Eu nunca fui de me importar muito com carreiras solo de músicos de bandas já consagradas, geralmente me atenho apenas ao trabalho “oficial” deles dentro da banda de onde se originaram (ou onde os conheci). Eu particularmente penso desta forma pois, muitas vezes o dito músico usa dos traços musicais que desenvolveu em sua carreira com a dita banda, e as usa também no trabalho solo. O que muitas faz soar como se fosse “uma banda cover” da banda da qual ele faz originalmente parte. E daí as músicas parecem todas iguais. E para trabalhos assim, geralmente há dois tipos de públicos: os que esperam mais do mesmo e aceitam “o clone” da carreira solo, fidelizando ainda mais o fanatismo com o artista. E os que se decepcionam por esperarem que, na carreira solo, pudessem ver o artista que já gostam fazendo coisas diferentes para ver como ele se sai.
Mas devemos admitir que alguns músicos e artistas integrantes de bandas famosas, muitas vezes se tornam “maiores” do que as bandas que integram. E Bruce Dickinson é o exemplo perfeito disso. Quando citam seu nome, imediatamente lembram do Iron Maiden, e quando citam o nome do Iron Maiden, geralmente o primeiro comentário tecido é “Bruce canta pra caralho”. Assim caracterizando a pessoa como identidade oficial da banda. E talvez fosse esse o motivo que tenha o impulsionado à uma carreira solo. Dentro do Iron Maiden, há tão pouco onde ele pode optar e experimentar, pois, além dele, outros elementos compõem a identidade musical do Iron Maiden. E isso provavelmente explica o quão diversificado o Tyranny of Souls é.
Lembro de, quando mais novo, ouvir amigos dizerem que não curtem muito a carreira solo do Bruce por que “não é muito heavy metal”, ou “porque parece grunge demais”. E eu entendo o porquê deste desafeto, geralmente quando se fala de Bruce, invariável e inevitavelmente irão associar à pegada e estilo de música do Iron Maiden. Ninguém espera que ele faça qualquer outra coisa diferente, embora eu ache que era justamente isso que ele estava tentando provar a todos (e quem sabe até para si próprio).
Na formação da sua banda, há até espaço para teclado – elemento que não vemos no Iron Maiden. O disco começa com uma faixa introdução, que é nada mais que um prelúdio. E em seguida entra Abduction, que tem uma pegada bastante parecida com a do próprio Iron Maiden, possivelmente para não causar tanto estranhamento e desconforto ao ouvinte logo de cara. A próxima faixa “Soul Intruders” soa muito semelhante com o Anthrax com Belladona, mas sem muita demora, volta a ter a pegada meio Iron (mostrando que o próprio Bruce não consegue negar muito suas raízes). Mas o álbum é composto por diversos sabores e passagens, e nem sempre tem solos – eles se fazem presentes apenas quando necessário na música. Uma surpresa foi a música como “Navigate in the seas of Sun”, que é uma espécie de balada animada, que arremata mesmo à uma atmosfera meio marítima embora o contexto da letra tenha uma pegada de ufologia.
As composições são todas colaborações do guitarrista Roy Z, que foi compondo as faixas e enviando para Bruce enquanto o mesmo estava em Tour com Iron Maiden. Dickinson por sua vez ia compondo as letras, e encaixando as harmonias das letras, Roy também atuou como produtor do álbum e tocou partes de baixo e piano. As letras têm temas diversificados, mas todas distantes do que geralmente estamos acostumados ouvir Iron Maiden falar, o que mostra ainda mais a versatilidade lírica de Dickinson. Exemplos são Kill Devil Hill que fala do vôo de sucesso do avião protótipo dos Irmãos Wright, Navigate in the sea of Sun que fala sobre a teoria de Erich Von Däniken de vida no espaço, e Tyranny of Souls que é sobre a peça Shakespeareana Mac Bath que inclusive possui citações de falas da peça.
A musicalidade é impecável, nenhuma música sai como repetitiva ou enjoativa. Porém você fica com aquela sensação de que, se não fosse uma música com o Bruce Dickinson cantando, talvez não se sentisse tão decepcionado (já que ao ouvir a voz dele, mesmo que não queira, acaba esperando algo “Iron Maidenzístico”). Os riffs flertam como elementos de thrash, melódico e as vezes um pouco mais alternativo, mas em nenhum momento perde a sonoridade heavy. Há músicas em que Bruce usa efeito na voz, e inclusive uma com introdução de sintetizador. Ao mesmo tempo que ouvir Bruce cantando te deixa um pouco desapontado por não ser um disco do Iron, a qualidade vocal dele é tão inegável que você não tem como se sentir decepcionado por muito tempo. Os refrões são marcantes, vibrantes e inclusive tem apelo mais abrangente que até fãs de pop conseguiriam gostar.
De um modo geral este disco goza de um profissionalismo e versatilidade, que dignificam a qualidade de vocalista do Bruce Dickinson. Se torna impossível para qualquer um que o ouça em Tyranny of Souls, dizer qualquer coisa de ruim a respeito de sua técnica, pegada e paixão por cada uma das músicas que compõem este álbum. Porém, definitivamente, não é um trabalho altamente recomendado para fãs de heavy metal, ou fãs “roxos” de Iron Maiden. Não se encontram muitos elementos tradicionais do heavy metal nele, mas ainda assim há bastante peso e qualidade.
TRACKLIST:
“Mars Within (Intro)” – 1:30
“Abduction” – 3:52
“Soul Intruders” – 3:54
“Kill Devil Hill” – 5:09
“Navigate the Seas of the Sun” – 5:53
“River of No Return” – 5:15
“Power of the Sun” – 3:31
“Devil on a Hog” – 4:03
“Believil” – 4:52
“A Tyranny of Souls” – 5:54
“Eternal” (Japanese bonus track) – 5:59
LINEUP:
Bruce Dickinson – lead vocals
Roy Z – guitars, bass guitar (tracks 7, 9)
Dave Moreno – drums
Ray “Greezer” Burke – bass guitar (tracks 1, 4-6, 8, 10)
Juan Perez – bass guitar (tracks 2, 3)
Maestro Mistheria – keyboards