O Blues é um estilo muito básico, muito simples. Tem um determinado número de padrões de levada que todo mundo já deve ter ouvido repetidas vezes, em repetidas músicas, sejam do estilo ou não, já que suas escalas são amplamente utilizadas na música popular contemporânea. O que fascina é a forma como esse padrões, tão extensivamente aplicados, conseguem, nas mãos certas, soarem sempre novos, sempre carregados de melodia e emoção. Tocar Blues é a forma mais direta de expor a alma. A música sai mais do coração do que das mãos e é por isso que ela mantém o vigor constante. É tolice pedir a um blueseiro que execute algum tipo de técnica desnecessária. No blues, uma única nota, que ressoa lânguida e amargurada, diz mais do que qualquer metralhadora estéril de sentimento.
John Mayall, inglês de nascença, já era um músico veterano quando começou a gravar seus discos e teve a oportunidade de, em seu segundo álbum, fazer parceria com Eric Clapton. Este, recém-saído do Yardbirds, também já era um nome de respeito, a caminho de receber o título de “Deus”. Goste-se ou não do que Clapton fez, ao longo de sua carreira, não dá pra negar que o sujeito é um mestre absoluto do Blues, um dos maiores músicos nesse estilo desde sempre. A parceria entre os dois, infelizmente, gerou apenas o presente disco, que é um dos melhores, não apenas da discografia de Clapton, incluindo os futuros álbuns do Cream nessa conta, mas também, com certeza, um dos maiores discos de Blues inglês já feitos.
Na composição das músicas, Clapton só participou de uma faixa, “Double Crossing Time”, um Blues arrastadão, do tipo para ouvir bebendo whisky envelhecido, em um dia nublado. O restante, são músicas de autoria de Mayall e clássicos do gênero, tirados do cancioneiro de mestres como Otis Rush, Freddie King – do qual foi executada a instrumental Hideaway -, Little Walter e Robert Johnson. É obrigatório destacar a cover de “What´d I Say”, do imortal Ray Charles, que teve intercalada, em sua execução, trechos de “Day Tripper”, dos Beatles. Um momento único da música, para dizer o mínimo, com gênios reinterpretando gênios.
Clapton canta apenas em “Ramblin On My Mind”, de Robert Johnson. Apesar dele nunca ter sido um grande cantor, consegue, com o seu timbre levemente rouco, transmitir a reverência que sente pelo antigo bluesman, objeto de sua completa devoção. Se Clapton não chama a atenção como cantor, isso não faz nenhuma diferença. Seus solos cantam por ele e poucos guitarristas tem a mesma sensibilidade. Mayall, por outro lado, tem uma voz um pouco mais impostada e, entre suas próprias músicas, merece destaque o Hard Boogie “Little Girl”.
Conhecendo o histórico de Clapton, dá para imaginar que essa parceria não iria muito longe mesmo. Não deu tempo de haver um segundo disco, pois o surgimento do Cream estava no caminho e, olhando em retrospectiva, isso era uma prioridade indiscutível. Mas, o que importa, é que os dois músicos continuam ativos e ainda fiéis ao Blues. Mayall, com um pouco menos de estrelato que seu colega, mas ainda, aos 83 anos de idade, ativo e respeitado. O Blues sempre teve o whisky como sua bebida símbolo. Deve ser, portanto, uma analogia indireta ao fato de que os anos agregam mais sabor à música dos artistas, como em nenhum outro estilo acontece da mesma forma.
Formação
John Mayall – vocal principal, piano, órgão, harmônica
Eric Clapton – guitarra, vocal principal em “Ramblin’ on My Mind”
John McVie – baixo
Hughie Flint – bateria
Músicas
01.All Your Love
02.Hideaway
03.Little Girl
04.Another Man
05.Double Crossing Time
06.What’d I Say
07.Key to Love
08.Parchman Farm
09.Have You Heard
10.Ramblin’ on My Mind
11.Steppin’ Out
12.It Ain’t Right
-
10/10