Vamos desconsiderar aqui os discos do Cream, Blind Faith, etc… Vamos nos focar apenas na discografia solo de Deus… ops, desculpe, de Eric Clapton. Tem horas em que é difícil diferenciar um do outro…

Mas, enfim, vamos nos ater ao fato de que o artista em questão lançou um de seus melhores álbuns quase vinte anos após sua estreia solo. Se os problemas que Clapton teve com o consumo de álcool são de conhecimento público, também deve ser o fato de que os méritos desse disco devem-se ao seu reencontro com a sobriedade. De qualquer forma, o momento cronológico de “Journeyman” parece ter sido escolhido de forma meticulosa. Antes, houve o lançamento do boxset “Crossroads”, um dos trabalhos mais festejados já lançados nesse formato e do qual eu me lembro muito bem, pois era inacessível para o meu orçamento na época. Depois, o consagrado “Unplugged”, do qual a canção “Tears In Heaven” obteve o seu estouro, mas que também aproveitava três das faixas do álbum em pauta.

Em certo momento de sua carreira, Clapton disse que tudo que ele fez e faz é derivativo do Blues. Mesmo quando transita por melodias mais Pop – ou qualquer que seja o estilo – a base e a intenção são originadas a partir do Blues, visando conduzir o estilo através das gerações. Eu não posso discordar disso, pois é mais do que perceptível, caso você se proponha a procurar. O guitarrista cometeu alguns – e não foram poucos – deslizes em sua carreira, mas inegavelmente o Blues sempre foi sua paixão e prioridade.

“Journeyman” nasce especial a partir de suas primeiras notas, pois “Pretending” é uma canção deliciosa, redonda e reluzente como uma pérola. A música foi composta pelo guitarrista Jerry Lynn Williams, falecido em 2005, que entregou mais quatro outras peças para o repertório do disco. Em “Pretending”, as guitarras cantam em resposta a cada estrofe, complementando toda a melodia de modo irresistível.

Depois de um pouco de suavidade em “Anything For Your Love”, vem “Bad Love”, que abre com um belo riff de wah-wah e engata em uma levada Pop Rock bem na linha da carreira solo de Phil Collins, que participa tocando bateria na gravação. A próxima arrebatação será com o Spirituals sonhador de “Running On Faith” e, a emoção que esse tipo de música provoca, meio que exige uma sequência à altura. Trazer “Hard Times”, uma composição de Ray Charles, foi uma manobra lógica. Nesse momento, podemos apreciar também o talento de Clapton como intérprete vocal. Por mais que os méritos de seu alcance não sejam equivalentes ao que faz na guitarra, ele ainda consegue transmitir todo o sentimento de veneração pelo material que escolhe para trabalhar.

“Hound Dog” é a faixa clássica, que ficou famosa na voz de Elvis Presley, e “No Alibis” revela-se apenas uma música correta, sem que seja um grande destaque. O que vem depois é que pode ser considerado dessa forma, pois “Run So Far” é uma canção de George Harrison e contém a participação do mesmo, dividindo as linhas de guitarra com o anfitrião.

A natureza sofrida de “Old Love” corrobora o que já falamos sobre a atuação de Clapton como cantor e “Breaking Point” destaca-se pelo refrão e pelos toques de Soul no andamento. Ao final, a bela balada “Lead Me On” e o clássico “Before You Accuse Me”, de Bo Diddley. “Journeyman” é um marco da trajetória de Clapton e completa seus trinta anos sem dar sinais de que ainda poderá ser superado por algum dos álbuns que lhe sucederam. Sintomaticamente, os que mais se aproximaram foram os discos onde Clapton estabeleceu foco restrito no Blues, “From The Cradle”, de 1994, e “Clapton”, de 2010.

Natural que seja assim, pois quem, além das divindades, seria mais adequado para manusear as coisas sagradas?

Músicas

01 Pretending

02 Anything for Your Love

03 Bad Love

04 Running on Faith

05 Hard Times

06 Hound Dog

07 No Alibis

08 Run So Far

09 Old Love

10 Breaking Point

11 Lead Me On

12 Before You Accuse Me