Ao pessoal um pouco mais velho e pesquisadores da música pesada, o nome de Kelson Frost é sussurrado como um dos heróis da primeira fase do Heavy Metal no Brasil. Este artista foi responsável por nada menos que algumas das capas de bandas de Metal brasileiras dos anos 80 e 90 que se tornaram referência para o mundo, tais como Sarcófago, The Mist, Witchhammer, etc., bandas da gravadora Cogumelo Records (de Belo Horizonte/MG, conhecida no cenário musical como a Bay Area brasileira), e com certeza sua arte influenciou uma legião de artistas do cenário. Nesta entrevista exclusiva à Roadie Metal, Kelson Frost conta um pouco sobre sua trajetória para nós!
Roadie Metal: É um prazer recebê-lo na Roadie Metal, Kelson! Pra começar, conte-nos um pouco de seu início como artista plástico, como aconteceu de começar a trabalhar com bandas nos anos 80 e qual foi seu primeiro trabalho?
Kelson Frost: Primeiramente, obrigado pela oportunidade de expressar e parabéns à Roadie Metal!
O desenho e a pintura foram uma realidade para mim desde a infância. Comecei a pintar aos 9 anos. Quando jovem, eu morava em Vitória e vinha muito a Belo Horizonte, onde conheci a banda The Mist (ex-Mayhem), que me chamou para fazer a capa de seu primeiro disco. Acabei me mudando para BH. Naquela época era o sonho para todos que curtiam Rock morar em “Belzonte” (apelido carinhoso dados pelos moradores à cidade)… então, aceitei fazer o que fosse possível para fazer parte do “Metal mineiro”. Apesar da capa do Sarcófago ter saído primeiro, o primeiro trabalho foi a capa de “Phantasmagoria” para o The Mist.
Roadie Metal: Qual sua visão do cenário Heavy Metal nesta época?
Kelson Frost: Os shows me seduziram primeiramente… porque ouvir as bandas daqui (BH) já era quase uma totalidade. Todo mundo tinha vários discos da cena mineira… Mas o legal era ver como isso se dava num palco… a produção, os locais e claro, a turma com a qual me identificava, era uma avalanche de shows bem produzidos e muita banda que despontava com originalidade. Digo, principalmente pelo Thrash e Death Metal, que eram a novidade depois do Heavy tradicional. Aí, com a ascensão do Sepultura, percebi uma nuvem ofuscando muitas bandas. Algumas delas mudaram seu estilo, foram afunilando sua originalidade para seguir uma suposta “receita” deste suposto sucesso e eu estranhei. Aos poucos fui perdendo o encantamento. Já no início dos anos 90, parti em busca de outras vertentes, onde se misturavam estilos e elementos, timbres e até filosofia, mas que não fossem comerciais.
Roadie Metal: Além das bandas com quem trabalhou, que outros artistas da época teve oportunidade de ter contato?
Kelson Frost: Em Minas Gerais, acho que tive contato com todas as bandas. No Rio eu gostei muito de conversar com Carlos Vândalo (Dorsal Atlântica) e as Volkanas (DF), mas somente para o MX, eu fiz uma capa meio que corrida, mais que as demais, já que todas eram corridas (risos).
Roadie Metal: Quando começou a fazer as capas dos álbuns das bandas nesta época, qual era seu método de trabalho? Você criava baseado no que as bandas e as gravadoras pediam ou você tinha liberdade para criar todo o conceito?
Kelson Frost: Na época, eu precisava me manter em BH e então eu me sujeitei a fazer o que me pediam, por mais que isso me incomodasse. Eu, particularmente, sempre gostei de trabalhos originais e que destoariam de algumas propostas quase “modistas”. Mas não era fácil. Primeiro, a metáfora pede um certo embasamento e as pessoas confundiam o “expressar” com o “impor”. Vem em mente aquele bordão: “de médico e louco todo mundo tem um pouco”. Diria eu, de “pintor” porque todo mundo quer opinar e eu é quem vou assinar, assumir. Era, e é comum que as pessoas venham me dizer como deve ser a capa. Faltam pouco para pegarem a minha mão e executar o trabalho, uma vez que acham que já dominaram meu cérebro… (risos). Algumas pessoas não se dão conta de que um profissional consegue compreender com mínimas palavras e referências. O importante é eu me sentir dentro do projeto, como um membro da banda. Eu não me senti livre para desenhar ou pintar as capas que me apareciam… deixo claro que essa insegurança era de todos, tanto eu com minha necessidade financeira e as bandas com suas inseguranças. Era comum que algumas bandas chegassem até mim com um desenho pronto ou pinturas de outros artistas e que também não me permitiam usar apenas como referência ou influência… era aquilo e pronto. Às vezes me deparo com comentários bem cruéis sobre estes trabalhos, mas por desconhecimento, preferem me atacar não imaginado que foi uma imposição. Respondendo a sua pergunta, raramente, poucas bandas me permitiram ser o artista de livre pensamento, somando ao trabalho musical.
Roadie Metal: Acredito, por exemplo, que a capa polêmica de “Rotting” do Sarcófago tenha dado muita visibilidade a seu trabalho nesta época. Fale um pouco sobre este trabalho específico.
Kelson Frost: De fato, talvez seja o trabalho mais comentado e polêmico (em alguns países a capa é até censurada) e que para mim foi um grande desafio.
A banda trouxe a foto de uma pintura renascentista de Giovanni Bellini (1470). Gostei muito, porque me dediquei às pinturas renascentistas por muito tempo e me senti à vontade também, com a banda me deixando livre para criar em cima dessa imagem.
Roadie Metal: Fez trabalho para bandas estrangeiras também?
Kelson Frost: Não.
Roadie Metal: As capas que fez para a banda The Mist (“Phantasmagoria” e “The Hangman Tree”) estão entre as mais bonitas da história do Metal nacional; Fale sobre elas.
Kelson Frost: Como disse acima, “Phantasmagoria” foi a primeira capa que fiz e significa muito para mim. Através dela foi que mudei de cidade, coloquei meus pés num movimento musical que eu me identificava e seria o meu primeiro trabalho impresso. Até então, eu pintava somente telas com outras temáticas. Ao mesmo tempo, me deixa um tanto receoso, devido as críticas e questionamentos por ser uma releitura de um grande artista, Michael Whelan.
Esses dados referentes a trabalhos incidentais e direitos autorais são de responsabilidade de uma gravadora e deveriam estar contidos na ficha técnica do encarte. Não fui eu quem escolheu o desenho. Mas éramos muito jovens, sem experiência alguma sobre qualquer burocracia. Uma banda naquela época sonhava muito em ter um empresário que soubesse trabalhar com essas cláusulas burocráticas.
Quanto à arte, eu gosto muito do “Phantasmagoria”. Aquele desenho traduz perfeitamente o tema disco. Foi uma ótima escolha da banda e gosto também muito do que aprendi ao executá-la. É uma referência artística para mim até hoje.
“The Hangman Tree”, já nos deu obrigações, talvez, em superar ou manter o prestígio da primeira capa. A temática do disco já se endereçava nitidamente em como deveria ser e a banda também. Livre ou não, não me recordo de algum desagravo e o que me empolgava era o fato de fazer uma arte para álbum capa dupla. Era prazeroso abrir um disco de capa dupla.
Rodie Metal: Você também possuía sua própria banda nesta época, o Gothic Vox, que conseguiu boa projeção no cenário nacional.
Kelson Frost: Uma banda de passagem muito rápida e tudo imprevisível. Não deu para fincar o pé exatamente no cenário, mas o bom é que, no turbilhão de improvisos, parece que surtiu um efeito positivo, raro, estranho e de difícil assimilação diante do cenário da época. Todas as críticas das revistas de música foram muito positivas e a gente era pego de surpresa a cada uma delas… Nós não tínhamos pretensão de nada, éramos apenas amigos (expulsos de bandas) e descobrimos que a sintonia entre nós era muito grande musicalmente e sentimentalmente. Cada um gostava de uma vertente musical e foi de fácil somar elas. Foram três ou quatro shows e já estávamos entrando num estúdio sem a mínima ideia do que fazer. Era pouco dinheiro até então custeado por um admirador e idealista, Mauricio da Miragem Discos. Com falta de grana, naquela época, a crise era muito grande, e isso nos obrigou a entregar à Cogumelo Records para distribuição e não perdêssemos mais tempo. Pouco antes do lançamento do disco em 1992, o guitarrista Reinaldo Bedran “Cavalão” (ex-The Mist) faleceu e perdemos a figura central. Era o eixo da banda, dos sonhos e da diversidade que precisávamos. Não foi fácil lidar com a perda e fomos nos desmotivando. Da formação original de 1990, somente eu segui por um tempo – até 93, e mudei de Belo Horizonte. Os shows eram bem interessantes. Eram teatrais e era comum ver várias “tribos” se confraternizando. Isso é impagável!
Roadie Metal: Desta época, quais as bandas que você mais gostava pessoalmente?
Kelson Frost: Acho que dentro do Rock e naquela época, eu me apeguei mais ao Crossover. Escutava de tudo, mas minha busca era por bases mais marcantes, cheias de grooves pesados e também já me inclinava para o Black/Soul, para o Eletrônico e o Pop. Eu ouvia muito o Psychic Possessor, Megadeath, Crumbsuckers, Death Angel, Danzing, Voivod, Bad Brains, Big Black…
Roadie Metal: Algum fato curioso destes anos dourados?
Kelson Frost: Com o fim do regime militar, acho que o clima geral era de uma ânsia por liberdade e isso nos fez mais igualitários e parecíamos ser mais tolerantes, mais amigáveis e mais sonhadores. Era nítida essa percepção em todos os encontros, shows, bares, na porta das lojas de discos, nas praças. Todo mundo tinha uma banda para você conhecer ou pegar um instrumento emprestado e isso era uma força motora, uma vez que o Heavy Metal era muito mal visto e associado a diversas superstições conservadoras.
Roadie Metal: Pra você que acompanhou todo o nascimento desse cenário, qual sua visão pessoal do Metal? Gosta das bandas atuais?
Kelson Frost: Vou pegar leve, me esforçarei. Talvez se não tivéssemos internet, eu ainda estaria nos guetos, nos botecos, shows e encontros. Mas confesso que alguns fãs de Heavy Metal hoje me causam um pouco de repulsa. São muito conservadores sobre direitos, políticas e destoam demais do que sou e o que acreditava ser o movimento. Toda vez que vou à alguma revista eletrônica desse gênero ou ate mesmo no Youtube e Facebook, me deparo com comentários sobre temas diversos e eu fico perdido com as afirmativas de pessoas ligadas ao “Metal” e me pergunto: será que as pessoas eram assim e não percebíamos? Ou será que embruteceram com passar do tempo? Não confere com as lutas por liberdade que deram origem ao Rock. O cabelo grande, roupas desgastadas, falar de sexo e sua diversidade, críticas aos sistemas totalitários expressos na maneira de tocar, cantar e se expressar não eram de jeito nenhum conservadores. Com o advento da internet, os grupos de discussão, redes sociais me dão uma sensação de perda. Deu errado. Acho que o ostracismo cultural tem nos deixados órfãos. Desculpem-me, amigos, mas dá a entender que existe um vazio que vira ódio instantâneo. A intolerância tomando o lugar da Arte, Ação e Revolução. Em outras palavras, uma frustração generalizada que talvez sempre foi assim ou as máscaras não se sustentaram.
Roadie Metal: Qual sua opinião sobre as artes das capas hoje em dia?
Kelson Frost: Não conheço. Não acompanho mais o movimento Heavy Metal.
Roadie Metal: Hoje em dia, além do trabalho para bandas, você se dedica a uma carreira, divulgando seu trabalho com uma arte mais pessoal. Qual o conceito e objetivos desse seu processo atual como artista?
Kelson Frost: Eu sempre fui um pintor de telas. Gosto de todos movimentos artísticos, que vão desde o primitivo ao acadêmico e ao contemporâneo. Gosto de técnica mista e temas diversos. A cada série que eu estou envolvido, as obras me surpreendem com um conceito distinto. Pintar é também a base para eu fomentar outros trabalhos com outras plataformas ou ferramentas, como a fotografia, cinema, cenário e vídeo.
Roadie Metal: Você hoje é também um artista politizado, pelo que acompanho nas redes sociais. Isso se reflete na temática de seu trabalho também?
Kelson Frost: Gosto muito dos movimentos sociais, que timidamente vão se unindo e aparecendo mais, tentando erradicar uma desigualdade secular. Pela primeira vez, dentro dos 500 anos, estamos vivenciando um projeto contra uma linha meritocrática com programas afirmativos que tem gerado muitas polêmicas de quem não aceita. O novo é de difícil adesão e naturalmente gera muitos questionamentos, muita demonização, desinformação e num país que ainda consome o discurso de colonizado, nos vejo despreparados, com uma barreira enorme na construção da autoestima. Por isso gosto de me pontuar em redes sociais sobre estes temas.
Quanto à arte, não. A arte não tem obrigação de ser panfletaria, levantar bandeiras, ou ter que dizer alguma coisa, como também, pode o ser tudo isso. Quem tem competência que se estabeleça. Não é meu caso. Confesso que até gostaria, mas sou receoso ao idealizar ou colocar a arte pictórica dentro de um conceito, talvez dentro de uma caixa e “despachar”. Existem pessoas que se dedicam a isso e fazem trabalhos maravilhosos. Geralmente são os que mais me chamam atenção, mas eu não me sinto bem durante o processo, sou muito volátil e desobediente. Gosto de me sentir conduzido pelo imprevisível, uma vez que são poucos os momentos que realmente nos permitimos fugir da realidade. Quanto a vídeo, fotografia, sim, me aprofundo nos temas políticos sociais.
Roadie Metal: Foi um prazer ter você em nosso espaço Kelson! Boa sorte com seus projetos!
Kelson Frost: Muito obrigado, foi um prazer e um grande abraço a todos vocês!
Para conhecer mais sobre o artista acesse seu Facebook!
Confira mais algumas capas feitas pelo talento de Kelson Frost para bandas nacionais: