disco, e é ai que a banda peca. O disco perde um pouco do seu brilho com as faixas “All Play Dead” e “Cenotaph“. A primeira nem de longe é uma música que possamos destacar como sendo das melhores da carreira e a segunda, embora não seja ruim, não carrega o mesmo punch das músicas anteriores. Mas elas tem uma razão para estarem no disco, afinal, lembremos, trata-se de um disco conceitual.

Porém, logo depois de o nível cair um pouquinho só, as coisas voltam à normalidade: “No More Will” começa com um lindo dedilhado de violão por Jeff Loomis para logo se tornar um Metal bem honesto, pesado, denso e com lindas melodias. Outro ponto máximo da carreira da banda.

Forever ” é a canção em que Dane se despede da namorada e eu sempre uso um trecho desta música quando quero prestar qualquer tipo de homenagem a este grande homem que foi Warrel George Backer.

“You are forever in my heart, you never died

You are forever i still wonder where you are.”

A música em si, é bem pequena, é como se fosse um epílogo da história narrada, com todo o sofrimento do artista em perder a pessoa que ele tanto amava para uma seita absolutamente cretina, que certamente ganha muito dinheiro ceifando vidas.

Deixe a bolachinha rodar por por alguns minutos e entra a faixa escondida (bem, nem tão escondida assim, já que ela é anunciada na contracapa do disco) “Optmist or Pessimist“, que na época em que baixei o disco, eu não conhecia, mas quem conhece, sabe que ela é a faixa que abre o EP “In Memory” (1995). Uma canção Thrash Metal, com a cara do NEVERMORE, ou seja, moderna. Trata-se da mesma versão usada no lançamento original, sem retoques, sem regravação. Excelente canção.

Ai as gravadoras que distribuíram o disco no Brasil (Rock Brigade Records e Laser Company) cometeram um erro inaceitável: eles anunciaram como bônus a música “In Memory“, como sendo a faixa #15, porém, a música simplesmente não está no cd. Na época eu fiquei bastante frustrado, pois queria conhecer esta música. Precisei comprar anos depois, o EP para poder conferir. Sobre este lançamento, prometo uma matéria sobre ele quando do seu aniversário.

Foto: arquivo pessoal

Uma outra curiosidade que os rapazes da banda solo de Warrel me contaram também é sobre um anel que eles encontraram entre os pertences dele, quando juntavam tudo para enviar à sua irmã. E este anel, nas palavras deles, era como se fosse um anel de noivado, provavelmente ele teria usado com esta moça. Nunca saberemos. Fato é que ele carregava consigo esse anel onde quer que ele fosse.

Um disco absurdamente maravilhoso, pesado, denso, com uma história pesada, mas emocionante. Está no meu Top 3 da banda. E que hoje, mesmo 20 anos depois de seu lançamento, permanece atual. Envelhece bem e merece muito ser comemorado. Longa vida ao “Dreaming Neon Black“, que fechou muito bem o trabalho do Metal no milênio passado.

Formação:

Warrel Dane – Vocal

Jeff Loomis – Guitarra

Tim Calvert – Guitarra

Jim Sheppard – Baixo

Van Williams – Bateria

Tracklisting:

01 – Ophidian

02 – Beyond Within

03 – The Death of Passion

04 – I Am the Dog

05 – Dreaming Neon Black

06 – Deconstruction

07 – The Fault of the Flesh

08 – The Lotus Eaters

09 – Poison Godmachine

10 – All Play Dead

11 – Cenotaph

12 – No More Will

13 – Forever / Optmist or Pessimist (hidden bônus track)