Imagine que você teve a concepção de um projeto, trabalhou suas ideias e conceitos, recrutou pessoas de confiança para dar vida e forma, põe em prática e a coisa começa a dar certo. Ou mesmo a coisa vai tão longe e se torna um sucesso, muito maior do que o que você imaginava no começo.

Todavia, por algum motivo ou outro, você tem que abandonar o projeto que você criou. Depois de tudo consolidado, eis que seu empreendimento segue adiante com pessoas que chegaram depois e que sequer tomaram parte em sua criação. Tragamos isto para o nosso mundo, o Heavy Metal. Em todas as bandas, parece sempre haver uma hierarquia entre seus membros, a depender de quem teve a ideia inicial da banda, do momento que determinado membro ingressou no conjunto ou se alguém chega lá simplesmente para prestar favores.

Note: existe sempre o “membro fundador”, aquele que tem a ideia inicial da banda, elabora os conceitos, a sonoridade que ela obedecerá e recruta os membros para dar vida ao grupo. Pode até ser mais de um membro fundador. Existe também o “membro original”, que é o fulano que faz parte da primeira formação da banda, sem necessariamente ser o fundador, pois ele não fez parte da concepção da banda. Ao longo do tempo, aparecem também os membros que emergem no entra-e-sai natural da maioria das bandas. E eventualmente aparece o “membro contratado”, que não é considerado integrante oficial da banda, e seus serviços se limitam a tocar um instrumento por um determinado período de tempo. É como se o membro fundador fosse o CEO de uma empresa, os demais membros fossem sócios-proprietários e os membros contratados, empregados.

Por exemplo, tome a última formação do Black Sabbath. Se considerarmos que Tony Iommi e Bill Ward tiveram a concepção da banda antes de recrutarem Ozzy Osbourne, que trouxe Geezer Butler a reboque, na turnê de 2017 tivemos Tony Iommi como membro fundador, Ozzy Osbourne e Geezer Butler como membros originais e Tommy Clufetos como membro contratado. Oficialmente, o Black Sabbath era Tony, Ozzy e Geezer, exatamente três membros originais, sendo um deles o fundador.

Os originais e o fundador do Heavy Metal

E quando a banda continua sem nenhum membro fundador, ou mesmo sem membros originais? Parece estranho se pararmos para analisar superficialmente, mas não é um fato tão incomum assim no meio Rock/Heavy Metal. Várias variáveis podem ser levadas em consideração para que tal ocorrência se suceda. Algum integrante que entrou na banda ainda em seus primórdios trouxe novos elementos para a sonoridade da banda, e passou a ser o líder musical do grupo, de modo que o fundador perde sua importância musical. Circunstâncias normais de tempo de estrada vão limando os fundadores/originais do grupo. ou até mesmo brigas entre os integrantes fazem o fundador tomar a difícil decisão de abandonar o próprio projeto que ele concebeu. A seguir, confira algumas grandes bandas que seguem hoje em dia sem seus fundadores:

Yes:

Um dos maiores nomes do Rock Progressivo da história, a atual formação do Yes não possui mais nenhum membro fundador. O lendário baixista Chris Squire, o último dos membros originais que ainda permanecia no Yes (os outros foram Jon Anderson, Peter Banks, Bill Brufford e Tony Kaye, deixou a banda em 2015, quando também deixou este mundo à idade de 67 anos. O atual membro do Yes que está há mais tempo na banda é o guitarrista Steve Howe, que entrou no grupo pela primeira vez em 1970.

https://www.youtube.com/watch?v=bsB8v4b_iAQ

Pentagram:

Este é o caso mais recente de banda que perdeu seu membro fundador. Considerado pilar do Doom Metal e uma das pioneiras do Heavy Metal norte-americano, a banda Pentagram foi fundada em 1971 pelo vocalista Bobby Liebling. Este ano, o cantor de 63 anos de idade foi afastado das funções da banda que ele mesmo criou por conta de sua recaída no álcool e também por ter sido condenado a um ano e meio de prisão por agredir sua mãe de 87 anos de idade. No momento, o Pentagram segue com o guitarrista, e agora vocalista, Victor Griffin, que se tornou membro do Pentagram em 1983 e foi um dos responsáveis pela consolidação da sonoridade da banda nos anos 80, bem como do Doom Metal oitentista.

Quiet Riot:

Se apelarmos para os primórdios da banda de Los Angeles, o grupo foi fundado em 1973 sob o nome Mach 1 pelo saudoso guitarrista Randy Rhoads e pelo baixista Kelly Garni. No ano que o grupo adotou o nome pelo qual ficariam famosos, a formação era Rhoads, Garni, o vocalista Kevin DuBrow e o baterista Drew Forsyth, formação esta que gravou o EP de estreia Suicidal Show, de 1975, e também os dois primeiros full-lenghts, Quiet Riot I e Quiet Riot II, de 1978 e 1979. Kelly Garni deixou a banda em 1978 (antes de sair, gravou as linhas de baixo de Quiet Riot II, mas os créditos foram para Rudy Sarzo) e Randy, em 1979. Da atual formação do Quiet Riot, o baixista Chick Wright e o baterista Frankie Banali são os decanos da banda, estando em seus postos desde 1982.

Napalm Death:

Em suas origens, o Napalm Death era uma banda bem diferente da que nos acostumamos a ver e ouvir. A banda considerada uma das pioneiras do Grindcore foi fundada em 1981 pelo vocalista/baixista Nicholas “Nik Napalm” Bullen e pelo baterista Miles “Rat” Ratledge. Na época, o Napalm Death era uma banda de Punk Rock, sem muitas influências de Heavy Metal, que começaram a surgir com o ingresso de Justin Broadrick (Godflesh, Jesu) em 1985, que também trouxe elementos de Pós-Punk. O baterista Miles Ratledge deixou o Napalm Death em 1985 insatisfeito com o novo direcionamento musical que o grupo estava adotando. O outro fundador, Nik Bullen saiu da banda em 1986 também desgostoso com o caminho que a banda estava seguindo. Com a saída de Justin Broadrick em 1987, foi efetivado no Napalm Death o baixista Shane Embury, o membro mais longevo do grupo e que permanece até hoje. Apesar de já acompanhar a banda, Embury não participou das gravações do álbum Scum, primeiro full-length do Napalm Death. Em suma, sequer nenhum dos integrantes que registraram Scum permanecem na banda até hoje (cabe lembrar que os dois lados do LP de estreia foram gravados por praticamente duas bandas diferentes, sob o mesmo nome). Todavia, a atual formação do Napalm Death é de uma estabilidade rara, pois desde 1991 o grupo é formado por Embury, Mark “Barney” Greenway nos vocais, Danny Herrera na bateria e Mitch Harris nas guitarras, sendo que o guitarrista Jesse Pintado foi o quinto integrante da banda até 2004.

Sepultura:

A história da banda mineira todos já conhecem. Olhando pelo prisma que foi adotado para este texto, o Sepultura foi fundado pelos irmãos Max e Igor Cavalera em 1984. Depois de algumas mudanças na formação, foram efetivados Paulo Jr. no contrabaixo e Wagner “Antichrist” Lamounier nos vocais, ainda em 1984. Andreas Kisser chegou na banda em 1987. O resto todo mundo já sabe: após um rompimento que cujas cicatrizes ardem até os dias de hoje nos músicos e nos fãs (sendo o motivo de uma das polêmicas de internet mais estúpidas da história), Max deixou, em 1996, a banda que ele mesmo fundou, tendo Andreas Kisser tomado as rédeas da banda, gerencial e musicalmente. O outro fundador, Igor Cavalera, também deixou a banda em 2006. Sendo assim, o membro mais longevo do Sepultura atualmente é o baixista Paulo Jr., que sequer pode ser considerado um membro original.

https://www.youtube.com/watch?v=BWDEvdcibzA

https://www.youtube.com/watch?v=R8PGUCclRPI

Stratovarius:

Nem mesmo o bipolar guitarrista Timo Tolkki era um membro fundador do Stratovarius. A banda foi fundada em 1984 sob o nome Black Water pelo baterista Tuomo Lassila, que no ano seguinte adotou o nome que os tornaram famosos no meio Metal (e que também era o nome de uma música da banda alemã Kraftwerk). Timo Tolkki ingressou no grupo ainda em 1985 e de lá só saiu em 2008, após uma das maiores pendengas da história do Metal. O baterista fundador Toumo Lassila deixou sua criação em 1995. Da atual formação da banda finlandesa referência do Power Metal, o vocalista Timo Kotipelto é o mais antigo, tendo ingressado na banda em 1994, nove anos após a fundação do grupo.

In Flames:

Fundado por Jesper Strömblad em 1990 na cidade sueca de Gotemburgo. Durante seus primeiros anos, passaram pelo In Flames diversos músicos, tanto que nenhum dos integrantes que gravaram o debut Lunar Strain, lançado em 1995, permanece na banda até hoje, a exemplo do Napalm Death. Após 20 anos de banda, em 2010 Strömblad resolve deixar o projeto que fundou a fim de se tratar de seu vício em álcool. Da atual formação, o guitarrista Björn Gelotte e o vocalista Anders Fridén são os membros mais antigos, pois estão lá desde 1995.

https://www.youtube.com/watch?v=kq3PLhV-9F8