Nesta semana estamos estreando aqui no site da Roadie Metal uma série de novos quadros sobre assuntos interessantes ao público do Rock e Metal. Hoje estreamos o quadro “Roadie Metal na fronteira do desconhecido”, o qual terá o intuito de trazer mais informações sobre os mais diferentes subgêneros existentes, de forma a tirar dúvidas sobre estilos pouco conhecidos, acabar com informações enganosas sobre outros, ou simplesmente indicar algumas bandas para quem quiser se aventurar em gêneros novos. O quadro irá ao ar toda quarta-feira.

Iniciamos o quadro com um gênero um tanto polêmico no meio do Heavy Metal: o Metalcore. O termo “Metalcore” vem da fusão das palavras “Metal” e “Hardcore”, indicando que o gênero surgiu de uma união do metal extremo (principalmente Thrash Metal, em seus anos iniciais) com o Hardcore Punk.
Pelo nome, não se esperaria nenhuma polêmica entre fãs, afinal é algo que agrada (ou ao menos deveria agradar) tanto os Headbangers quanto os Punks. No entanto, o Metalcore passou, com o tempo, a se aproximar cada vez mais de gêneros mais melódicos como o post-hardcore e a trazer temas mais “jovens” para as letras, como decepções amorosas e depressão. Com isso, os fãs mais puristas do metal passaram a criticar fortemente esse novo estilo, criando inclusive o famoso bordão “core is not metal”, para desassociar ao máximo esta veia mais “sensível” do Heavy Metal.
Mas o que exatamente o Metalcore? Como surgiu? Realmente é um estilo “ruim” de música ou a crítica é baseada em puro preconceito? O Metalcore é “emo”? Qual sua relevância no cenário? Estas e mais algumas perguntas serão respondidas neste texto.

Histórico

Origens e ascensão (1998 – 2008)

A história do Metalcore começa muito antes do que se imagina, no meio dos anos 80. Nesta época, ambos heavy metal e punk estavam sofrendo enorme transformação: o heavy metal estava ficando mais rápido e agressivo com a ascensão do Thrash Metal e do Speed Metal, e o punk estava ficando mais pesado com o surgimento do Hardcore Punk. Também foi uma época marcada pelo início da cultura do skateboarding, e nas pistas de skate não era difícil escutar uma mistura das duas culturas nos stereos levados pelos frequentadores. Naturalmente, à medida que os dois estilos foram crescendo e ganhando relevância, foi natural que certas bandas começassem a ter influências de ambos e ficasse, por vezes, muito difícil de definir onde a banda se classificava. Neste período nasceu o Crossover Thrash, que misturava elementos das duas culturas em um som rápido e agressivo, popularizado por bandas como Black Flag e Suicidal Tendencies. Aqui no Brasil, temos um nome grandíssimo do Crossover que surgiu nesta época, o Ratos de Porão.
Com a mudança dos anos 80 e 90, o metal e o punk começaram a ganhar mais popularidade ainda dentro do underground, devido ao seu caráter crítico de contracultura. Desta forma algumas gravadoras passaram a cada vez mais assinar bandas destes estilos, principalmente a gravadora Roadrunner Records, que tinha em seu cast bandas como Obituary e Deicide, que representavam o lado mais metal, mas também tinha bandas como Madball e Biohazard, expoentes do NYHC (Hardcore nova-iorquino), as quais inclusive tinham fortes influências no metal extremo em suas composições. Nesta gravadora encontrávamos uma banda que foi a primeira a criar uma sonoridade que se assemelha ao que conhecemos como Metalcore: Vision Of Disorder. Em seu segundo álbum, “Imprint” (1998), a banda tornou seus riffs mais técnicos e suas músicas mais brutais, apesar de manter o estilo e visual do Hardcore. A diferença desta nova manifestação para o Crossover, que neste momento já se via consolidado, é justamente a composição com estes riffs mais trabalhados. Com isso, a banda foi levada ao Ozzfest de 1998. Obviamente, o Vision of Desorder não foi a primeira banda a tentar misturar o metal e o hardcore: considera-se que a primeira banda de Metalcore oficialmente foi a banda Integrity, mas apesar de serem pioneiros no gênero, infelizmente não tiveram o mesmo nível de sucesso comercial que a anterior.
Ainda sim, com o final dos anos 90, o Metalcore ainda não existia oficialmente, era apenas uma “aventura” de algumas bandas que ninguém esperava que ia criar uma “vida própria”. Ao mesmo tempo, surgiram bandas como Green Day, que foram pioneiros do Pop-Punk ( que se tornou o gênero mais popular do Punk na época). Com isso, criava-se um penhasco dentro do cenário Punk. Da mesma forma, no metal, surgia o Nu Metal, amplamente divulgado por bandas como Korn e Slipknot e seus primeiros álbuns, que estava completamente distante deste novo gênero que se criava e também do metal mais tradicional.
Nos anos 2000 a mistura entre Hardcore e Metal não era mais uma novidade, e também não era mais algo restrito a um nicho pequeno: se via esse novo fenômeno na Bélgica (Rise and Fall), Itália (Kafka) e principalmente no Reino Unido, que até hoje tem uma cena Metalcore muito forte e diferenciada. Porém este novo cenário estava cada vez mais se distanciado de outros que já existiam. Começaram a surgir novas influências, como por exemplo do Death Metal Sueco do In Flames, e assim foi surgindo esse estilo completamente novo, que estava sendo chamado de “Metallic Hardcore”.
Em 2002, uma das maiores obras do Metalcore ( e talvez a mais importante para a propagação do gênero para fora do underground) foi lançada: “Alive or Just Breathing“, da banda Killswitch Engage (KSE). Neste álbum, apesar da sonoridade ainda não profissional da banda, o Metalcore se mostra de sua maneira mais pura e brutal, com riffs bem trabalhados e refrões feitos para serem entoados por multidões, junto com a velocidade e agressividade trazida pelo Hardcore. Com isso, o KSE permitiu que outras bandas como Unearth e Shadows Fall ganhassem mais atenção. Em pouco tempo, o Metalcore estava assinando contratos com gravadoras grandes e sendo headliner de grandes festivais. O Metalcore era a nova possibilidade de se ganhar dinheiro com o metal em uma era dominada pelo eletropop.

“My Last Serenade”, single do álbum “Alive or Just Breathing”, do Killswitch Engage

O Ápice (2008 – 2015)

O ano de 2008 foi o grande estouro do Metalcore, ao menos comercialmente. Neste ano, tivemos grandes lançamentos de grandes nomes do gênero: Bring Me the Horizon ( e o álbum “Suicide Season“), Asking Alexandria ( “Stand Up and Scream“), Attack, Attack! (“Someday Came Suddenly“), Bullet for My Valentine ( “Scream, Aim, Fire“), entre outros vários. Bandas de metalcore surgiam em todo canto e todo adolescente que tocava algum instrumento queria tocar numa banda de Metalcore. Nesse período (até um pouco antes na verdade) foram surgindo também novos subgêneros do Metalcore: o Deathcore (fusão de Metalcore com Death Metal, popularizado pelo Suicide Silence), o Electrocore (fusão do Metalcore com música eletrônica, popularizado por Asking Alexandria e Attack, Attack), entre outros diversos.
Porém, ao mesmo tempo que o gênero ganhou uma identidade única e popularidade, também passou a ter diversos problemas advindos do sucesso. Primeiramente, a influência do “emo” (o “Emotional Hardcore”, ou Hardcore Melódico, popularizado por bandas como My Chemical Romance e Panic! At the Disco e, aqui no Brasil, NxZero e Fresno) e de elementos de fora do Metal como a música eletrônica passaram a desagradar os fãs mais puristas. Imaginemos que alguns fãs já não aceitavam muito bem a mistura do Hardcore com o metal mais tradicional, agora ainda tinham que aceitar influências de coisas que não tinham nada a ver (inicialmente) com o gênero, obviamente a crítica foi grande. Também começou a haver um grande problema com relação à qualidade da música: muitos passaram a achar que o Metalcore era muito mais sobre a imagem, a pose e a atitude, do que sobre a habilidade, o que de certa forma começou a criar uma onda de bandas que não tinham um som tão bem composto, mas que tinham uma imagem que chamava atenção. Claro que, ao mesmo tempo, algumas bandas estavam fazendo o trabalho muito bem feito, como por exemplo o Bring Me the Horizon e o próprio Killswitch Engage, que agora contava com os vocais do extremamente talentoso Howard Jones.
Por volta de 2011, o Metalcore realmente estava no topo das paradas de Rock e Alternativo. Porém, as bandas estavam perdendo um pouco a criatividade depois desse overload de bandas e sonoridades que estavam se tornando aos poucos repetitivas. Então, algumas bandas já estavam flertando mais com a comunidade do mainstream, deixando um pouco o peso característico do Metalcore de lado. A partir deste momento, o Metalcore começaria lentamente a decair.
Chegando em 2013, ocorre a grande ruptura do estilo. Muitas bandas que foram famosas no cenário Metalcore e no chamado “Screamo” estavam se separando, e as que se mantinham unidas estavam cada vez mais apelando para um público maior. O maior exemplo disso foi o Bring Me the Horizon, que era até então considerada uma das bandas mais importantes do gênero, que lançou seu álbum mais vendido até hoje, o “Sempiternal“. Nele, encontrava-se algumas músicas mais puxadas para o pop, com fortes elementos eletrônicos e uma sonoridade mais leve, mas também tinham músicas como o hit “Shadow Moses” que ainda mostravam o peso da banda para os fãs do gênero. Com isso, as bandas de Metalcore se mantinham no mainstream, mas o Metalcore em si ia, aos poucos, sumindo da sonoridade. Os álbuns eram cada vez mais considerados de baixa qualidade ou sem ligação com a história da banda.
Dali até 2015 isso foi se tornando ainda mais comum. Com o Indie tomando a atenção do mundo, as bandas foram cada vez mais se associando a este estilo, ou ao pop/rap que era popular nas rádios, e o Metalcore foi dado como praticamente extinto do cenário mundial. Nas cenas locais, como no Brasil, os eventos de Metalcore e Post-Hardcore, que antes levavam multidões para os bares, agora não conseguiam levar público, e as bandas menores foram aos poucos deixando de existir e dando lugar para outros gêneros.

“Chelsea Smile”, single do álbum “Suicide Season” da banda Bring Me the Horizon, um dos maiores sucessos do Metalcore.

A (Quase) Extinção (2015 – 2018)

Para quem está inserido na cena do Metalcore, o período entre 2015 e 2018 foi um período de trevas. As bandas que originalmente eram de Metalcore como Bring Me the Horizon, Asking Alexandria estavam tocando um som completamente mainstream e bandas como Blessthefall e Attila tinham atitudes que iam completamente contra o tipo de posicionamento de um estilo que era a união de duas contraculturas. O Metalcore não só tinha deixado de ser algo legal e popular, bem como tinha passado a ser um gênero que sofria uma extrema crítica devido a alguns elementos que agora eram considerados cringe demais, justamente devido ao abuso na performance e no visual.
Nas cenas locais então, todas as bandas estavam se desfazendo e deixando uma legião de fãs desamparados que estavam indo para outros nichos.
No entanto, inesperadamente, no ano de 2018 a nostalgia passou a tomar conta do público. As bandas locais de Metalcore voltaram a existir. Bandas maiores e importantes como Motionless in White, Counterparts, August Burns Red e o próprio Integrity haviam lançado álbuns no ano anterior e o público já tinha tido tempo de sentir novamente o estilo. Em 2018 bandas como Architects, Converge, Ice Nine Kills, All That Remains e Parkway Drive deram novos ares ao Metalcore (sendo a primeira uma das pioneiras do chamado “Post-Metalcore”). Algumas bandas como Knocked Loose estavam ganhando uma nova atenção devido à sua qualidade, alguns clássicos como Blessthefall estavam voltando a mostrar potencial. Seria uma nova (e lenta) reascenção do Metalcore

“Crushed”, single do álbum Ire, da banda Parkway Drive, que mostra uma diferença bem grande na sonoridade, apesar do peso ter sido mantido

Renascença? (2018 – )

Após esse surpreendente renascimento do Metalcore, o ano de 2019 trouxe uma quantidade absurda de bons lançamentos para o gênero: Killswitch Engage com Atonement, A Different Shade of Blue de Knocked Loose, Shaped By Fire de As I Lay Dying, entre vários outros mostraram que as bandas do estilo ainda tinham um potencial absurdo para manter o estilo vivo.
Bandas um tanto quanto novas, como Knocked Loose e I Prevail passaram de bandas locais para headliners de importantes festivais.
Novos subgêneros como o Post-Metalcore e o Djent ajudaram a reviver o estilo com uma nova sonoridade, apesar de manter os elementos que todos os fãs antigos gostavam.
Agora, enquanto entramos em 2020, esperamos que o Metalcore volte a ser cada vez mais popular, mas que chegue em um ponto onde não possa decair novamente e possa se eternizar em meio ao cenário mundial.

“The Signal Fire”, single do álbum “Atonement”, da banda Killswitch Engage, que foi uma grande surpresa devido ao retorno da banda a um som mais pesado, porém mantendo suas influências mais novas
O single ficou famoso por ter a participação do antigo vocalista da banda, Howard Jones, junto com Jesse Leach, o atual (e primeiro) vocalista.

O Cenário Brasileiro

No Brasil, como de costume, levou um tempo um pouco maior para o Metalcore realmente se consolidar. Enquanto as bandas internacionais estavam tendo seu ápice em 2008, o Brasil ainda estava vivendo a fase do Emocore. O Metalcore só ficou forte mesmo no Brasil a partir de 2010, quando começaram a surgir mais bandas focadas no gênero
Porém, assim como demorou pra chegar, demorou um pouco mais para decair por aqui: somente por volta do final de 2015, início de 2016 que o cenário brasileiro de Metalcore entrou em extinção. Um bom ponto de referência é a apresentação das bandas John Wayne e Project46 no Rock in Rio 2015, pois foi a última vez que o Metalcore se manifestou com força no Brasil.
A renascença do Metalcore se deu quase que em mesmo momento que no exterior, datando do final de 2018 e início de 2019. Porém desde 2017 já se via um movimento nas cenas locais para tentar reviver o estilo. Atualmente temos uma quantidade interessante de fests e eventos menores no Brasil voltados para esse nicho, como o Curitiba Hardcore Fest, que reúne bandas do Brasil inteiro na capital paranaense, ou o Rajada Fest, organizado pelo Coletivo Rajada em São Paulo. Algumas bandas como a curitibana Murder Me Slowly e a paulista Gloria são ótimas referências atualmente no estilo.

“Midas”, single do álbum “Purgatório” da banda brasileira John Wayne, mostrando a força do Metalcore brasileiro em pleno 2019.

Características do Estilo

O Metalcore é classicamente marcado por músicas com versos rápidos ou bem “groovados” e vocais berrados, unidos a um refrão extremamente melódico e geralmente com vocais limpos.
A maior marca do estilo é o breakdown, trecho da música onde o andamento é reduzido em comparação com o restante da música, geralmente com um riff bem simples para que o público pratique o headbang e o crowdkill.
É um estilo que exige muita habilidade de todos os músicos envolvidos, por necessitar de uma versatilidade na composição e execução dos riffs que geralmente são complexos.
Também é um estilo que permite muita inovação, visto que é possível colocar influência de quase qualquer estilo musical dentro do Metalcore de uma maneira agradável. Desta forma, se bem administrado, é um estilo que não se satura.

Álbuns que valem a pena conferir

Será que o Metalcore volta ao seu ápice nesta década? Ou ficará como só mais um gênero que teve sua fama e agora vive eternizado no underground?