O Voivod é uma daquelas bandas que tem que lidar com as eternas comparações consequentes de mudanças bruscas no rumo criativo. Quem assistia ao vídeo clip de “Clouds in My House” não poderia, sob nenhuma hipótese, fazer a conexão entre a banda que ali aparecia com a fúria Thrash de seus dois primeiros álbuns. Musicalmente ou visualmente, tudo havia mudado, pois o couro preto com rebites também havia deixado lugar para trajes elegantes, com tons sóbrios e mangas bufantes.

Mas ainda era o Voivod. As metamorfoses sofridas até aquele momento não representavam o ponto final. A banda mudou e ainda continuaria mudando. Só que as mudanças, por mais radicais, não escondem aqueles pequenos detalhes, aquelas formas de arranjos, aqueles acordes dissonantes que definiam as mais profundas características de seu som.

Passada a hecatombe de “Rrröööaaarrr”, o álbum seguinte já trazia um rol de surpresas que apontavam para o futuro. Essa progressão atingiu o seu ápice na complexidade de “Nothinface” e, alcançado esse patamar, foi necessário um momento de suspensão, de volta para o básico. Eram os anos noventa e essa era uma tendência generalizada.

“Angel Rat”, portanto, representa essa pausa para respirar na carreira do Voivod. Ser menos complexo, porém, não é sinônimo de simploriedade. Não para o Voivod. O sexto álbum de sua discografia colaciona um conjunto de canções ímpares, que transitam entre o Hard Rock setentista e o Metal mais low-profile, com os toques de Progressivo que, em diversos momentos, remetem aos seus conterrâneos mais célebres do Rush.  A presença de Terry Brown na produção, que acompanhou o virtuoso trio no período de sete discos entre “Fly By Night” e “Signals”, teve muito a ver com isso.

“Panorama” e “Clouds in My House” abrem o álbum com propriedade, conquistando imediatamente o ouvinte com o ritmo dinâmico da primeira e a pulsação etérea da segunda. Ambas encontrariam espaço perfeitamente nos setlists atuais da banda, mas esse posto coube a “The Prow”, onde os teclados amplificam as visões da nau que singra o espaço sideral.

Esse foi o último disco da formação original antes da saída do baixista Blacky, que sequer aparece na foto da contracapa, mas que executa com beleza suas partes, como a parte central de “Best Regards”. As faixas são de curta duração, com a mais extensa não chegando aos cinco minutos, fazendo com que os solos do saudoso Piggy sejam breves e esse ponto depõe contra o disco, não pela formatação das músicas, que estão adequadas em sua extensão, mas pelo fato de que, quando os solos de Piggy surgem, a gente quer ouvir mais, quer que tenham mais desenvolvimento, pelo seu timbre único, pelo seu estilo peculiar.

A voz de Snake é um dos elementos de contenção aqui, com menos fúria Punk e mais melodia, bem presente na interpretação da faixa título “Angel Rat”. Sua forma de cantar ainda é a melhor via de expressão para os conceitos cibernéticos, na linha de “Nuage Fractal”, que saem da cabeça de Away. O baterista é responsável pela identidade visual da banda, através das ilustrações e capas que cria. Nada é aleatório em um disco do Voivod: letras, músicas e imagens perfazem um organismo unicelular que atinge momentos sublimes como em “Freedom”, com uma atuação magnífica de todos os integrantes.

O disco termina e as conclusões a respeito de sua legitimidade dentro da discografia fica a critério de cada um. Para mim, é o Voivod que eu espero encontrar, mas a imprevisibilidade dessa banda pode ser comparada com a teoria do Gato de Schrödinger. O que irá se revelar a cada vez que abrimos a capa de um disco dos canadenses? Essa é, sem dúvida, uma alegoria que cabe adequadamente no mundo do Voivod.

Formação

Denis Bélanger – vocal

Denis D’Amour – guitarra, teclado

Michel Langevin – bateria

Jean-Yves Thériault – baixo, teclado

Músicas

01.Shortwave Intro

02.Panorama

03.Clouds in My House

04.The Prow

05.Best Regards

06.Twin Dummy

07.Angel Rat

08.Golem

09.The Outcast

10.Nuage Fractal

11.Freedoom

12.None of the Above