1977 não foi, exatamente, um ano absoluto para a música. Em muitos sentidos foi um momento de transição. O Punk estava explodindo, o Metal ainda estava estabelecendo seus padrões. Houve grandes discos de nomes importantes como Pink Floyd, David Bowie, Queen, Rush, AC/DC e Fleetwood Mac, mas, no geral, teve mais significados para as situações individuais de cada banda do que em um contexto mais amplo.
E esse é o caso do Yes, cujo álbum “Going For The One”, oitavo de sua carreira, está completando quarenta anos. O Yes rapidamente se converteu no colosso que sua musicalidade sugeria. Lançou uma trinca de discos seminais, entre os anos de 1971 e 1972, com os álbuns “The Yes Album”, “Fragile” e “Close To The Edge”, mas perdeu, no fim desse período, o baterista Bill Bruford, cujo espírito jazzista não estava sintonizado com a gradativa hermetização para a qual a música da banda se encaminhava. Comprovando essa tendência, os próximos trabalhos foram as megalomanias em forma de vinil intituladas “Yessongs”, álbum triplo ao vivo, e “Tales From Topographic Oceans”, álbum duplo de estúdio, contendo quarto músicas, uma em cada lado dos discos, para os quais foi recrutado o baterista Alan White, que vinha de gravações com George Harrison e John Lennon. A instabilidade da formação atingiu o posto de tecladista, pois agora foi a vez de Rick Wakeman se sentir desanimado com o que a banda vinha fazendo e deixar a vaga para o suíço Patrick Moraz. O disco que se seguiu, “Relayer”, foi um grande álbum, mas ainda carregava no tom solene e fez com que, ao final de sua turnê, fosse dada uma pausa. Cada um vai cuidar de seus projetos pessoais, lançar discos solos, e poderiam voltar com a inspiração recarregada para o Yes.
Funcionou.
Em 1976, a banda se reuniu no Mountain Studios, na Suíça, para iniciar a gravação de “Going For The One” e, para tornar ainda mais evidente o clima de motivação, Rick Wakeman estava de volta, empolgado após ter ouvido algumas versões iniciais das novas músicas. O Yes estava de volta com aquela que seria uma de suas formações clássicas.
Aliás, é sempre meio estranho usar essa palavra “formação” para o Yes. Parece até ser algo meio profano, pois aquela conjunção de músicos estava mais próxima do conceito de “panteão”! Alan White, Rick Wakeman, Steve Howe, Chris Squire e Jon Anderson, sendo que, muito do mérito do álbum deve-se a este último. Anderson é autor de quarto das cinco músicas, dividindo a co-autoria em “Turn Of The Century”, com Howe e White, e em “Awake”, com Howe. A faixa restante, “Parallels”, é uma peça não utilizada por Squire em seu álbum solo, “Fish Out Of Water”, que foi aprovada pela banda.
Ao surgir nas prateleiras, o disco já escancarava que algo estava diferente. A capa não trazia as tradicionais ilustrações feitas por Roger Dean, embora mantivesse o logo clássico que ele criou. Um trabalho gráfico da empresa Hipgnosis estampava a coleção de canções em que o Yes respirava os ares de seu passado, com mais concisão, deixando de lado as idéias de que seus álbuns deveriam ser dominados pelos épicos de longa duração. Essa diretriz gerou um carisma que impulsionou o disco para o topo das vendas, em uma época onde bandas punk dominavam a atenção da mídia.
Ao tocar na agulha, as impressões eram confirmadas, com a introdução de “Going For The One” sendo realizada por um riff quase zeppeliniano. Uma maravilha auditiva, que deixa evidente para qualquer um, tanto quanto deve ter ficado evidente para eles próprios, o quanto eles podiam se divertir tocando junto, o quanto era animadora a conversa deles, cada um falando através da voz de seu instrumento. A complexidade da música não precisa fazer você franzir o cenho; ela pode ser complexa e despertar um sorriso em seus lábios. E esse sorriso permanence no começo de “Turn Of The Century”, com Anderson soltando o seu melhor timbre angelical numa faixa que cresce com uma suavidade que passa quase despercebida. Em seu momento instrumental, a expressão “textura” apresenta seu significado pleno, com cada instrumento evoluindo meio que separadamente, formando uma tapeçaria que concluirá no encontro de todos, para a volta de Anderson na faixa.
Se o timbre de Rick Wakeman, na abertura de “Parallels”, soa meio diferente, é porque ele foi gravado no órgão da igreja de St. Martin, na distante cidade de Vevey, em um esforço de produção que demonstrou-se acertado ao longo de toda a faixa e que reflete o mesmo clima de entusiasmo da abertura. Como se percebe, o disco tem sido uma obra impecável até o momento e é difícil até imaginar que poderia ficar melhor… Ledo engano!
“Wonderous Stories” é uma das canções mais belas já concebidas, não apenas pelo Yes, mas em toda a música popular! Uma balada meio folk, meio canção de ninar, carregada daquele tipo de emoção que atua como se fosse uma endorfina, trazendo sensações de bem-estar, de felicidade, de paz, numa forma que apenas o Yes poderia conceber e iria refletir na derradeira faixa, “Awaken”, cuja tradução literal, “Despertar”, combina com o fato dessa ser a mais longa do disco e é, por muitos, aclamada como a mais perfeita composição da banda. Sua estrutura, dividida em partes, sua letra esotérica e o retorno do órgão da igreja de St. Martin, perfazem um ambiente sonoro onde nos aproximamos de compreender as crenças de Jon Anderson, de elevação espiritual, de vida e amor transcendentais…
E é dessa forma que o disco termina e lhe deixa meio que sem saber o que fazer, como quando você termina de ver um filme e passa alguns segundos absorvendo o seu final, antes de se levantar da cadeira do cinema. Com muita movimentação entre seus integrantes, o Yes ainda registraria uma extensa discografia, repleta de bons discos, mas “Going For The One” nunca viria a ser superado. Essa, porém, é a beleza da coisa. “Wonderous Stories” foi inspirada na vivência de um dia para ser lembrado. E são raros os dias especiais assim.
Formação
Jon Anderson – vocal, harpa
Steve Howe – guitarra
Chris Squire – baixo
Rick Wakeman – piano, teclado
Alan White – bateria
Músicas
01.Going for the One
02.Turn of the Century
03.Parallels
04.Wonderous Stories
05.Awaken