A história do Yes é tão complexa quanto a sua própria musicalidade. Para aqueles que desejam se aprofundar e entender melhor esta que é uma das principais instituições do Rock Progressivo, absorver sua sonoridade não é a única atitude a se tomar. Os entra-e-sai de integrantes acabaram por fazer surgir grupos paralelos que arriscavam até mesmo confundir os fãs da banda acerca de quem era o verdadeiro Yes que estava em atividade, ensejando até mesmo disputas judiciais pelo nome do grupo.

Não é que os integrantes do Yes vivessem num eterno arranca-rabo. O problema era quando diversos ex-membros que haviam sido peças importantes do quebra-cabeça musical do grupo resolviam se unir em um outro projeto, de modo que, inconscientemente ou não, evocassem para si o direito de honrar o legado do Yes.

Estudemos abaixo três diferentes casos de bandas que não eram oficialmente o Yes, mas sim reuniões de ex-integrantes da banda. Um deles veio a se tornar o próprio Yes pouco tempo depois, outro se misturou ao verdadeiro Yes formando assim um “super-Yes” e o último também se chamava Yes e conviveu paralelamente ao oficial Yes. Entendeu? Não? Nem eu. Então vem comigo que eu te explico.

CINEMA

Em 1981 era anunciado oficialmente o fim do Yes. Muito embora só em março desse ano a debandada geral do Yes fora anunciada, a verdade é que a banda estava separada há vários meses. Nesse entremeio, Chris Squire e Alan White chegaram a fundar a banda XYZ junto com Jimmy Page, que também estava sem banda para tocar desde que o Led Zepellin se separou em 1980. Até mesmo Robert Plant participou de um ensaio com esta banda, mas a complexidade da música do trio e o fato de ele ainda estar sentido pela recente passagem de John Bonham não fizeram o cantor se animar muito com o projeto. De todo modo, a verdade é que o XYZ foi um projeto natimorto, mas que chegou a deixar uma demo que pode ser ouvida no YouTube. No ano seguinte, Squire e White conheceram o guitarrista sul-africano Trevor Rabin, que até então era relativamente conhecido pelo seu trabalho junto a banda Rabbitt. Após alguns ensaios entre os três, os músicos perceberam que a coisa estava dando liga e resolveram seguir em frente com o nome Cinema. Com Chris Squire nos vocais e no baixo, Alan White na bateria e Trevor Rabin na guitarra, estava faltando um tecladista. Squire não pensou duas vezes e resolveu chamar um velho conhecido: Tony Kaye, o tecladista original do Yes. A escolha por Kaye se deu pela sua abordagem mais simples no instrumento, a qual se encaixaria bem no direcionamento mais comercial que este grupo estava tomando.

Todavia, o destino estava tramando reunir mais um integrante do Yes no barco, ou no cinema. Tomando uma birita em alguma festa em Los Angeles, Chris Squire encontra logo ele, Jon Anderson, que estava se dedicando a sua carreira-solo desde que deixara o Yes em 1979. Papo vai, papo vem, Squire mostrou para Anderson algumas demos do Cinema e perguntou, naquele velho “se colar, colou”, se ele não estaria interessado em cantar no projeto, convite prontamente atendido por Anderson. O material no qual o Cinema estava trabalhando tinha previsão de lançamento para 1983 e seu conteúdo era um catadão recauchutado de ideias compostas majoritariamente por Trevor Rabin junto a alguns reaproveitamentos do XYZ. Porém, a Atlantic Records não iria perder a oportunidade de coagir uma banda formada por quatro ex-Yes, sendo que três deles foram membros-fundadores da mesma, a lançar este álbum como Yes. E assim foi feito. Aquele que seria o debut do Cinema se tornou o 11º álbum de estúdio do Yes, 90125. O cinema fechou suas portas sem nem ao menos exibir um curta sequer.

ANDERSON BRUFORD WAKEMAN HOWE (ABWH)

“Não, não somos o Yes (somos sim).”

Se você já acha Emerson, Lake & Palmer um nome escroto, o que dirá de Anderson Bruford Wakeman Howe? Na falta de ideias para batizar o nome de sua banda Prog, batize-a juntando os sobrenomes de todo mundo, amiguinho! Além disso, vocês lembram das rivalidades envolvendo Yes e Emerson Lake & Palmer, em especial dos tecladistas Keith Emerson e Rick Wakeman? Pois bem.

O responsável pela letra A na sigla da banda foi quem deu o pontapé inicial deste “Yes paralelo”. Jon Anderson havia deixado o Yes “de verdade” em 1988 alegando insatisfação com os rumos musicais cada vez mais acessíveis que a banda estava tomando e também por estar se sentido deixado de lado do núcleo criativo do grupo, formado por Trevor Rabin e Chris Squire. Anderson resolveu então extravasar seu lado compositor perto dos deuses gregos, na pequena ilha de Hidra, juntamente com o laureado músico local Vangelis. Em dado momento, os deuses falaram dentro da mente de Jon Anderson:

“Essas músicas só são dignas de serem tocadas por seus antigos parceiros de Yes.”

E assim Anderson fez. De volta a Londres, o cantor entrou em contato com seu velho amigo Steve Howe e também com Rick Wakeman. Bill Bruford também foi chamado, mas aparentemente o elegantíssimo baterista não sabia que Howe e Wakeman também estavam no barco capitaneado por Anderson: “eu achava que eu só iria fazer umas linhas de bateria para um álbum solo de Jon, não que eu iria participar de uma reunião do Yes.”

Obviamente Chris Squire não estava no projeto. Para assumir o contrabaixo, o virtuoso e pau pra toda obra Tony Levin (que fora colega de Bill Bruford no King Crimson) foi chamado. Foi com esta formação que o “andersobrufodiueiquimarrôie” se mandou em 1988 para o AIR Studio, na belíssima ilha caribenha de Montserrat, e de lá saíram com um álbum autointitulado no ano seguinte. Este disco foi bem recebido em vários países, menos pelos integrantes do verdadeiro Yes.

Antes mesmo que o ABWH saísse em turnê, o Yes impetrou uma ação na Justiça com o intuito de prevenir que a banda de Jon Anderson fizesse qualquer mínima menção que fosse ao Yes, alegando que, se tal atitude fosse tomada pelo ABWH, uma confusão seria criada na cabeça do público sobre quem seria o verdadeiro Yes. Mas já era tarde. Os promotores dos shows na Europa já haviam espalhado que o ABWH iria tocar músicas do Yes e a turnê acabou sendo batizada de “An Evening With Yes Music Plus”.

Como cão que ladra não morde, ninguém mais moveu uma peça nos tabuleiros da justiça. Pelo contrário: Jon Anderson procurou Trevor Rabin, guitarrista do Yes, para ajudá-lo com o material do segundo álbum do ABWH (as voltas que a terra plana dá). Resultado: Conversa vai, conversa vem, uma lábia aqui, uma costura ali, acabou que as duas bandas lançaram um único álbum sob o nome Yes, Union, álbum esse remendado com músicas que seriam de um segundo registro do ABWH e de outras que seriam as naturais sucessoras de Big Generator, o último álbum que o Yes havia lançado até então. Após o lançamento de Union e da turnê subsequente que reuniu todo mundo junto num mesmo palco (a menos de Tony Levin), o ABWH foi abandonado. Jon Anderson permaneceu no Yes, mas Wakeman, Howe e Bruford, não. Assim, o Yes seguiu seu caminho com o line-up dos anos 80.

YES FEATURING JON ANDERSON, TREVOR RABIN, RICK WAKEMAN

“Sim, somos mesmo o Yes!”

Agora é a vez de Trevor Rabin passar para o lado de cá do paralelismo yesiano. E mais uma vez Jon Anderson e Rick Wakeman estavam por trás desta nova encarnação. O guitarrista havia deixado o Yes em 1995 ao mesmo tempo em que Wakeman estava retornando para lá. O tecladista sairia de uma vez por todas em 1997. Já Jon Anderson, após três stints com a banda, deixou o Yes em definitivo em 2008.

Em 2010, durante um programa de rádio apresentado pelo próprio Rick Wakeman, o Mago dos Teclados afirmou que estava trabalhando juntamente com Trevor Rabin e com mais alguns ex-membros do Yes. O segredo de que um desses membros era Jon Anderson não demorou muito a cair por terra. O nome de Bill Bruford chegou a ser ventilado pela boca pequena, mas o baterista na época reiterou sua decisão tomada em 2009 de se aposentar definitivamente da música. Além disso, Bruford disse que, de qualquer jeito, ele não havia sido convidado para esta reunião. Então, vamos em frente desta vez com Anderson, Rabin e Wakeman.

Após vários planejamentos, ensaios e gravações em estúdio, o grupo foi finalmente lançado de forma oficial e notória em 2015 com o nome Anderson Rabin and Wakeman, fazendo jus a eterna falta de criatividade aliada a jogada de marketing que macula a carreira musical dos integrantes do Yes. 2015 também foi marcado pela morte de Chris Squire, o baixista, fundador e único integrante a fazer parte de todas as formações do Yes “de verdade”. Dois integrantes remanescentes do Yes, Steve Howe e o tecladista Geoff Downes, desejaram sorte ao novo projeto de Anderson, Rabin e Wakeman.

O trio escolheu deixar em segundo plano as gravações de material inédito e decidiu se concentrar em cair na estrada para tocar os clássicos do Yes. A turnê “An Evening Of Yes Music And More” (nome que lembra o da turnê do ABWH) começou em outubro de 2016 com a participação do baixista Lee Pomeroy e do baterista Lou Molino III e o set-list era composto de músicas de várias eras do Yes e também de algum material do ABWH. Em 2017, o trio anunciou a mudança do nome da banda para Yes Featuring Jon Anderson, Trevor Rabin, Rick Wakeman, não sem antes se reunirem com o Yes original mister indução ao Rock n’ Roll Hall Of Fame. Na indução o Yes se apresentou com Jon Anderson, Trevor Rabin, Steve Howe, Rick Wakeman, Alan White e contou com a participação especialíssima de ninguém menos que Geddy Lee (Rush) em Roundabout.

Diferentemente das ações judiciais que marcaram a existência do ABWH, não houve por parte de ninguém resistência para que Anderson, Rabin e Wakeman pendurassem o nome “Yes” no projeto. A verdade é que havia um acordo informal celebrado por Jon Anderson e Chris Squire ainda nos anos 80 de que somente a banda do baixista poderia usar o nome “Yes”, muito embora oficialmente os direitos pelo nome também fossem compartilhados com Steve Howe e Alan White. Foi este acordo inclusive que motivou o arrolamento do ABWH no começo dos anos 90. Após a morte de Squire, a viúva Scotland Squire decidiu autorizar Jon Anderson a usar o nome Yes em sua banda.

Apesar de o trio estar sempre trabalhando em estúdio e de prometerem lançar material inédito, isto nunca aconteceu. Uma música chamada Fragile chegou a ser tocada em um programa de rádio em julho de 2018. Porém, nada mais foi divulgado oficialmente. E nem deu tempo. O Yes Featuring Jon Anderson, Trevor Rabin, Rick Wakeman anunciou o encerramento de suas atividades em 2020.

E O YES DE VERDADE?

Continua na ativa até hoje mesmo após a morte de seu líder e fundador Chris Squire. Da formação clássica da banda permanecem até hoje o guitarrista Steve Howe e o baterista Alan White, este ininterruptamente desde 1972. Completam a formação atual do Yes o cantor Jon Davison, o tecladista Geoff Downes (Asia) e o baixista Billy Sherwood.

Mas nada impede que Jon Anderson dê início a um outro Yes paralelo. As voltas que a terra plana dá.