Há exatos 50 anos, numa fazenda próxima de Nova York, um grupo de jovens possuídos da sua liberdade de expressão, iniciaram uma peregrinação para o deleite que há em ouvir concertos de Rock e a grande festa que há em torno de uma grande concentração de gente que quer diversão e protesto. O evento que também foi feito por pessoas muito jovens, teve 4 dias de duração e reuniu centenas de milhares de pessoas, causando um tremendo alvoroço na comunidade local.
O festival hippie “Woodstock” revelou ou potencializou para o mundo grandes artistas como: The Who, Joe Cocker, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Creedence Clearwater e arrecadou tanto dinheiro, que pôde fazer um importante registro de fotos e videos imortalizado pela imprensa, produtores e principalmente de todos os fãs que fizeram aquilo acontecer.
Os festivais de rock e metal seguiram este modelo e fazem parte do costume de fãs no mundo inteiro, especialmente na altura do verão . A diferença de um festival na década de 60,70 para os dias de hoje, é que o engajamento anterior era politico/social. Hoje em dia, isso ainda é referido nas letras e composições, mas não somos mais rebeldes de um mundo em guerra ou com fortes oposições ideológicas. A postura que queremos defender é romper com paradigmas e conflitos internos. O ser humano ficou em evidência, não mais a sociedade. Por mais que o tradicional emblema do rock e do metal casa perfeitamente com a delinquência juvenil e o rompimento dos padrões, hoje vivemos a exposição musical como reflexo de nossos sentimentos e atitudes. Hoje é o próprio ser humano que traz à tona o espírito de contraste com a realidade. E isso é tão difuso que se expande em muitos estilos musicais dentro de um género. O espírito é sempre o oposto ao convencional, o grito é cada vez mais alto, mas o subversivo está na variação cénica e por vezes no instrumental.
O Metal perdeu sua identidade quase “trina”, suportado pelas dominações Heavy, Thrash e Black/Death para se desmembrar em pequenos acordes ou imagens que vinham de fusões internas e adesões às influências externas. E assim o Groove, o Speed, o Power, o Grind, o Hardcore e tantas outras armaduras semânticas, carregaram a música pesada com conceitos delicadamente específicos. Para identificar isso melhor, sempre é importante ir aos shows ou concertos. Não podemos abster a presença nesses locais antes de se garantir fã ou consumidor de tal trabalho.
Depois dos anos de rebeldia em Woodstock, o rock realmente invadiu todos os cantos do mundo, e o Metal brotou fecundo, sujo e ensurdecedor das periferias dos Estados Unidos e da Inglaterra. Expandiu-se pelo mundo! E não há como negar que à sombra do passado e na tentativa de criar o novo, vários estilos compõem o “Metal”. Dos antigos moldes de um festival, herdamos o delírio, os cheiros de maconha e a liberdade de não agradar as massas. Mas é só num festival de Metal que o adorável buraco do inferno surge na qualidade de um “mosh” e pessoas deslizam na multidão por um crowdsurf. E é só num festival de metal que as cabeças parecem rolar, e só num festival de música pesada você desabafa de uma vez sua raiva e sua alegria. Isso é mais lindo que bater palmas e “viajar na maionese”.
E são nos festivais que ficamos como religiosos (de Deus, do Satã ou de nenhum dos dois), porque a adoração e a fidelidade ao artista, só se pode comparar aos cultos. Nunca deixamos de buscar a juventude dos vales e fazendas que abrigam a liberdade e música, ainda que o Metal não é só um local do paz e amor, mas de fazer muito barulho, como já dizia um dos seus mestres: “O rock é a música que seus pais não gostam” – Lemmy Kilmister.
Mas saindo de Bethel (cidade do Woodstock) na década de 60 e voltando à nossa realidade, este fim de semana estivemos mais uma vez no Vagos Metal Fest (Portugal) que está em seu quarto ano de realização, com formal apresentação e conclusão realizado pelo Presidente da Câmara do Municipio de Vagos: Silvério Regalado e o realizador do evento: Luis Salgado.
O Vagos Metal Fest tem a tradição na penísula ibérica, e pode ser considerado um dos maiores e melhores festivais da região. Seu diferencial está fundamentado em criar condições de convívio com o cerne ecológico e obviamente no âmbito de prosperidade do turismo e comercio da região. Também o fomento à familia e a comunidade nos leva para uma visão mais ampla da diversão, que atinge toda e qualquer idade.
Mas o Vagos Metal Fest tem sua qualidade na insistência e na aposta em se tornar grande, competitivo mesmo que ainda jovem em relação aos festivais europeus. Isso tem a ver com o orgulho português, que como diz um amigo meu do Porto; “Orgulho que tem um bom bigode farfalhudo do Norte”, embora Vagos é um município do centro do país.
Dividido em 4 dias, o Vagos Metal Fest foi realizado com o apoio da Amazing Events, e sua equipe que tornava tudo fluido, ainda que o festival ainda está incompleto em alguns pontos. Temos uma tradição que o acompanha e ainda um pequeno numero de 18 mil participantes (em média), espaço para “Camping”, alimentação, comércio de produtos, banheiros químicos limpinhos, e também já uma área de imprensa que ajudou bastante o povo a trabalhar.
Entretanto, o público ainda parece perdido com os dois palcos, e os telões poderiam apresentar uma organização mais adequada em relação aos horários e as bandas que irão tocar. Sempre falta qualquer coisa, e sabemos que está tudo a evoluir, mas há coisas óbvias e todos apostam com agradáveis surpresas. É assim que vamos.
O Vagos Metal Fest 2019 começou debaixo de chuva, encharcou de lama e poças de água a Quinta da Ega, local de realização do evento. Nada pode lembrar mais a chuva de Woodstock que também foi elemento de diferencial para os adeptos. A lama, a chuva e a rebeldia, sempre faz parte desta grande festa. Mas a casca do metaleiro é dura e não derrete na chuva!
Os destaques do primeiro dia foram à base do encantamento moderno do som da banda “Jinjer” (que tem a beleza e irreverência da ucraniana Tatiana Shmallyuk e seu impressionante gutural com extrema facilidade em cantar duas”vibrações vocais”). Tatiana representa a juventude das “balzaquianas” que cresceram com bandas como Offspring e System of A Down. Tatiana é feminina, vegetariana e brutal; representa sua geração com tudo e ainda tem vídeo de tutorial de maquiagem no Youtube. Seu estilo que varia entre o Nu Metal e o Groove Hardcore, que estão comuns atualmente.
Mas o dia correu muito bem com bandas portuguesas como o incrivel Equaleft e enfim, a cereja do bolo foi a experiência e maturidade do Candlemass, banda que mostra para juventude atual, a semente do Doom Metal em sua versão remodelada e ainda bem sucedida, uma vez que a banda é um dos orgulhos da sua terra natal: A Suécia. E foi assim que a quinta feira, dia 8 de Agosto terminou. Uma chuva de verão, sem aviso prévio.
Mais um dia chegou com luz e calor, e não foi preciso duvidar que o dia seria lindo com som e sol a rolar. A tarde veio, e as bandas que abriram foram a “Ways.” da França tão simples como o fim de semana que começa. Um cantor pequeno na estatura, mas corajoso com seu microfone vermelho e megafone. Mas de fato o que viria a seguir é o que nos levou os olhos à curiosidade: A banda “Okkultist” . A banda trouxe uma incrível performance de sua vocalista e seus instrumentais.
A banda “Redemptus” entrou em outro palco e fez seu papel mas foi o “Exumer” que provocou a primeira chama na plateia, e tínhamos certeza que ali havia um thrash metal de primeira qualidade. Qualidade tal, que para além do mosh e crowdsurfing tradicional, o segurança também não resistiu ao som pesado e se jogou no meio da plateia enlouquecida, tornando-se assim, parte de todo espectáculo.
O show a seguir foi da banda “Necrophobic” e uma tremenda contradição entre ser uma banda de Black Metal e a simpatia inacreditável do vocalista.
Eu esperava muito pela apresentação da banda “TYR”*, mas minha maior motivação era exatamente o que eles iriam fazer no palco. Foi diferente. Apresentaram um bom show, mas quem fez o espetáculo foram os fãs, que cantaram todas as músicas e reagiram positivamente à apresentação. Essa sim era a perfeita conexão entre artista e audiência! * Em breve entrevista com o vocalista Heri Joensen.
Enquanto Watain jogava fogo na platéia com suas tochas de fogo dentro e fora do palco, The Godiva trazia um espetáculo orquestral, levando para o palco uma orquestra sinfônica da Vila Nova de Famalicão (cidade da região norte do país), que fazia um contraste inusitado e nos levou a refletir se valia a pena a fusão do Gothic/Death com o erudito.
Uma das minhas expectativas era ver uma banda que já havia tocado muitas vezes no Brasil: Primal Fear**. Uma das mais expressivas e importantes bandas do Power Metal mundial.
Vamos contar mais sobre isso na entrevista com o guitarrista Tom Neumann**.
O aguardado da noite por muitos, era o Six Feet Under, comandado pelo ex vocalista do Cannibal Corpse, Chris Barnes (88-95) que tem seu histórico e experiência consideráveis, mas seu grunhido tipico chegou à uma altura que estava repetitivo e cansativo.
Abborted abriu o terceiro dia com espetacular presença hardcore e o heavy metal de primeira linha do Midnight Priest deu um show de apresentação e performance. Não podemos esquecer o Infraktor, tao querido dos portugueses e a maturidade dos alemães do SDI que nos deixaram confortáveis com tanta competência em palco. Letthers from Colony e Alestorm foram como refresco para os olhos. Enquanto o primeiro mostrou o metal “boa onda” e feliz, o segundo levantou a platéia com seus patos de borracha, no palco e na platéia, nos remetendo à show tão divertidos como o Massacration no Brasil ou o Serrabulho (que tocou no festival no ano passado), onde a fantasia e a palhaçada tomaram conta de tudo.
Em breve! O vocalista Christopher Bowes, do Alestorm comenta em entrevista para a Roadie Metal sobre o “True Scottish Pirate Metal” que define sua banda.
Mas este coração thrash metal, ficou mesmo encantada com o Death Angel, e digo com propriedade que foi um dos melhores shows que vi na vida! A noite ainda fechou com o esperado Satyricon que levou aos palcos do festival o Black Metal Noruegues com elegância impressionante. A banda Wormwood selou a noite com peso e sobriedade.
O último dia, voltou a trazer o calor e o sol de verão. O Vendeta Fuck Metal ou Vendeta FM nos surpreendeu com um vocalista genial que desce do palco e interage com os fãs com sangue nos olhos. Musica e performance admiráveis. Tivemos o Tokikull que nos abrilhantou novamente com a espetacular voz de “Lex Thunder” do Midnight Priest (que estão ansiosos para tocar para a comunidade metal brasileira)
As meninas brilharam no último dia. As vocalistas do Ignea e do Visions of Atlantis afirmaram o poder da mulher que faz o metal!
Enquanto o Dagoba levou uma cadeira de rodas pro palco com um feliz fã, o Iron Reagen trouxe de volta o vocalista Tony Foresta depois de sua performance no ano anterior com o Municipal Waste. Vltimas o “sombrio”, mas o “choque” da noite foi o vigor absurdo e até desgastante do despojado vocalista da emblemática banda Napalm Death, Mark Greebway; que parece ter sempre um surto psicótico. Napalm Death é uma banda importantíssima na criação do Grindcore, uma das bases do Death Metal inglês e suas guitarras distorcidas, blast beats, e suas letras de curta duração com aspecto socio-político, foi marco de uma geração do metal extremo.
O Stratovarius deslizou como uma nuvem para fechar o festival. O Power Metal imortalizado junto à bandas como o Gamma Ray, Sonata Artica e Blind Guardian trouxe um carinho para os ouvidos dos headbangers que passaram dias de catarse na pequena vila de Vagos, fechando com excelência o festival.
Em que o Festival Woodstock tem a ver com o VAGOS?
“Em Woodstock a organização esperava “apenas” 60 mil pessoas, somando o público de todos os dias. Mas vieram por volta de 400 mil pessoas. Foram improvisados postos de alimentação gratuitos quando eles se depararam com uma massa sete vezes maior. Cidades vizinhas doaram frutas, enlatados e sanduíches.“
No VAGOS METAL FEST tinha um pouco de tudo. Nem grandes filas, e um numero infinitamente menor. A sociedade ganhou ao invés de doar. O turismo foi incrementado e certamente movimentou muita grana por lá!
“Em Woodstock, cercas delimitavam a área reservada ao acampamento, mas, na prática, com a superpopulação, isso não funcionou. Havia barraquinhas, colchonetes e trailers espalhados pelos quatro cantos da fazenda e até nas propriedades vizinhas.”
A área de Camping do VAGOS METAL FEST estava bem organizada e muita gente guerreira sobreviveu ao terrivel dia de chuva intensa.
“Cerca de 70 médicos e 36 enfermeiras fizeram 6 mil atendimentos durante o festival. Alguns pacientes foram levados para hospitais por helicóptero, e houveram três mortos: Um por overdose de heroína, outro por ruptura de apêndice e o terceiro, atropelado por um trator. Ainda dois bebês nasceram no festival!”
Não sabemos de partos, nem rupturas de apêndice, muito menos mortes no VAGOS METAL FEST. Digamos que o Metal é saúde!
“Mais de 600 pessoas, entre seguranças contratados pela organização e policiais voluntários, fizeram o policiamento. Mas, como era gente demais infringindo as leis, eles decidiram ser light: drogas e peladões circularam pela fazenda numa boa. “Apenas” cem pessoas foram detidas por uso de drogas.”
No VAGOS METAL FEST, nossa proteção e suporte eram os adoráveis seguranças que se divertiram tanto como nós. Não vi apoio médico por lá. Civilizamos! Ninguém se importou com o cheiro dos “baseados” e parecia todo mundo em paz e extrema felicidade!
“Atrás do palco, ficavam os trailers da produção, os camarins e o heliponto, por onde chegavam os artistas – não fosse pelos helicópteros, muitos shows não teriam acontecido. Para chegar ao palco sem enfrentar a muvuca, cantores e bandas atravessavam uma passarela exclusiva.”
A área dos bastidores era tão tranquila e de fácil acesso aos artistas, e até mesmo a imprensa. Reflexo de um bom trabalho realizado pela produtora do festival.
“32 atrações, entre artistas e bandas, passaram pelo palco, que ficava na parte mais baixa de uma pequena colina, formando um anfiteatro natural. As chuvas do fim de semana detonaram a grama que cobria o local e formaram verdadeiras piscinas de lama, onde a galera mais chapada se lambuzava à vontade.”
Tivemos 38 bandas distribuidas em 4 dias, e a chuva do primeiro dia não deixou seu rastro nos dias seguintes. Grandes artistas internacionais e nacionais, fizeram tudo que todos esperavam. Não haviam grandes erros de produção, que é comum em eventos deste porte. O improviso foi à tempo de qualquer coisa.
“A imprensa tinha até estacionamento exclusivo, mas, para enviar notícias e fotos, só mesmo nas cidades vizinhas: no acampamento, a fila do telefone durava no mínimo duas horas. A comunicação só funcionou mesmo no mural de recados, através do qual as pessoas encontravam os colegas e descolavam caronas.”
A imprensa finalmente recebeu seu espaço para trabalhar: Um container organizado para receber as equipes da cobertura do evento.
“As rodovias de acesso à fazenda ficaram intransitáveis. A viagem de Nova York a Bethel, que duraria no máximo duas horas, chegava a oito. Pessoas estacionavam na beira da estrada e caminhavam até 20 quilômetros. Houve uma chuva de pedidos de indenizações de quem tinha ingresso mas não chegou ao festival.”
Não tivemos noticias de alguem que não conseguiu entrar no evento. Os acessos e transportes para o local supriram as necessidades dos headbangers.
Estamos a espera de mais um evento único em 2020, que são todos os que todo ano temos em Vagos. Não há comparações de fato. Há algo em comum: A música nos torna mais completos e felizes. Seja no “paz e amor” , seja nos chifrinhos imortalizados pelo Dio.
Texto: Verônica Mourão
Fotos desta publicação: Anna Costa