Um álbum pesado, sombrio, denso, conectado com a modernidade, mas sem deixar de lado as bases tradicionais. Acima de tudo, um álbum honesto e sentimental. Assim pode ser definido Blood & Belief, terceiro álbum da banda Blaze, primeira empreitada solo de Blaze Bayley.

Uma forte carga emotiva e triste permeia este trabalho, lançado em 26 de abril de 2004 através da gravadora SPV/Steamhammer. Durante o período de produção de Blood & Belief, Blaze começou a sofrer de forma mais séria os sintomas da depressão, problema que ele vinha desenvolvendo desde a época do Iron Maiden.

Cabe aqui um parêntese: Blaze chegou no Iron Maiden com a difícil missão de substituir ninguém menos que Bruce Dickinson. Com um estilo vocal bastante distinto, um timbre estranho e sem o alcance vocal necessário para cantar os clássicos da banda, o que explicava algumas de suas péssimas apresentações ao vivo, Blaze foi rejeitado e ouviu palavras negativas pela maior parte da legião de fãs do Iron Maiden. Apesar de ter começado uma bem-sucedida carreira-solo em termos musicais, a pecha de “patinho feio” da história do Iron Maiden nunca largou a companhia do pobre cantor. Um conturbado divórcio deixou Blaze Bayley com pouco dinheiro, o que fez com que o baixista Rob Naylor e o baterista Jeff Singer deixassem a banda logo após a turnê de Tenth Dimension (2002). Somente com a companhia de seus dois guitarristas, John Slater e Steve Wray, Blaze precisou contratar um baixista e um baterista para gravar Blood & Belief; respectivamente, Weyne Banks e Jason Bowld. Para este novo álbum, Blaze resolveu deixar de lado as histórias de ficção científica e passou a abordar em suas letras temas pessoais e sentimentais. A depressão chegou num nível que Blaze caiu no alcoolismo e não raro era visto nas calçadas de sua cidade. Sobre esse período, o próprio cantor relata em entrevista ao site Radio Metal:

“Quando eu estava criando ‘Blood & Belief’, eu achava que este seria o último álbum que eu faria em minha carreira. O contrato com a gravadora ia mal, eu estava tendo problemas com minha ex-esposa e não tinha dinheiro. […] Todo mundo na gravadora SPV dizia para eu desaparecer e meu empresário na época me dizia que eu estava morto pois ninguém mais se interessava em mim.”

Se Blaze já estava desenvolvendo depressão, ouvir estas palavras foi para ele como levar um tiro fatal. Mas a verdade é que Blaze não estava morto; estava vivo. E é exclamando para todo mundo que ele estava vivo que ele começa Blood & Belief, com a clássica música Alive, que vem seguida de outra que sempre faz parte das apresentações ao vivo de Blaze, Ten Seconds e seu refrão marcante.

Musicalmente falando, Blood & Belief continua o que já estava sendo feito em seus dois álbuns antecessores, Silicon Messiah (2000) e Tenth Dimension (2002), um Heavy Metal pesado e com elementos modernos, mas sem deixar de lado o lado tradicional do estilo. Porém, Blood & Belief traz algumas músicas mais melancólicas e densas, refletindo assim o momento difícil pelo qual Blaze passava na época. Músicas mais rápidas como a faixa-título (bastante variada) e Will To Win (mais tradicional) reforçam o que Blaze já vinha fazendo musicalmente; pesadas, Blaze pode tranquilamente destilar sua tradicional abordagem raivosa com seu timbre de voz estranho e de sotaque carregado. Tearing Yourself To Pieces é quase um Heavy Metal estilo Ozzy Osbourne/Zakk Wylde, tanto que é inevitável lembrar de Ozzy ao se ouvir as linhas vocais desta música. Hollow Head é outra faixa cadenciada e pesadíssima que dialoga bem com as linguagens modernas do Metal desenvolvidas desde os anos 90.

Outras faixas como Life And Death (esta ao mesmo tempo depressiva e acessível), Regret (quase um Doom Metal, principalmente pelo seu refrão) e Soundtrack of My Life trazem à tona o momento difícil que Blaze estava passando na época. Melancólicas e sentimentais, suas letras mostram um Blaze de peito aberto, a fim de tirar um peso de suas costas, desabafando e confessando tudo que sua depressiva mente pensava. Life And Death e Regret, inclusive, lembram a este escritor que vos fala momentos bem “paradiselostianos” (coincidentemente, o ex-baterista Jeff Singer foi tocar exatamente no Paradise Lost nesse entremeio).

Até mesmo a abordagem vocal de Blaze foi modificada para Blood & Belief. Seus tradicionais rasgados graves e fortemente britânicos não aparecem tanto neste álbum, onde ele preferiu usar linhas vocais mais limpas. Quanto a qualidade sonora do álbum, é suficiente dizer que o produtor foi Andy Sneap, o Mago do Som. A turnê de Blood & Belief viu um entra-e-sai de integrantes. Os dois guitarristas John Slater e Steve Wray saíram para formar a banda Rise To Addiction. O baixista Weyne Banks e o baterista de shows Dave Knight também saíram, mas para entrarem na banda de ninguém menos que Robin Gibb, uma das vozes do Bee Gees. Outros músicos que participaram desta turnê foram Oliver Palotai, tecladista do Kamelot e marido de Simone Simmons (Epica) e o baterista Daniel Löble, atualmente no Helloween. Ao fim da turnê, Blaze precisou demitir toda sua banda por problemas financeiros.

“Quando minha esposa me salvou e me encorajou a continuar, eu me sentia como que voltando dos mortos. Então, quando fizemos ‘The Man Who Would Not Die’ (2008), estava bastante empolgado trabalhando com novas pessoas.” Assim, Blaze voltava a se reerguer, falando na mesma entrevista ao site Radio Metal.

Antes de partir para o final deste artigo, permitam a este escritor um aparte pessoal: sou professor de matemática em uma escola da rede privada de Fortaleza. Em minhas turmas de 3º ano do ensino médio é comum encontrarmos jovens que sofrem pressões para se decidirem quanto às escolhas para o futuro, principalmente com relação a provas, vestibulares e profissões. Muitos jovens dessa faixa escolar não sabem lidar com essas pressões, de modo que alguns deles chegam a desenvolver depressão por conta disso. Resolvi em uma de minhas aulas para o 3º ano contar a história de Blaze Bayley, que sofre de depressão, desenvolvida pelas pressões e rejeições que ele recebeu na época do Iron Maiden e pelas palavras negativas ouvidas ao longo de sua carreira-solo. Traçando um paralelo entre as quedas e superações de Blaze com os problemas similares pelos quais um aluno de ensino médio passa, muitos deles vieram me agradecer pelas palavras ao fim da aula, alguns inclusive me abraçando fortemente e chorando. Eu percebia que essas lágrimas derramadas pelos meus alunos eram uma forma de desabafar e se aliviar das pressões. Todos ficaram admirados com a história de Blaze Bayley e hoje eles o adotam como fonte de inspiração.

Se todos os seres humanos cultivassem uma coisa chamada “empatia”, teríamos um mundo muito melhor. Não pense que depressão é “frescura” ou “falta de Deus no coração”. Seja então deus para essa pessoa que só precisa de ajuda. Voltemos agora ao curso normal da resenha.

Com a ajuda de sua esposa, Blaze superou o alcoolismo e conseguiu controlar sua depressão. Decidido a perseverar, Blaze decidiu dar um novo rumo a sua carreira-solo, trazendo novos músicos e inclusive mudando o nome da banda; de “Blaze”, a banda passou a se chamar “Blaze Bayley”. Colocando seu nome completo a frente da banda, Blaze passou a encarar com mais coragem seus demônios e depressões, com o propósito de mostrar ao mundo que ele ainda estava vivo. O renascimento se tornou completo com o lançamento de The Man Who Would Not Die, em 2008, cuja análise você confere amanhã aqui no Roadie Metal Cronologia.

Blood & Belief – Blaze (SPV/Steamhammer, 2004)

Tracklist:
01. Alive
02. Ten Seconds
03. Blood And Belief
04. Life And Death
05. Tearing Yourself To Pieces
06. Hollow Head
07. Will to Win
08. Regret
09. The Path And The Way
10. Soundtrack Of My Life

Line-up:
Blaze Bayley – vocais
John Slater – guitarras
Steve Wray – guitarras

Músicos contratados:
Wayne Banks – contrabaixo
Jason Bowld – bateria